Aumento da pobreza e das desigualdades em Portugal

«Condição de recursos» generaliza a miséria

Eugénio Rosa

O INE di­vulgou, em 13 de Julho de 2012, novos dados sobre o au­mento da po­breza e das de­si­gual­dades em Por­tugal. Como os dados ofi­ciais re­velam, a taxa de risco de po­breza após as trans­fe­rên­cias so­ciais está a au­mentar em Por­tugal. Em 2010, 18% da po­pu­lação por­tu­guesa, ou seja, 1 900 000 por­tu­gueses já vi­viam na po­breza.

Esta si­tu­ação re­sul­tava dos cortes sig­ni­fi­ca­tivos nas pres­ta­ções so­ciais. E o dra­má­tico, como re­velam também os dados do INE, é que 42,5% da po­pu­lação por­tu­guesa, isto é, 4 488 000 por­tu­gueses, só não vivem na po­breza de­vido a re­ce­berem pres­ta­ções so­ciais, por­tanto se estas forem eli­mi­nadas ou mesmo re­du­zidas mi­lhões de por­tu­gueses, já perto do li­miar da po­breza, cairão ra­pi­da­mente nela. Tenha-se pre­sente que estes dados se re­ferem a 2010, e de­pois dessa data a si­tu­ação ainda se agravou mais, já que é in­tenção do ac­tual Go­verno pro­ceder a cortes muito grandes nas des­pesas so­ciais do Es­tado (em 2012, estão pre­vistos cortes de 1440 mi­lhões euros em pres­ta­ções so­ciais e de mais 1000 mi­lhões de euros na saúde) para obter a re­dução do dé­fice que o Go­verno e troika acor­daram.

Estes úl­timos dados do INE também con­firmam a de­núncia que temos vindo a fazer, de que a po­lí­tica de aus­te­ri­dade do ac­tual Go­verno e da troika é uma po­lí­tica iníqua, de classe, que está a atingir prin­ci­pal­mente as classes de ren­di­mentos mais baixas (tra­ba­lha­dores, pen­si­o­nistas, etc).

Para além da pró­pria Co­missão Eu­ro­peia ter con­fir­mado isso através de um es­tudo que di­vulgou com a de­sig­nação «The dis­tri­bu­tion efects of aus­te­rity me­sures: a com­pa­rison of six EU coun­tries», que re­fe­rimos num es­tudo an­te­rior, agora o INE vem também con­firmar o mesmo.

Os dados do INE também re­velam que todos os in­di­ca­dores de de­si­gual­dade de ren­di­mentos –

Co­e­fi­ci­ente de Gini, S80/​S20 e S90/​S10) – au­men­taram entre 2009 e 2010 em Por­tugal. A di­fe­rença entre os ricos e os po­bres está a au­mentar no País: os ricos estão a tornar-se mais ricos, e os po­bres, que cons­ti­tuem a mai­oria da po­pu­lação por­tu­guesa, re­cebem uma parte cada vez menor do ren­di­mento pro­du­zido no País. Entre 2009 e 2010, o Co­e­fi­ci­ente de Gini, que mede o nível de de­si­gual­dade exis­tente num país, au­mentou de 33,7% para 34,2%; o nú­mero de vezes que o ren­di­mento dos 20% mais ricos da po­pu­lação é su­pe­rior ao ren­di­mento dos 20% mais po­bres subiu de 5,6 para 5,7 vezes; e o nú­mero de vezes que o ren­di­mento dos 10% mais ricos da po­pu­lação é su­pe­rior ao ren­di­mento dos 10% mais po­bres da po­pu­lação passou de 9,2 vezes para 9,4 vezes. A ten­dência de agra­va­mento das de­si­gual­dades no nosso País é clara, e tenha-se pre­sente que a si­tu­ação pi­orou de­pois de 2010 com a po­lí­tica de aus­te­ri­dade vi­o­lenta e iníqua que está a ser im­posta aos por­tu­gueses.

Ma­ni­pu­lação da con­dição de re­cursos

O acesso a uma pres­tação so­cial está de­pen­dente da cha­mada «con­dição de re­cursos», ou seja, do nível ren­di­mento per ca­pita fa­mi­liar. Até à pu­bli­cação do De­creto-Lei 70/​2010, o ren­di­mento per ca­pita fa­mi­liar ob­tinha-se, de uma forma geral, di­vi­dindo a soma dos ren­di­mentos dos mem­bros da fa­mília nu­clear pelo nú­mero total dos seus mem­bros. Cada membro valia um, por­tanto se a fa­mília nu­clear era cons­ti­tuída pelo pai, mãe e dois fi­lhos, a soma dos ren­di­mentos era di­vi­dido por quatro.

