De Oslo, com amor
Em entrevista à TVI 24, o engenheiro Ângelo Correia fez no passado domingo prova pública de que, para além das decerto muito numerosas tarefas que desempenha, se aplica também a ver a passar os automóveis e a extrair dessa prática conclusões inteligentes: de facto, ao denunciar a abundância de carros de origem alemã que abundam nas estradas e ruas portuguesas, carros de alta cilindrada e consequente alto preço, o engenheiro deu um concreto exemplo de como a impossibilidade de controlar importações em resultado da eliminação de barreiras aduaneiras imposta pela nossa adesão à União Europeia é funesta para a nossa balança comercial e, portanto, para o nosso défice externo. Ouvindo-o, os telespectadores poderiam ter lembrado que, há já muitos anos, uma voz qualificada do PCP havia citado, a propósito dessa adesão e do desarme que ela implicaria para a gestão do nosso comércio externo, a fábula da panela de barro e da panela de ferro, ambas lançadas ao mesmo caudal de um rio, com a consequência da panela de barro se ter desfeito em cacos após o choque com a panela de ferro. É claro que o senhor engenheiro não lembrou a fábula, muito menos a voz que então a citou, mas de tudo quando disse bem se podia concluir que também ele sabe que desta convivência paritária e indefesa de uma economia fragilíssima com uma economia poderosa decorre naturalmente que a primeira fica em cacos. Pelo que talvez seja adequado que se tome providências, e urgente.
Mais um caso no cadastro
Ora, esta conversa de Ângelo Correia aconteceu na esteira de comentários à atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia, decisão que muito alegrou e foi festejada por quantos se encantam não apenas com a existência da União mas também, e talvez sobretudo, com o estado de coisas por ela de facto imposto para lá das estórias de solidariedades que a prática há muito desmentiu. Na sua esmagadora maioria, os europeus em geral, e concretamente os europeus portugueses, já se aperceberam de que a solidariedade europeia, em tempos expressa pela fórmula optimista de «a Europa connosco», há muito foi metida numa gaveta semelhante àquela em que o doutor Soares encafuou o Socialismo. Há, porém, quem goste assim. E «assim», significa uma Europa entregue aos grandes poderes financeiros, dominada por um tecido bancário que largamente excede os limites geográficos europeus e por potentados comerciais/industriais que trocaram as possíveis defesas da indústria europeia pela possibilidade de eles próprios se poderem instalar em lugares distantes onde a exploração de uma mão-de-obra muito barata lhes permite embolsar lucros fabulosos. Em linguagem talvez mais simples, isto significa que o interesse da generalidade dos cidadãos europeus, especialmente dos trabalhadores, foi trocado por lucros embolsados capitalismo pelo capitalismo supostamente europeu mas de facto transnacional, pois também os grandes grupos empresariais europeus estão colonizados por capitais de outras origens, designadamente norte-americanos. Tudo isto resulta numa paisagem feia mas que, pelos vistos, agrada aos académicos de Oslo (diferentemente dos outros prémios Nobel, atribuídos em Estocolmo, o da Paz é atribuído pela Academia norueguesa, como se sabe), de tal modo que o texto da sua decisão até inclui uma vaidosa alusão a «sessenta anos de Paz na Europa», omitindo escandalosamente os anos de guerra atroz nos Balcãs, na sequência do esquartejamento da Jugoslávia desecancadeado pelo criminoso reconhecimento unilateral da independência da Croácia por uma Alemanha ansiosa pela sua «expansão a Leste». Não é que a Academia norueguesa seja míope, acontece apenas que é desta Europa submetida aos poderes do capitalismo sem princípio mas com fins que ela gosta, de onde esta declaração de amor. É mais um caso a acrescentar à extensa lista negra de delitos e escândalos que caracterizam os Nobel ao longo dos tempos, desde o Nobel da Literatura entregue a Churchill até ao Nobel da Paz atribuído a Obama. Acrescente-se, pois, ao cadastro.