Um desenho a seis mãos

Jorge Cordeiro

Não fossem trá­gicas as con­sequên­cias da agressão que está a ser im­posta ao país e aos por­tu­gueses, ou­vindo e lendo o que do lado dos que subs­cre­veram o cha­mado «me­mo­rando» se tem es­crito e dito para iludir o que já não é ilu­dível, e di­ríamos estar pre­sente uma co­média de baixo gosto. En­cur­ra­lados pela re­a­li­dade de uma si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial in­sus­ten­tável, des­mas­ca­rados os in­ven­tados su­cessos, aí os temos a es­bra­cejar novos ar­gu­mentos a pro­pó­sito da de­no­mi­nada «sé­tima ava­li­ação».

Da sombra das re­fe­rên­cias mais ou menos ex­plí­citas sobre se a culpa pelo de­sastre à vista é dos de dentro ou dos de fora, emerge agora um novo e de­mo­lidor ar­gu­mento: o de que as coisas es­tarão a correr mal porque o «pro­grama está mal de­se­nhado». Uma versão ar­gu­men­ta­tiva que, sendo filha da que o líder do PS já nos havia brin­dado ao iden­ti­ficar na raiz desta rota para o pre­ci­pício uma questão de «in­com­pe­tência», é, re­co­nheça-se, de li­nhas mais pro­fundas e bem de­li­ne­adas.

Não su­cum­bi­remos ao erro de, olhando às apa­rên­cias, poder en­golir o ar­gu­mento a partir da su­per­fi­cial ob­ser­vação e do le­gi­timo im­pulso con­clu­sivo que de de­se­nhos a seis mãos o mais pro­vável é ser mais do gé­nero bor­rada do que ge­o­mé­trico ou des­cri­tivo. Não, o «pro­grama» não só não está mal de­se­nhado como o que pre­do­mina não é uma ale­gada in­com­pe­tência. As li­nhas que dão forma ao «pro­grama» são exac­ta­mente as pre­ten­didas para as­se­gurar os seus ob­jec­tivos e os que lhe dão con­cre­ti­zação re­velam tudo menos pouca com­pe­tência na sua exe­cução. Um «pro­grama» di­ri­gido para con­cre­tizar o au­mento da ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores e impor o re­tro­cesso so­cial e ci­vi­li­za­ci­onal que ga­ranta ao grande ca­pital as mar­gens de lucro am­bi­ci­o­nadas, e para as­se­gurar a sub­missão e de­pen­dência de Por­tugal aos in­te­resses do di­rec­tório das po­tên­cias eu­ro­peias, de­se­nhado pelos que no Go­verno são agentes di­rectos e bem re­mu­ne­rados desse as­salto ao País e pelos que si­mu­lando opo­sição são de facto cúm­plices de ob­jec­tivos idên­ticos ainda que tra­çados a li­nhas mais ou menos grossas ou cur­vi­lí­neas.



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