Subversão do princípio da progressividade do IRS
O Avante!, na sua edição de 27/9/2012, chamou atenção para o Artigo 104.º da Constituição, o qual estabelece o princípio da progressividade do IRS. A subversão desta norma constitui um atentado ao normativo constitucional, facto que deve levar os portugueses a lutarem pela reposição da legalidade.
O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar (Artigo 104.º da Constituição)
Posteriormente à data atrás referida, e ainda bem, vários constitucionalistas e várias organizações de índole diversa têm convergido na exigência do cumprimento da lei fundamental do País, indo algumas delas ao ponto de reclamar do Presidente da República que após a recepção do Orçamento do Estado – a ser aprovado na Assembleia da República –, o envie de imediato para o Tribunal Constitucional, cuja composição, a ter em conta as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, no passado dia 21 de Outubro, é maioritariamente de direita.
Esta afirmação não subalterniza o óbvio, ou seja, o já referido Artigo 104.º existe, está em vigor, está escrito em bom português e em linguagem corrente e não suscita qualquer dúvida, salvo para aqueles que pretendem esmagar o povo, em nome dos interesses oligárquicos e da subversão as leis.
A Constituição deve ser respeitada e tudo deve ser feito nesse sentido.
Nessa luta o lugar da informação tem um papel destacado. Conhecer para transformar tem, como sempre teve, toda a actualidade.
Dimensão dos impostos e das contribuições
A primeira pergunta que se impõe é esta: a carga fiscal em Portugal, comparativamente aos 27 países da União Europeia é muito elevada? A resposta é a seguinte: não é.
De facto, se correlacionarmos a carga fiscal ao valor do PIB (riqueza criada) verificamos que a mesma, em Portugal, corresponde a 31,5 por cento do PIB, valor reportado a 2010.
Nos 27 países da UE a média corresponde a cerca de 38,5 por cento, valor influenciado por fortes assimetrias.
Com efeito, na UE há três grandes grupos.
O grupo com carga fiscal mais baixo é constituído por cinco países do Leste europeu – Lituânia, Letónia, Bulgária, Roménia e Eslováquia –, a que se junta a Irlanda, todos eles com percentagens inferiores a 30 por cento do PIB.
Em sentido oposto, ou seja, países com carga fiscal superior a 40 por cento, temos a Áustria, Itália, França, Finlândia, Bélgica, Suécia e Dinamarca, sendo este último aquele com maior carga fiscal, cerca de 47,6 por cento do PIB.
Entre um e outro grupo, onde se inclui Portugal, há 14 países com uma carga fiscal balizada entre os 30 por cento e os 40 por cento.
Portugal, no ranking dos 27 países, aparece em oitavo lugar, muito próximo dos valores da Grécia, da Polónia e da Espanha e muitíssimo longe dos regimes aplicados nos países da Escandinávia.
O facto de, em termos internacionais e tendo com referência o PIB, Portugal não ter, nesses parâmetros, valores muito elevados não significa que não haja impostos elevados no nosso País.
Há impostos muito elevados e esses dizem respeito à carga fiscal imposta aos trabalhadores e aos reformados, não apenas em sede de IRS mas também por via dos impostos aplicados ao consumo.
Em contrapartida Portugal é um paraíso fiscal para o capital, designadamente para a banca e para as grandes empresas exímias na fuga aos impostos por via do chamado «planeamento fiscal».
Estrutura da carga fiscal em Portugal
Em Portugal a carga fiscal está alicerçada em três grandes grupos.
─ os impostos directos: IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares); IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas) e outros impostos cuja expressão corresponde apenas a 2,1 por cento do total da carga fiscal;
─ os impostos indirectos: IVA, ISP, Imposto sobre o tabaco, Imposto de selo, Contribuição Autárquica/IMI, Imposto sobre o registo de automóveis, SISA/IMT, e outros impostos indirectos cuja expressão não representa mais do 2,8 por cento do total da carga fiscal;
─ contribuições sociais: verbas que os patrões e os trabalhadores descontam sobre o rendimento do trabalho para os vários regimes de Segurança Social.
De acordo com o INE a carga fiscal reportada a 2011 atingiu a verba de 56 802,4 milhões de euros.