O De­creto-Lei 70/​2010 al­terou pro­fun­da­mente a fór­mula de cál­culo do ren­di­mento per ca­pita

fa­mi­liar de­ter­mi­nando um au­mento ar­ti­fi­cial do seu valor ex­cluindo, desta forma, ad­mi­nis­tra­ti­va­mente cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses do acesso a qual­quer pres­tação so­cial.

Em pri­meiro lugar al­terou o con­ceito de agre­gado fa­mi­liar in­cluindo nele também os «pais, so­gros, pa­drasto, ma­drasta, fi­lhos, en­te­ados, genro, nora, avós, netos, ir­mãos, cu­nhados, tios, so­bri­nhos, bi­savós, bis­netos», como consta do Guia Prá­tica da Con­dição de Re­cursos da Se­gu­rança So­cial, e na­tu­ral­mente os seus res­pec­tivos ren­di­mentos.

Em se­gundo lugar, a soma dos ren­di­mentos dos mem­bros da fa­mília deixou de ser di­vi­dida pelo total de mem­bros, pas­sando a ser di­vi­dida por um nú­mero muito menor, o que faz au­mentar de uma forma ar­ti­fi­cial o ren­di­mento per ca­pita fa­mi­liar, já que não re­sulta do au­mento dos ren­di­mentos dos mem­bros da fa­mília. Assim, de acordo com uma ta­bela de equi­va­lên­cias, cons­tante do art.º 5.º do De­creto-Lei 70/​2010, os mem­bros do agre­gado fa­mi­liar, para cál­culo do ren­di­mento per ca­pita, pas­saram a valer o se­guinte:

· Re­que­rente (1.º adulto): 1

· Por cada in­di­víduo maior (res­tantes adultos): 0,7

· Por cada in­di­víduo menor (fi­lhos, etc.): 0,5

Como é evi­dente esta al­te­ração teve graves con­sequên­cias so­ciais, pois está a atirar de­zenas de mi­lhares de fa­mí­lias por­tu­guesas para uma si­tu­ação de mi­séria.

Vamos uti­lizar exem­plos que constam da in­for­mação dis­po­ni­bi­li­zada no site da pró­pria Se­gu­rança So­cial. Co­me­cemos pelo exemplo sobre o sub­sídio so­cial de de­sem­prego.

Uma fa­mília cons­ti­tuída pelo pai, que está de­sem­pre­gado e que não re­cebe sub­sídio de de­sem­prego, pela mãe que ganha 890 euros, pela avó que tem um ren­di­mento mensal de 510 euros e por dois fi­lhos me­nores sem ren­di­mentos, o que dá um ren­di­mento fa­mi­liar de 1400 euros por mês. Se este ren­di­mento fa­mi­liar de 1400 euros fosse di­vi­dido pelo nú­mero total de mem­bros da fa­mília (cinco) ob­tinha-se um ren­di­mento per ca­pita de 280 euros, e o pai de­sem­pre­gado teria di­reito ao sub­sídio so­cial de de­sem­prego já que o li­mite má­ximo de ren­di­mento per ca­pita para ter di­reito a este sub­sídio é de 335,38 euros. Mas se apli­carmos a ta­bela de equi­va­lên­cias (o 1.º adulto vale um; os ou­tros adultos valem apenas 0,7, e os fi­lhos 0,5 cada), então aquele ren­di­mento fa­mi­liar terá de ser di­vi­dido não por cinco, mas sim por 3,4 (1+0,07+0,7+0,5+0,5) o que dá um ren­di­mento per ca­pita não de 280 euros por mês mas sim de 411,76 euros (+47%), por­tanto um valor su­pe­rior ao do ren­di­mento má­ximo que se pode ter para se poder re­ceber o sub­sídio so­cial de de­sem­prego; por­tanto, como consta da pró­pria in­for­mação da Se­gu­rança So­cial, o pai de­sem­pre­gado, que não tem qual­quer ren­di­mento, fica sem di­reito a re­ceber mesmo o sub­sídio so­cial de de­sem­prego (em Maio de 2012, entre 311,5 euros e 345,96 euros por mês). E tenha-se pre­sente que em Maio de 2012 apenas 373 mil de­sem­pre­gados es­tavam a re­ceber o sub­sídio de de­sem­prego quando o nú­mero ofi­cial de de­sem­pre­gados já era su­pe­rior a 842 mil e, o de­sem­prego efec­tivo já atingia mais de 1 200 000 por­tu­gueses.

