Luta pela Soberania e pela Constituição (2)
Em 1807 Portugal é invadido por um exército francês comandado pelo general Junot, o qual chega a Lisboa passados apenas dois dias da família real ter fugido, em 29 de Novembro, para o Brasil, com o apoio logístico da marinha inglesa.
A transferência da corte para aquela colónia determinou um variado conjunto de consequências.
Com efeito, a governação do País foi entregue pelo príncipe-regente – o futuro D. João VI –, a um colectivo, designado «Regentes do Reino» a quem foi dada ordem para que os franceses fossem bem recebidos por forma a não haver retaliações contra a população, o que veio a acontecer.
De facto, a força ocupante foi recebida cavalheirescamente por elementos da Regência, da Maçonaria e da Academia das Ciências, a fazer lembrar não só uma cena típica de uma qualquer ópera-bufa, como o beija-mão do PSD, CDS e PS à troika estrangeira.
No dia 1 de Fevereiro estala o verniz. Nesse dia, o general Junot confirma anteriores decisões de Napoleão e extingue não só o Conselho de Regência como a própria Casa de Bragança, passando os documentos oficiais a ser assinados em nome de «S.M. o Imperador dos Franceses, Rei de Itália e Protector da Confederação do Reno», a que se segue o lançamento de um elevadíssimo imposto aos portugueses, similar às directivas do FMI, BCE e UE implementadas com fidelidade canina por Passos Coelho no confisco aos nossos rendimentos do trabalho e das pensões.
A população portuguesa reagiu, como não podia deixar de ser.
Primeiramente, em 6 de Junho, no Porto, e depois em inúmeras localidades do País.
Entretanto, já havia sido solicitada a intervenção da Inglaterra no conflito, cujas tropas desembarcam apenas no dia 1 de Agosto de 1808, próximo da Figueira da Foz, numa altura em que se desenvolviam, em certas regiões, guerrilhas contra os franceses, acções, muitas delas, fomentadas por padres cujo «fervor patriótico» estava, porém, subalternizado aos interesses da realeza e da Igreja.
Em 17 e 18 desse mesmo mês ocorrem as batalhas da Roliça e do Vimeiro que ditaram a derrota dos franceses.
Esta parte da história é aquela que se aprende, quando se aprende, nas escolas.
Há, contudo, uma parte que é pouco conhecida e que constituiu um verdadeiro atentado à nossa soberania. Referimo-nos à forma como Junot, apesar de derrotado, consegue um estatuto privilegiado como se nada tivesse acontecido mercê da arrogância com que os ingleses nos tratavam.
Com efeito, a rendição dos franceses é apenas negociada entre estes e os ingleses, tendo em conta os interesses destes últimos, de tal modo que «todas as praças, fortes e fortalezas em solo português ocupadas pelos franceses são transferidas para os ingleses».
A troca de reféns excluiu os portugueses e os roubos efectuados pelos franceses não foram devolvidos aos legítimos proprietários, ou seja, Portugal não só não foi compensado pela destruição provocada pela invasão como, ainda, foi esbulhado de uma parte do seu património.
No ano seguinte, em 1809, dá-se a 2ª. invasão de Portugal, comandada por Soult, desta vez circunscrita à parte Noroeste do País e por um curto espaço de tempo, embora com efeitos dramáticos causados pela catástrofe da Ponte das Barcas, no rio Douro
Em 1810 o nosso País foi novamente invadido por um poderoso exército, comandado pelo general Massena, à frente de 80000 homens. Depois de conquistar Almeida – cujo nome consta das inscrições «gloriosas» da campanha de Napoleão no Arco do Triunfo, em Paris –, Massena dirige-se a Lisboa, sem contudo a conquistar.
Com efeito, em 27 de Setembro, sofreu sérias perdas na batalha do Buçaco, tendo posteriormente sido travado pela eficácia das Linhas de Torres.
Em Outubro de 1811 Massena abandona o nosso País.
A suserania inglesa
Expulsos os franceses ficam cá, «de pedra e cal» os ingleses cujo poder negocial reflectia o poder das suas canhoneiras como hoje acontece com o poder imperial dos EUA.
Foi neste contexto, embora em datas diferentes, que aconteceram vários importantes acontecimentos.
Por um lado, logo após a 1.ª invasão francesa, a pretexto da reestruturação do nosso exército, o general inglês, Beresford, é nomeado para essa função a que se segue o cargo de comandante-chefe, posteriormente graduado em marechal-general e Marquês de Campo Maior, o que lhe permite aumentar o seu poder na governação do País, a tal ponto que, no auge da sua influência, passa a ser um verdadeiro rei absoluto.
No plano restrito da gestão das forças armadas Beresford pautou sempre a sua conduta no favorecimento dos oficiais ingleses em detrimento dos portugueses.
Acresce a este comportamento discricionário a submissão do príncipe-regente aos interesses ingleses, permitindo, em 1808, o livre acesso aos portos do Brasil «a todas as nações amigas», leia-se Inglaterra, de que resultaram consequências gravosas para a nossa já debilitada economia.
Em 1810 surge o Tratado de Comércio e Navegação por via do qual foi fixada, relativamente aos produtos importados pelo Brasil, uma taxa aduaneira mais baixa para os produtos ingleses, comparativamente à taxa aplicada aos produtos portugueses. Uma vergonha!
Para se perceber a hecatombe verificada no nosso comércio em resultado desta submissão vejamos: em 1806 o nosso volume do comércio com o Brasil – importações e exportações –, atingiu a verba de 56 milhões de cruzados. Em 1820 esse valor regrediu para os 35 milhões, isto numa altura em que o Brasil era o destino de cerca de 80% do total das exportações portuguesas para o conjunto das suas colónias.
Somemos tudo o atrás referido, ou seja, o rescaldo das invasões francesas e a tutela inglesa.
Acrescentemos a influência dos jornais e publicações progressistas editados no estrangeiro por portugueses exilados.
Acrescentemos, igualmente, os acontecimentos revolucionários verificados na vizinha Espanha e encontraremos o caldo de cultura para reacção dos portugueses, quer na tentativa revolucionária de 1817, quer na Revolução de 1820.