Desqualificados
Miguel Relvas, notoriamente desqualificado, conseguiu, ainda assim, produzir mais uma extravagância e escancarar a natureza e substância de Passos e do seu Governo.
Na extravagância, Relvas pretendeu acabar com o serviço público de rádio e televisão, constitucionalmente garantido e obrigatório, entregando-o, numa «concessão», a privados que continuariam a receber os mais de 140 milhões de euros pagos pelos portugueses para financiar o serviço público, mais os 60 milhões de publicidade e, com tudo isto, deixando os canais privados actualmente existentes em enorme inferioridade concorrencial e desregulando fatalmente o mercado audiovisual, que inúmeros estudos já demonstraram ser pequeno para alimentar mais do que dois canais televisivos privados – no caso, a SIC e a TVI.
Mas, sendo Relvas o ministro da RTP, não foi ele que apresentou esta tranquibérnia, mas António Borges, o economista que, após ter saído do covil de ladrões da Goldman & Sachs, é agora o «consultor» para as privatizações, a convite de Passos Coelho.
Pois foi esta criatura (que há dois meses considerava «uma urgência» baixar os salários em Portugal, enquanto ele próprio se abotoara, o ano passado, com 225 mil euros livres de impostos), que Relvas encarregou de, publicamente, anunciar a «concessão» da RTP-1 a privados.
É evidente que Relvas se escondeu por trás do Borges, logicamente acobardado de falar em público, o que não impediu que o seu nome e o seu «negócio» arquitectado para a RTP-1 levassem bordoada de toda a gente, incluindo do seu parceiro CDS e até de figuras destacadas do PSD.
Quanto à natureza e substância de Passos e do seu Governo, escancarou-a o próprio quando, num tom que pretendia casual, primeiro acusou o povo e o País de «histeria» no caso da RTP para, de seguida, recuar com um discurso redondo, ainda a persistir na defesa da «concessão» e onde «garantia» que «nada estava decidido».
Duas coisas ficaram claras, nas cuidadosamente tardias declarações de Passos sobre o assunto RTP.
Uma, que o primeiro-ministro esteve pessoalmente empenhado nesta golpaça da extinção do canal público, a um tempo anticonstitucional, antidemocrática e escandalosamente única na União Europeia.
Outra – talvez decorrente da primeira –, que não é apenas Miguel Relvas a ter raciocínios de arvéola: Passos Coelho é a sua alma gémea, neste deserto intelectual.
Por isso este Governo, ao mesmo tempo que mergulhou o País numa miséria social de que apenas há memória no fascismo (revanchismo que, aliás, constitui a única ideia palpável desta gentalha de Passos, Relvas, Portas & C.ia), está rapidamente a desconjuntar-se, sem liderança e já com toda a gente a debitar em público as suas vaidades estratégicas, nomeadamente no «parceiro» CDS.
Quando se chega a isto, a degradação é irreversível – como tem acontecido a todos os governos do PS e do PSD, com ou sem o valete CDS.
O certo é que o «desqualificado» não é apenas Miguel Relvas: é, sobretudo, Passos Coelho e o seu Governo.