Comentário

Em Chipre como em Portugal

Maurício Miguel

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As de­ci­sões to­madas pela União Eu­ro­peia (UE) em re­lação a Chipre re­velam a en­trada num novo pa­tamar do de­sen­vol­vi­mento da crise na e da UE. Re­tratam de forma nua e crua os pe­rigos que en­frentam os tra­ba­lha­dores e os povos de um poder po­lí­tico que na UE, como em Por­tugal, está to­tal­mente sub­me­tido às exi­gên­cias do grande ca­pital neste mo­mento de pro­funda crise. Um poder que vem eli­mi­nando quais­quer resquí­cios de di­reitos so­be­ranos e de­mo­crá­ticos que ainda sub­sistam no ema­ra­nhado de ins­tru­mentos ju­rí­dico-po­lí­ticos que en­formam as re­la­ções no seio da UE. A re­cusa do par­la­mento ci­priota de aceitar a pri­meira versão da de­cisão do eu­ro­grupo fez es­talar o verniz: o Banco Cen­tral Eu­ropeu (BCE) ame­açou «fe­char a tor­neira» dos euros, se­guiram-se de­cla­ra­ções dos mi­nis­tros das fi­nanças francês e alemão, dos seus pre­si­dentes, de Durão Bar­roso, de vá­rios co­mis­sá­rios. Num mar de imensas con­tra­di­ções, teve lugar nova ne­go­ciata e nova es­tra­tégia tendo por base as mesmas acu­sa­ções: Chipre «é uma eco­nomia de ca­sino», um «local de la­vagem de di­nheiro sujo da Rússia», o seu sector fi­nan­ceiro está so­bre­di­men­si­o­nado face ao PIB do país.

In­de­pen­den­te­mente das si­tu­a­ções par­ti­cu­lares que possam existir e que apa­rentam não ser muito di­fe­rentes das exis­tentes em vá­rios países da UE, os côn­sules do im­pério, ou seja as grandes po­tên­cias e o grande ca­pital, de­cre­taram a des­truição da eco­nomia ci­priota im­pondo-lhe uma re­ceita em muito se­me­lhante àquela que têm vindo a impor ao nosso País: pri­va­ti­za­ções, li­be­ra­li­za­ções, des­truição de ser­viços pú­blicos, des­truição de di­reitos so­ciais e la­bo­rais... Lá como cá, um go­verno da mesma fa­mília po­lí­tica as­sumiu a res­pon­sa­bi­li­dade de cum­prir o «de­sígnio na­ci­onal» que não pa­rece ser o de ga­rantir os di­reitos do povo e de­fender a sua so­be­rania mas antes: aplicar a re­ceita para Chipre não sair do euro. Per­ma­nência no euro que pa­rece por agora sus­pensa pelos li­mites im­postos ao dogma ne­o­li­beral da livre cir­cu­lação de ca­pi­tais na UE. Há quem afirme mesmo que, em Chipre, existe ac­tu­al­mente uma moeda di­fe­rente do euro, ou seja, as me­didas que li­mitam a cir­cu­lação de ca­pi­tais fazem do euro em Chipre uma moeda de um valor di­fe­rente da­quela que cir­cula nos res­tantes países da zona euro. A li­mi­tação à livre cir­cu­lação de ca­pi­tais de­monstra que afinal um dos dogmas sobre os quais é fun­dada a UE – e com fortes res­pon­sa­bi­li­dades na crise na e da UE – também pode ser ques­ti­o­nado, sempre e quando es­tejam em causa os ob­jec­tivos vi­sados com a sua apli­cação. A maior ameaça para o povo ci­priota, como para o povo por­tu­guês, é o poder de classe que é exer­cido na UE e nos nossos países. O que antes não era se­quer ques­ti­o­nável é hoje não só ques­ti­o­nado como, com um go­verno ao ser­viço da bur­guesia na­ci­onal e es­tran­geira, po­derá ser um ele­mento mais para a des­truição da eco­nomia de Chipre. Lá como cá, a questão do poder, da sua na­tu­reza e ao ser­viço de que classe está esse poder é a questão chave para uma po­lí­tica ao ser­viço dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País. É por isso que para Por­tugal, e tendo em conta a nossa grave si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial, o PCP con­si­dera que é ne­ces­sário romper com a po­lí­tica de di­reita e os seus in­tér­pretes e que apenas um go­verno que leve à prá­tica uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda po­derá servir os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País. É ur­gente re­tirar o País da re­cessão eco­nó­mica em que está mer­gu­lhado, au­men­tando a pro­dução na­ci­onal, va­lo­ri­zando os tra­ba­lha­dores, os seus sa­lá­rios e di­reitos. E para isso é ur­gente im­ple­mentar uma po­lí­tica so­be­rana que crie as rup­turas ne­ces­sá­rias com as po­lí­ticas e os tra­tados da UE que hoje im­pedem o di­reito ina­li­e­nável ao de­sen­vol­vi­mento do País e do nosso povo. E são ne­ces­sá­rias con­ver­gên­cias com ou­tros países dentro da zona euro e na UE, re­forçar e di­ver­si­ficar re­la­ções eco­nó­micas que sejam com­ple­men­tares e que te­nham como pri­o­ri­dade a pro­dução local e na­ci­onal, a ma­nu­tenção e cri­ação de em­pregos com di­reitos. Uma das ques­tões ime­di­atas com que Por­tugal, como Chipre, estão con­fron­tados é o «custo» eco­nó­mico e so­cial da sua per­ma­nência na União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária, ou seja, no euro. O com­plexo de re­la­ções, de­pen­dên­cias e in­ter­de­pen­dên­cias exis­tentes na UE e na zona euro não per­mitem so­lu­ções sim­ples ou fá­ceis. A sua per­ma­nência no en­tanto afi­gura o au­mento dessa com­ple­xi­dade e di­fi­cul­dade em dose re­do­brada



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