Devolver ao País o que é do País
O Secretário-geral do PCP rejeitou o «falso dilema» com que o povo é chantageado – entre mais impostos ou menos direitos sociais –, acusando o Governo de atacar pelos dois lados. Intervindo sexta-feira no debate quinzenal com o primeiro-ministro, assegurou todavia que o País «tem alternativa».
Governo e FMI não beliscam os grandes interesses
Jerónimo de Sousa quis ouvir o que Passos Coelho tinha para dizer sobre essa questão que em sua opinião está colocada pelo Governo aos portugueses que é a de terem de escolher qual a «árvore em que querem ser enforcados», o mesmo é dizer: ou sujeitarem-se a mais impostos ou verem reduzidas as funções sociais do Estado.
É «um falso dilema», asseverou o líder comunista, primeiro, porque o Governo «está a fazer precisamente as duas coisas», segundo, porque há «sempre alternativa», que passa necessariamente «por resgatar o País, por devolver ao País o que é do País, as suas empresas dos vários sectores, os seus recursos naturais, pelo respeito dos direitos e do salário de quem trabalha».
Daí ter chamado a atenção do seu interlocutor para o facto de este nunca se referir à «necessidade de criar mais receita, de criar mais riqueza e, consequentemente, mais emprego por via do «aumento da produção nacional, do nosso aparelho produtivo».
E voltou a lembrar que Portugal «não é um país pobre, tem potencialidades imensas, caso exista vontade de concretizar» essa política alternativa.
Por isso a recusa categórica de Jerónimo de Sousa em aceitar o «dilema dramático» colocado pelo chefe do Governo ao povo, «ou isto ou aquilo», «negando a solução duradoura, estrutural para o nosso futuro colectivo».
Passos Coelho, na resposta, depois de afirmar que «há sempre uma alternativa» em democracia, reconheceu que o PCP «tem alternativas», ao contrário do PS que disse não apresentar nenhuma. Grave foi que tenha dado por assente que o «povo português não quer» a alternativa proposta pelo PCP porque, alegou, isso representaria lançar o País na «pobreza por dezenas e dezenas de anos». Não se coibiu assim de lançar mão da mentira, agitar o espantalho do caos, incentivar o medo, arvorar-se em mandatário da vontade popular. Isto vindo de quem perdeu qualquer réstia de legitimidade por fazer o contrário do que prometeu ao eleitorado, exorbitar o programa sufragado, ter em marcha um plano destruidor de direitos económicos e sociais que viola grosseiramente a Lei Fundamental.
Injustiças como marca
«Como é que consegue dizer sem corar que está preocupado com a injustiça na distribuição da riqueza quando está a cortar, a congelar salários e pensões, a retirar e a eliminar direitos?», perguntou o Secretário-geral do PCP, que insistiu junto do primeiro-ministro: «Como é que pode dizer isso sem decoro quando se sabe que essa clivagem resulta da transferência abismal de dinheiros públicos, de milhares, de milhões de euros para aqueles que hoje concentram e centralizam a riqueza na sociedade portuguesa, os banqueiros e os grandes grupos económicos?»
Em face desta situação que considerou o resultado de «uma política concreta», Jerónimo de Sousa desafiou por isso Passos Coelho a deixar-se de «declarações de intenção», porque dessas «está o inferno cheio».
«Olhe para a verdade, assuma a responsabilidade de que essa injustiça também tem a sua mão, tem a mão do Governo», instou o líder do PCP.
O chefe do Governo, na resposta, escudou-se no compromisso com a troika de «não elevar o SMN durante o período de vigência do programa de assistência económica e financeira» para justificar a sua recusa a essa medida de elementar justiça que é a valorização do salário mínimo, dizendo tratar-se de «uma matéria que está regulada de forma muito clara».
