Combate à fome e filantropia milionária

Jorge Messias

«Quando o Estado paga o nosso tratamento hospitalar, a nossa educação, a nossa pensão de reforma ou invalidez, o subsídio de desemprego ou o abono de família, está a dar-nos o que é nosso de direito. Quando contribuímos com os nossos impostos para a redistribuição da riqueza que a sociedade produz em conjunto, estamos a cumprir o nosso dever. Isto é justiça. Mas quando o Estado dá dinheiro dos contribuintes a instituições de caridade, transforma a justiça em esmola.»

(Ludwig Krippai, site Que treta?).

«Não sou ingénuo. A Igreja é um espaço do poder. Ainda mais quando é o Estado a financiar grande parte das suas obras. Há no entanto muitas desvantagens na troca da solidariedade institucionalizada pela caridade religiosa. Ela tem um preço: a compra da fé e da consciência»

(Daniel de Oliveira, «Expresso», 21.2.013).

A ONG «Oxfam», com sede em Barcelona, preparou um relatório sobre desigualdades sociais (Janeiro de 2013). Nomeadamente, nele se refere: «O sistema capitalista procura fazer acreditar que se os trabalhadores se esforçarem muito e produzirem de forma incansável, poderão vir a ser reconhecidos como parte interveniente do sistema. Entretanto, porém, a brecha entre ricos e pobres aumenta de tal modo que, somadas as fortunas pessoais dos mais ricos milionários, o montante chegaria para erradicar de todo o mundo o correspondente a quatro vezes o valor da pobreza actual»

(Metamorfose Digital, 22.1.2013).

 O desemprego é, seguramente, um dos mais graves problemas sociais da situação em que os portugueses vieram a afundar-se. Mas o poço sem fundo em que o País se encontra tem outros abismos que reflectem a impunidade das infâmias cometidas sobre a esmagadora maioria dos cidadãos. Nomeadamente: o agravamento do fosso entre ricos e pobres; a recusa à integração na vida colectiva de portugueses e portuguesas válidos e bem preparados; os «cortes» orçamentais impostos no plano das funções sociais que a Constituição atribui ao Estado; o desvio governamental de enormíssimas verbas, para os bancos e sociedades anónimas, do dinheiro destinado a financiar a economia e a criar empregos; o proteccionismo que favorece os ricos; os baixos salários e a incontrolável subida dos preços; a cedência ao estrangeiro de parcelas da soberania nacional; etc., etc. Tudo isto é pobreza. Pobreza que produz mais pobreza.

O papel que a Igreja católica tem vindo a desempenhar em todo este grave problema nacional e humano é, no mínimo, vergonhoso. Isto, mesmo fazendo apenas contas por alto.

Realmente, que perspectivas poderão ter as ONG e as IPSS para erradicarem os problemas da pobreza? Que margem política tem a presente hierarquia religiosa para se desligar dos ricos? E que sentido faz para os bispos portugueses a luta pela eliminação do fosso entre ricos e pobres?

Um outro problema central com que as igrejas se confrontam (não só a Igreja católica mas todas as mais ricas confissões monoteístas) é o da farsa grotesca da caridade filantrópica que os monopólios e as grandes fortunas vão sucessivamente proclamando. Os mais ricos fazem o seu negócio sujo e o poder religioso dá-lhes cobertura.

Dizem as estatísticas oficiais que em todo o mundo, em crescimento galopante, vegetam mais de 200 milhões de seres humanos atirados pela sofreguidão de lucro dos capitalistas para uma miséria extrema. Mas ninguém já acredita que a estatística corresponda sequer a uma aproximação à realidade constantemente agravada pelo desemprego, pelas falências, pelas guerras e pela constante desvalorização do trabalho. Inversamente, os bancos aumentam os lucros e, mesmo quando mais parecem entrar em crise e falir, fundem-se com outros ou beneficiam de injecções maciças de subsídios do Estado. Por toda a parte estoiram os escândalos. Os maiores banqueiros do mundo engrossam os seus capitais nos offshores e nos mercados mais duvidosos, como o comércio paralelo do tráfico de divisas, das drogas, da prostituição, do contrabando e do armamento. Nada disto é segredo para ninguém e, muito menos ainda, para a Igreja.

Os banqueiros transformam-se, então, em filantropos. Doam fortunas a instituições não-lucrativas, quase todas geridas pelas igrejas. Estas, tal como acontece em Portugal, entram no jogo.

Se nada confessam é porque «o segredo é a alma do negócio».



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