A exploração não tem cor

Carlos Lopes Pereira

O 11.º Congresso da COSATU, a grande central sindical da África do Sul, está a decorrer desde o início da semana e termina hoje, quinta-feira, em Midrand, a Norte de Joanesburgo.

Devem ser reeleitos os principais dirigentes da organização, entre os quais o secretário-geral Zwelinzima Vavi, num sinal de que os sindicalistas procuram reforçar a unidade da central, numa altura em que se continua a registar greves, algumas ilegais, manifestações e confrontos com a polícia na zona mineira de Rustenburg, onde em meados de Agosto morreram 44 pessoas em Marikana. E onde surgiram críticas aos dirigentes do importante Sindicato Nacional dos Mineiros (NUM) – um dos esteios da COSATU –, no sentido de que alguns sindicalistas não defendem os interesses dos trabalhadores e se deixaram corromper.

O presidente sul-africano, Jacob Zuma, discursando na abertura do congresso, enumerou os avanços registados no país desde a queda do apartheid, em 1994, e sublinhou a importância da aliança entre o Congresso Nacional Africano (ANC), a COSATU e o Partido Comunista Sul-Africano (PCSA) para o aprofundamento da revolução democrática nacional.

Sobre a situação na mina de Marikana, Zuma reafirmou que empregadores e trabalhadores têm mecanismos previstos nas leis do país para estabelecer relações laborais pacíficas, sem necessidade de recorrer à violência. E considerou que é imprescindível restaurar a paz laboral e a estabilidade nos locais de trabalho, pelo que as autoridades adoptaram medidas adequadas para conter a violência, sem que isso signifique retirar direitos aos mineiros e às populações.

Zuma criticou ainda os «irresponsáveis» e «oportunistas» que estão a utilizar «sem vergonha» uma tragédia para fazer propaganda política «em vez de colocar em primeiro lugar os interesses dos trabalhadores e do país», numa referência a Julius Malema, antigo responsável da organização de juventude do ANC, de onde foi expulso, e ultimamente muito activo nas zonas mineiras.

O secretário-geral da COSATU, Zwelinzima Vavi, já avisara antes do congresso que «o desemprego, a pobreza e as desigualdades sociais são bombas-relógio em risco de explodir na África do Sul. «Os actuais níveis de desigualdade na nossa sociedade são insustentáveis», considerou o líder sindical, advertindo que o país corre riscos altíssimos se o governo, os sindicatos e o patronato não tirarem lições da actual vaga de reivindicações laborais e protestos populares.

Também os comunistas sul-africanos fizeram ouvir a sua voz no 11.º Congresso da COSATU, em especial através da intervenção inicial do seu secretário-geral, Blade Nzimande, que abordou a defesa das conquistas da classe operária e propôs que a tripla aliança no poder deverá assumir a responsabilidade de fazer avançar a revolução democrática nacional.

Já há 15 dias, durante a Festa do Avante!, em Portugal, um representante do PCAS tinha exposto as suas posições sobre os eventos de Marikana e a actual situação política na África do Sul.

Num debate na Atalaia, Chris Matlhako considerou que um dos grandes desafios do ANC e seus aliados é a necessidade de nacionalizar e socializar a indústria mineira (ouro, diamantes, platina), nas mãos de transnacionais estrangeiras «cotadas na Bolsa de Londres», bem como outros sectores económicos fundamentais.

Esclareceu que «o peso da indústria mineira é estratégico para desenvolvermos os nossos objectivos de igualdade e assim chegarmos a uma África do Sul mais democrática, mais inclusiva e mais partilhada por todos».

E reconheceu que o black economic empowerment, a política económica de discriminação positiva da maioria negra, «está a criar – contrariando a orientação dos comunistas – uma nova burguesia, que ganha poder no interior do ANC». Pelo que, também por essa razão, é fundamental «desenvolver a unidade dos trabalhadores e das massas populares para defender os direitos conquistados e avançar com a revolução democrática nacional».

O 11.º Congresso da Cosatu que agora se realizou em Midrand antecede a conferência nacional do ANC, marcada para Dezembro, em Mangaung, na província de Free State, durante a qual serão escolhidos os dirigentes.

O presidente Zuma – cuja reeleição não é certa, já que tem opositores internos, alguns deles ligados ao antecessor, Thabo Mbeki –, o vice-presidente Kgalema Motlanthe e outros responsáveis da tripla aliança que governa a África do Sul há quase duas décadas debaterão com os congressistas, no final deste ano, os grandes problemas e desafios que enfrenta hoje o país de Nelson Mandela.

Mais do que questões de liderança, estará em cima da mesa a necessidade de políticas mais eficazes para combater a pobreza, as desigualdades, a corrupção, para melhorar a redistribuição da riqueza e continuar a promover o desenvolvimento das massas populares.

Com a experiência da luta libertadora contra a dominação da minoria racista branca e dos 20 anos de governo da maior economia africana, os dirigentes do ANC sabem bem que a exploração não tem cor. E que, mais cedo do que tarde, terão de optar claramente entre aprofundar e fazer avançar a revolução democrática nacional ou traí-la.



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