O clube desportivo e o seu «produto»

A. Melo de Carvalho

O termo «pro­duto» pro­voca um so­bres­salto em todo o Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo, e o di­ri­gente des­por­tivo vo­lun­tário tem uma enorme di­fi­cul­dade em in­tegrá-lo no seu campo de re­flexão. O «pro­duto» de um clube não é mais do que cada ac­ti­vi­dade, ou con­junto de ac­ti­vi­dades que o clube «ofe­rece» aos seus só­cios. A «oferta» é, por isso, uma noção in­dis­so­ciável da pri­meira. En­contra re­sis­tên­cias, na me­dida em que é en­ca­rada como uma pres­tação de ser­viço «co­mer­cial» e não é, por isso, per­cep­ci­o­nada como um «ser­viço» de­sin­te­res­sado na boa tra­dição as­so­ci­a­tiva, his­to­ri­ca­mente des­ti­nada a re­forçar os laços de so­li­da­ri­e­dade e a for­necer res­postas a pro­blemas es­pe­cí­ficos do grupo dos as­so­ci­ados que se jun­taram para criar e pôr a fun­ci­onar o clube.

To­davia, cada «ser­viço» tem o seu custo e, para res­ponder à «pro­cura», tem de pos­suir ca­rac­te­rís­ticas es­pe­cí­ficas. Os lo­cais, o equi­pa­mento, o en­qua­dra­mento téc­nico e o tra­balho ad­mi­nis­tra­tivo, têm um custo. As no­ções de pro­duto, de oferta, de ser­viço e de custo, estão assim in­te­gradas num pro­cesso, su­bor­di­nado a uma ló­gica comum.

Torna-se evi­dente que se o «ser­viço» tem um de­ter­mi­nado custo, a questão fi­nan­ceira as­sume uma im­por­tância de­ci­siva. Nesta ló­gica, cabe ao di­ri­gente des­por­tivo as­so­ci­a­tivo pro­curar obter o me­lhor ser­viço pelo mais baixo custo. E, ainda na mesma pers­pec­tiva, a res­posta à «pro­cura» tem que ser for­ne­cida por um «pro­duto» que re­pre­senta um «ser­viço», viável através de um certo «custo».

Não há dú­vida de que nos en­con­tramos pe­rante um en­ca­deado ló­gico ra­zoável e, sendo, assim, não se com­pre­ende a re­acção de so­bres­salto do di­ri­gente des­por­tivo vo­lun­tário quando se lhe fala nestes termos. A origem é sim­ples e as­sume um ca­rácter mul­ti­fa­ce­tado: a ló­gica eco­nó­mica que subjaz a este ra­ci­o­cínio é, em tudo, idên­tica à do fun­ci­o­na­mento da em­presa, cuja fi­na­li­dade con­siste em criar um pro­duto e de o vender com lucro. O que está em causa é a efi­cácia dos mé­todos uti­li­zados, para «vender» e obter o má­ximo lucro para o em­pre­sário, cuja pre­o­cu­pação com a so­li­da­ri­e­dade não entra na es­tru­tura do seu tra­balho.

Ora, a ação do di­ri­gente des­por­tivo vo­lun­tário situa-se, por de­fi­nição tra­di­ci­onal, no campo do de­sin­te­resse ma­te­rial ca­rac­te­rís­tico da si­tu­ação de «amador» – aquele que par­ti­cipa na or­ga­ni­zação des­por­tiva sem re­ceber di­nheiro (Dic. Lello Uni­versal). Mas, se se re­tirar a noção de «ob­tenção de lucro má­ximo» àquela pers­pe­tiva e a subs­ti­tuirmos pela de «in­ves­ti­mento ne­ces­sário» não se es­tará a acertar a ac­ti­vi­dade do clube pela hora pre­sente?

