A doutrina e os actos
«O escândalo é grave quando dado por quem, por natureza ou em virtude da função que exerce, é obrigado a ensinar e a educar os outros» («Catecismo da Igreja Católica», Nº. 2285).
«Para o Vaticano, o capitalismo, o lucro, a mundialização, a exploração da natureza ou a exportação de capital, o crescimento e o desenvolvimento desregrado, não são grandes problemas. A dificuldade actual da humanidade reside apenas no excesso» (Serge Lalouche, «A economia segundo a Igreja»).
«Nas sociedades capitalistas, a liberdade nunca fica longe daquilo que ela era nas repúblicas da Antiga Grécia: liberdade para os senhores de escravos. Hoje, e ao longo da exploração capitalista, os actuais escravos assalariados vivem tão roídos pelas chagas da sua miséria, tão esmagados pela pobreza, que se desinteressam pela democracia, pela política, a ponto de que na vida de todos os dias, no curso normal, pacífico, dos acontecimentos, a maioria da população fica alheia ao significado político e social de tudo quanto se passa! ... Democracia para um número ínfimo de homens ricos, «democratismo», é este o traço principal da sociedade burguesa capitalista» (V.I. Lenine, «L'État et la Revolution»).
Como já mencionámos anteriormente, ainda que de fugida, o actual quadro mundial em que participamos pode esboçar-se a partir de dois traços essenciais.
Em primeiro lugar, um gigantesco grupo monopolista, já detentor de poderes do Estado, avança, cilindrando pelo caminho direitos do homem, princípios democráticos, aspirações dos povos – tudo quanto possa dificultar a rápida instalação de uma Nova Ordem Mundial ou Nova Era autoritária. É o regresso da doutrina nazi servida pelas formações brutais das SS.
Em segundo lugar, decorre uma sinistra comédia desumana, em que as grandes religiões organizadas desempenham os principais papéis enquanto embolsam lucros nunca imaginados. Especialistas em fábulas e utopias, as igrejas de topo aceitam interpretar as funções de fanáticos agentes do pesadelo capitalista. Cantam as virtudes dos pobres enquanto celebram nos seus templos os monopólios e lhes servem de pilares, fechando os olhos aos crimes das instituições e dos homens obscenamente ricos.
Por isso, no presente, muito pouco é pedido a bispos e cardeais. Basta que se calem. Que não revelem as podridões do Vaticano. Que não desvendem que a corrupção e o medo traçam a história oculta da Igreja oficial católica.
Tanto haveria a dizer em tão pouco espaço... As fraudes cristãs irrompem por toda a parte. São conspirações que o poder e a Igreja tecem contra os direitos dos cidadãos. Atentados ao pudor. Lucros que o Vaticano obtém com a progressiva escravização do trabalho. Dimensões ciclópicas dos capitais católicos investidos em monopólios. Off-shores, equyti shares... e muito mais.
A respeito de tudo isto, os crentes que não perderam a noção do amor pelo próximo sabem tão pouco como os outros cidadãos. Reagem como os não crentes reagem. E percebem que ao assumirem, ao lado do seu povo, a defesa dos valores comuns, não o fazem porque a sua fé esteja em causa nem porque a sua Igreja esteja em perigo. Entendem que a sociedade laica deve mudar e que a mudança deve ser acompanhada pela humanização de uma Igreja com as mãos limpas.
Ainda há meia dúzia de dias declarou D. José Policarpo: «é preocupante saber de sacerdotes que acerca de aspectos vitais ousam dizer: a Igreja pensa que… mas eu penso de outro modo!». A pastoral dos fiéis, declarou o cardeal com muito ênfase, deve ser respeitada. A tradição latina tem de manter-se e continuar a ser: santidade e obediência, pobreza, renúncia aos bens materiais, castidade, perdão e caridade por parte do povo cristão...
Saúdo com alegria a dignidade que estes sacerdotes revelam. Não o faço por razões políticas mas porque é sempre admirável reconhecer nos outros princípios e valores que se sobrepõem à noção do risco e se erguem justamente quando tudo parece desabar.
Que tais posições se mantenham e novos exemplos venham reforçar as fileiras dos novos católicos. Portugal tem de mudar em todas as suas áreas vitais. Se a Igreja continuar a ser um peso-morto, tal como o Cardeal a descreve, a mudança resultará de um embate que ninguém deseja, entre o passado e o futuro. Mas virá. Inevitavelmente.
Casos como estes permitem conservar a esperança.
(continua)