Mais do que uma mera asneira

Jorge Cordeiro

No res­caldo in­for­ma­tivo às ac­ções do pas­sado sá­bado, um jor­na­lista de um dos ca­nais de te­le­visão dis­parou para o con­vi­dado em es­túdio a per­gunta/​afir­mação se «não de­ve­riam os mi­li­tantes dos par­tidos ser proi­bidos de par­ti­cipar nesta ma­ni­fes­tação».

Não en­cer­rasse a afir­mação mais do que a ex­pressão de in­di­gência po­lí­tica e dir-se-ia que a per­gunta se li­mi­tava a re­velar o que por ra­zões de ig­no­rância, con­cepção obs­cu­ran­tista ou ir­re­pri­mível par­voíce povoa a mente do autor. A questão maior é outra e bem mais in­qui­e­tante. É que por de­trás do que pa­rece ser um acto de sú­bita in­con­ti­nência verbal, o que se es­conde ou acolhe é uma in­qui­e­tante per­me­a­bi­li­dade ao que de mais re­ac­ci­o­nário e to­ta­li­tário co­men­ta­dores e ana­listas se­meiam. A ideia en­volve três pe­ri­gosos ele­mentos: o que visa ques­ti­onar o di­reito pleno de opção par­ti­dária en­quanto ex­pressão de ci­da­dania, numa ló­gica de cri­mi­na­li­zação dessa opção e de sus­ten­tação de am­bi­ções mais ar­ro­jadas de li­qui­dação da de­mo­cracia; o que car­reia para a não ino­cente te­oria da abo­mi­nação ge­ne­ra­li­zada da po­lí­tica e dos po­lí­ticos, in­dis­pen­sável para con­fundir res­pon­sa­bi­li­dades, iludir con­teúdos e con­fundir pos­turas tão ne­ces­sária à falsa cam­panha de que os par­tidos «são todos iguais», des­ti­nada à di­fusão da des­con­fi­ança e inacção na pro­cura de po­lí­ticas al­ter­na­tivas; o que ar­di­lo­sa­mente ali­menta de con­cep­ções es­pon­ta­neístas ale­ga­da­mente se­pa­radas de tudo e de todos, li­berta de teias or­ga­ni­zadas e de pre­fe­rência sem ob­jec­tivo, tão de­se­jadas pelo poder e in­te­resses do­mi­nantes. Sem descer ao pa­tamar da as­neira que a ci­tada afir­mação ini­cial re­vela, que po­deria jus­ti­ficar a ele­mentar ob­ser­vação sobre como é que o tal im­pe­di­mento de par­ti­ci­pação se efec­ti­varia, o que im­porta é re­a­firmar o que é óbvio e ele­mentar: que não seria nos dias de hoje, de­pois de cinco dé­cadas de fas­cismo o não ter con­se­guido, que os co­mu­nistas ab­di­ca­riam de in­tervir, or­ga­nizar ou par­ti­cipar em todos e quais­quer actos ou mo­mentos que lhes é exi­gida, por res­pon­sa­bi­li­dade e dever po­lí­tico, a afir­mação e de­fesa de di­reitos e va­lores in­dis­pen­sá­veis a uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que dê res­posta às as­pi­ra­ções dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País.



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