Mas a in­jus­tiça desta si­tu­ação não se li­mita apenas aos de­sem­pre­gados. Esta ma­ni­pu­lação da

«con­dição de re­cursos» é apli­cada a muitas ou­tras pres­ta­ções so­ciais com o ob­jec­tivo claro de ex­cluir as fa­mí­lias ne­ces­si­tadas do apoio do Es­tado.

Vamos uti­lizar outro exemplo con­creto que consta também da in­for­mação da Se­gu­rança So­cial

dis­po­nível no seu site. E este re­fere-se aos sub­sí­dios so­ciais (sub­sídio so­cial por risco clí­nico du­rante a gra­videz; sub­sídio so­cial por in­ter­rupção da gra­videz; sub­sídio so­cial por riscos es­pe­cí­ficos; sub­sídio so­cial pa­rental). O exemplo que é uti­li­zado pela Se­gu­rança So­cial é de uma fa­mília cons­ti­tuída pelo pai, mãe, avó e dois fi­lhos cujo ren­di­mento total fa­mi­liar é de 1500 euros por mês. Uti­li­zando a ta­bela de equi­va­lên­cias re­fe­rida an­te­ri­or­mente aquele ren­di­mento da fa­mília é di­vi­dido por 3,4 (pai: 1; mãe e avó: 2 x 0,7 = 1,4; 2 fi­lhos me­nores : 2 x 0,5=1) , o que dá um ren­di­mento por membro do agre­gado fa­mi­liar de 441,18 euros. E a Se­gu­rança So­cial con­clui (consta da sua in­for­mação): «o re­que­rente não teria di­reito ao sub­sídio uma vez que o ren­di­mento mensal por agre­gado fa­mi­liar é su­pe­rior a 335,38 euros, que cor­res­ponde a 80% do valor do IAS» (in­de­xante de Apoios So­ciais). Se o ren­di­mento desta fa­mília – 1500 euros – fosse di­vi­dido pelo total dos seus mem­bros (cinco), o ren­di­mento per ca­pita fa­mi­liar seria 300 euros, por­tanto um valor in­fe­rior ao li­mite má­ximo ad­mi­tido – 335,38 euros – e esta fa­mília já teria di­reito ao sub­sídio so­cial. No pri­meiro exemplo a mu­dança da fór­mula de cál­culo do ren­di­mento per ca­pita fa­mi­liar fez au­mentar ar­ti­fi­ci­al­mente o seu valor em 47%, já que passou de 280 euros para 411,76 euros; neste caso a su­bida foi também de 47,1% pois passou de 300 euros para 441,18 euros.

Este Go­verno ma­ni­pula a de­fi­nição da «con­dição de re­cursos» se­gundo as suas con­ve­ni­ên­cias. Por ex., no re­gu­la­mento de atri­buição de bolsas de es­tudo a es­tu­dantes do En­sino Su­pe­rior o ren­di­mento per ca­pita con­si­de­rado é já o ob­tido di­vi­dindo o ren­di­mento total da fa­mília pelo nú­mero total dos mem­bros da fa­mília. Aqui, numa fa­mília cons­ti­tuída por três adultos e dois fi­lhos, o ren­di­mento total da fa­mília é di­vi­dido por cinco. No caso das taxas mo­de­ra­doras pagas no SNS, para ava­liar «in­su­fi­ci­ência eco­nó­mica» a fim de obter a isenção do pa­ga­mento da taxa mo­de­ra­dora, o ren­di­mento per ca­pita fa­mi­liar é ob­tido di­vi­dindo o ren­di­mento total da fa­mília apenas pelos su­jeitos pas­sivos de IRS (art.º 4.º da Por­taria 311-D/​2011), que nor­mal­mente são dois (no caso das fa­mí­lias mo­no­pa­ren­tais, mesmo com fi­lhos, é di­vi­dido apenas por um). Tudo isto é feito com o pro­pó­sito de au­mentar ar­ti­fi­ci­al­mente o ren­di­mento per ca­pita fa­mi­liar, para assim ex­cluir cen­tenas de mi­lhares de fa­mí­lias ne­ces­si­tadas de qual­quer apoio do Es­tado.

É um go­verno e uma troika sem ética e sem qual­quer sen­si­bi­li­dade so­cial no seu afã de re­duzir o dé­fice or­ça­mental, sem olhar a meios, para agradar aos «mer­cados», ou seja, os bancos, fundos, etc. É ur­gente al­terar esta si­tu­ação que está a gerar mais mi­séria em Por­tugal e é pro­fun­da­mente in­justa.



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