Se desagregarmos esse valor por cada um dos impostos e contribuições verificaremos que cerca de 82 por cento da carga fiscal abrange apenas os seguintes seis regimes:
─ IVA, 14 234,7 milhões de euros;
─ IRS, 10 516,4 milhões de euros;
─ Contribuição patronal para a Segurança Social: 9072,2 milhões de euros;
─ Contribuição dos trabalhadores por conta de outrem para a Segurança Social: 6303,9 milhões de euros;
─ IRC: 5270,5 milhões de euros;
─ ISP: 3002,3 milhões de euros.
Os dados acima referidos são altamente expressivos. Eles induzem três importantes questões:
─ primeira questão: o esforço exigido ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e às contribuições para a Segurança Social pagas pelos trabalhadores totaliza 16 820,3 milhões de euros;
─ segunda questão: o esforço exigido ao patronato, em IRC e em contribuições para a Segurança Social, totaliza 14 342,7 milhões de euros;
─ terceira questão: o IVA, imposto sobre o consumo, é um imposto que, em termos absolutos, tanto penaliza o rico como o pobre, ou seja, o esforço do senhor Américo Amorim na compra de uma embalagem de leite é quantitativamente igual ao esforço da sua empregada doméstica, embora abissalmente diferente em termos percentuais.
Quanto à primeira questão convém esclarecer o seguinte: o IRS abrange os rendimentos provenientes do trabalho, das reformas mas também inclui os rendimentos do capital e da propriedade.
Em 2010, de acordo com a Autoridade Tributária e Aduaneira, do IRS arrecadado pelo Estado, cerca de 89,1 por cento dizia respeito aos valores despendidos pelos rendimentos do trabalho e das pensões, enquanto que o remanescente, ou seja 10,9 por cento, dizia respeito aos rendimentos do capital e da propriedade.
Estamos a falar de uma profunda desigualdade mas cujos efeitos deve deliciar António Borges, Braga de Macedo, Medina Carreira, Cantiga Esteves, João Duque, Miguel Beleza, César das Neves bem com os incontornáveis comentadores com assento diário na RTP, SIC e TVI, insignes especialistas na teoria de que os portugueses, todos eles, sem excepção, vivem acima das suas possibilidades.
Quanto à segunda questão, de acordo com o INE, o valor do imposto sobre o lucro das empresas (IRC) atingiu a verba de 5270,5 milhões de euros suportada por perto de 200 000 empresas cuja taxa média foi de apenas 17 por cento, havendo – pasme-se! –, taxas médias de seis por cento, como a aplicada às actividades de consultoria, científicas, técnicas e afins.
Sublinhe-se que, naquele ano, houve 155 780 empresas que reportaram resultados líquidos negativos na ordem dos 13 780 milhões de euros, facto que indicia uma forte fuga aos impostos por via da chamada engenharia fiscal criativa, esquema só possível pelas políticas permissivas na área fiscal do PS, PSD e CDS-PP.
Esta fuga fiscal não se circunscreveu apenas a 2010. Ele tem perdurado no tempo.
Por exemplo, em 2009, segundo o jornal Público de 4/4/2011, cerca de 37,2 por cento das empresas declararam prejuízos fiscais, envolvendo 145 404 unidades empresariais. De acordo com o mesmo jornal (2/8/2010), «Em 1994, só um terço das cerca de 200 000 sociedades pagava IRC. Para 2007, apenas 36 por cento das 379 000 empresas declararam ter actividade suficiente para pagar IRC».
Estes números, apesar da sua expressividade, não identificam a distorção da nossa estrutura fiscal.
As grandes fortunas não são beliscadas,
O bloco central de interesses imunizou os grandes interesses no pagamento de impostos associados aos seu lucros.
É preciso, pois, uma alteração radical contra tal estado de coisas.
O PCP tem propostas concretas nesse sentido, claramente expressa nas Teses em discussão no contexto do XIX Congresso.
Tais propostas vão no sentido de:
─ romper com o escandaloso favorecimento da banca, da especulação financeira;
─ aumentar a carga fiscal dos grupos económicos nacionais e estrangeiros por forma a aliviar a carga fiscal sobre os trabalhadores e os reformados;
─ incrementar uma política que promova o alargamento da base tributária;
─ desenvolver a fiscalização tributária;
─ diminuir os benefícios fiscais para o capital;
─ diminuir o IVA;
─ combater eficazmente a fraude e a evasão fiscal; pôr termo aos offshores;
─ implementar uma justa tributação dos ganhos mobiliários do património de luxo e da especulação bolsista.
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Fonte:
- Estatísticas das Receitas Fiscais, 1995-2011, INE, 19/19/2012