Com um refinado descaramento, adiantou porém que o Governo tem procurado noutras matérias «corrigir a injustiça na distribuição dos rendimentos», por via, nomeadamente, do que disse ser a criação de «condições» para poupar «aqueles que têm rendimentos mais baixos» ao «contributo para a correcção dos desequilíbrios», eufemismo para ataque fiscal e confisco aos salários e pensões.
Passos Coelho assegurou mesmo que o Governo, «apesar de estarmos em tempo de reduzir a despesa pública», «conseguiu manter um aumento de despesa social, garantida pelo programa de emergência social», actualizando «acima da inflação as pensões mínimas e de sobrevivência».
«Fale com verdade», interpôs Jerónimo de Sousa, inconformado com a resposta dada à sua questão. É que o programa social de que falou Passos Coelho está com um orçamento de 200 milhões euros e os cortes que o Governo faz no plano da protecção social são dez vezes mais.
Os dramas humanos
não cabem nas estatísticas
Suscitada pelo líder comunista foi a questão das assinaláveis diferenças registadas, em função da entidade, no que toca às previsões macro-económicas. O que o levou a admitir que até «parece que alguém quer enganar alguém». Com efeito, em aspectos essenciais, não bate certo o que está no OE para 2013 com o que diz o recente relatório de Inverno do Banco de Portugal.
Referindo-se ao que está neste último documento, encurtando razões, Jerónimo de Sousa assinalou que nele se pode ler que o PIB vai cair quase o dobro do que se esperava, que o investimento vai ter uma quebra que é o dobro do que se esperava, que mesmo as exportações vão cair para metade do que está previsto no OE, que o consumo das famílias vai ter uma queda que é o dobro do estimado pelo Governo e que a somar aos «180 e muitos mil empregos que foram liquidados no ano de 2012» venham a ser «abatidos mais de 90 mil empregos».
Erigindo-a como «uma questão central», Jerónimo de Sousa não escondeu a sua profunda indignação pelo facto de as bancadas da maioria olharem para o problema do emprego e do desemprego como uma mera «questão estatística», esquecendo que «por detrás desse mais de um milhão de desempregados está um drama, está a destruição de vidas, está a entrega de casas, está uma perspectiva de desesperança em relação ao seu futuro».
«Não venham com as estatísticas porque a realidade, os problemas, os dramas não cabem nessas estatísticas», exigiu Jerónimo de Sousa, antes de se interrogar sobre quem é que afinal «quer enganar alguém – o Governo ou o Banco de Portugal –, mesmo no quadro das previsões».
Bem vistas as coisas, admitiu porém que até possa haver «algum fundo de verdade», atendendo ao chamado «plano B» de que falou o Governo para o cumprimento das metas do OE de 2013.
«Diga lá senhor primeiro-ministro: vai começar a exercitar esse plano plano B? Qual o seu conteúdo? Quais as suas perspectivas, para além dessa questão da reforma do Estado em que quer arrancar mais 4000 milhões a quem trabalha?», inquiriu.
Capital incólume
E acabando como começou, Jerónimo de Sousa lançou um desafio final a Passos Coelho relacionado com a alegada preocupação que este diz ter sobre a distribuição da riqueza.
«Nesse relatório do FMI, aponte lá uma medida que seja que toque, que belisque os grandes interesses, o capital financeiro e os grupos económicos», foi o repto lançado pelo líder comunista.
Não mais que generalidades foi o que obteve como resposta do primeiro-ministro, com este a cingir-se à afirmação de que o relatório do FMI solicitado pelo Governo «contribui para o exercício de revisão das políticas públicas», sendo encarado como «suporte importante e bem estruturado» para o que chamou de «exercício» para as «poupanças» que diz ser preciso encontrar.
Quanto à questão concreta que lhe fora colocada, essa ficou em branco, assim se comprovando o que Jerónimo de Sousa antevira momentos antes: que o primeiro-ministro foi ao Parlamento «fazer demagogia, falsas promessas, quando a realidade é bem outra».