As re­a­ções do di­ri­gente pa­recem, desta forma, ina­de­quadas e ul­tra­pas­sadas. Por um lado, porque não é pos­sível negar que o des­porto se in­tegra, pelo menos em larga me­dida, no campo do eco­nó­mico. Ou seja, no sector de ac­ti­vi­dade so­cial de onde qual­quer tipo de ra­ci­o­cínio é ori­gi­nário. Por outro lado, uma das ques­tões es­sen­ciais que se co­locam na ac­tu­a­li­dade do di­ri­gente vo­lun­tário é a questão dos meios fi­nan­ceiros, tra­du­zidos nas cró­nicas di­fi­cul­dades eco­nó­micas que en­frenta a gestão do clube.

Tudo in­dica, por isso, que a pre­o­cu­pação cen­tral do di­ri­gente se situe no âm­bito da ren­di­bi­li­dade das ac­ti­vi­dades or­ga­ni­zadas. Por isso, muitos afirmam que serão os di­ri­gentes com a ini­ci­a­tiva e trans­for­mados em au­tên­ticos «ma­na­gers» ges­ti­o­ná­rios, que pas­sarão a ori­entar a vida do clube, pois uti­li­zarão os mé­todos, as téc­nicas e os uten­sí­lios de gestão ca­pazes de ren­di­bi­li­zarem a prá­tica des­por­tiva. Desta forma vi­a­bi­li­zarão o clube des­por­tivo que será capaz, não só de so­bre­viver, como de res­ponder a uma exi­gência sempre acres­cida de me­lhoria da qua­li­dade da «oferta».

Na re­a­li­dade, a questão não pode ser co­brada desta forma tão sim­ples­mente es­que­má­tica. Antes de tudo porque a acção do di­ri­gente as­sume um ca­rácter de in­te­resse so­cial, cor­res­pon­dendo a uma subs­ti­tuição da acção do Es­tado em termos de uma co­la­bo­ração que con­fi­gura um ser­viço pú­blico. Esta pers­pec­tiva não pode ser es­ca­mo­teada ou es­que­cida quando se fala da ac­ti­vi­dade do clube e da acção do di­ri­gente e é ela que cons­titui o ele­mento di­fe­ren­ci­ador es­sen­cial entre a as­so­ci­ação vo­lun­tária que or­ga­niza ser­viços que partem de ne­ces­si­dades es­pe­cí­ficas da po­pu­lação de onde emerge, e a em­presa pri­vada que or­ga­niza ser­viços que res­pondem à pro­cura ex­pressa com o ob­jec­tivo de al­cançar o má­ximo lucro. É também esta di­fe­rença que jus­ti­fica a di­fe­ren­ci­ação entre o cli­ente (da em­presa) como con­su­midor, e o uti­li­zador, pra­ti­cante de uma ac­ti­vi­dade or­ga­ni­zada pelo clube como afir­mação plena do ci­dadão (ou ci­dadã).

Na­tu­ral­mente que, na pers­pec­tiva ne­o­li­beral do «menos Es­tado» que pro­cura des­res­pon­sa­bi­lizá-lo de atri­bui­ções es­sen­ciais para o pro­gresso da co­mu­ni­dade em pra­ti­ca­mente todas as áreas da ac­ti­vi­dade so­cial (desde que per­mitam obter lucro através da ini­ci­a­tiva pri­vada em que a noção de ser­viço pú­blico é li­qui­dada), o es­forço con­siste em con­vencer toda a po­pu­lação (in­cluindo os di­ri­gentes des­por­tivos es­pe­ciais de­fen­sores dos con­ceitos de so­li­da­ri­e­dade, in­te­resse pú­blico, acção ma­te­ri­al­mente de­sin­te­res­sada co­lo­cada ao ser­viço da co­mu­ni­dade) de que todas estas con­cep­ções estão ul­tra­pas­sadas e só os «di­nos­sauros» so­bre­vi­ventes as de­fendem (ar­gu­mentos de quem não tem ar­gu­men­tação con­sis­tente e séria).

Ora, exis­tindo, na­tu­ral­mente, pontos de con­tacto entre a em­presa pri­vada e a em­presa pú­blica, entre a «as­so­ci­ação em­pre­sa­rial» e a «as­so­ci­ação vo­lun­tária de so­li­da­ri­e­dade», a sua na­tu­reza e fi­na­li­dade são es­tru­tu­ral­mente di­fe­rentes.

 

 



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