Nova oportunidade
Durante uns tempos, coitadas, as Novas Oportunidades andaram com a reputação em baixo: o seu patrono emigrara para as cadeiras sempre acolhedoras dos cafés de Paris, o novo primeiro-ministro não gostava delas, passaram a ser perseguidas quase como judeus não convertidos no tempo do senhor D.Manuel I. E assim decorreu algum tempo até que surgiu, graças ao engenho sempre fulgurante do ainda ministro Relvas, a prova de que o princípio que as animara era válido e podia gerar casos de sucesso. O êxito poderia ser consubstanciado num princípio sintético, qualquer coisa como «diploma é preciso, estudar não é preciso», versão adaptada de uma já antiga fórmula do Chico Buarque, e a partir daí tornou-se clara a possibilidade de itinerários semelhantes à disposição de quem tenha a clarividência suficiente para entender de que lado sopram os ventos e o ensejo oferecido por amigos prestimosos ou nem tanto. Não são as anteriores Novas Oportunidades banidas pela militância de Passos coelho, estas coisas e também outras nunca regressam sob a forma anterior, são reduzidas em número, mas tudo indica que são bem pagas, que é o que interessa. E, no quadro da televisão que diariamente nos alimenta as sabedorias, surgem no verbo de doutos analistas que empenhadamente nos repetem o que decerto entendem ser fundamental dar-nos a saber, centro solar do sistema planetário que será o seu pensamento: «Não há dinheiro!», reafirmam, por vezes quase vociferam, exasperados por pressentirem que este ensinamento fundamental não chega para calar reclamações ou queixumes. Vozes tímidas, ou eventualmente talvez não, atrevem-se a afirmar que há muitos milhares de portugueses com fome, e é quase certo que se arriscam a ouvir que «não há dinheiro!». Outras ou as mesmas vozes alegam que milhares de doentes se resignam a não se medicarem porque as pensões de miséria que recebem não chegam para as idas às farmácias, e logo se pressente o argumento imbatível, «não há dinheiro!», para silenciar possíveis gemidos.
Susto, desespero, rendição
Esta Nova Oportunidade para obter relevância mediática, prestígio social, apreço por parte dos que estão aos comandos da vida portuguesa e também, como se compreende, algum rendimento, é exercida por um número relativamente elevado de especialistas que se vão revezando nos estúdios de TV, mas entre todos destacam-se dois deles pelo cruzamento de sumarismo e de brutalidade que caracteriza os seus discursos. Um deles é um relativamente jovem jornalista económico com formação universitária em Portugal, o que é bom, mas também nos Estados Unidos, o que é muito melhor. O outro é muito mais velho, tanto que surge na TV com o aspecto um pouco assustador de velha ave de rapina, e parece muito confortado na sua imagem televisiva de semeador de terrores. Ambos dispõem de vastos arsenais de demagogias, não das que agradam a maiorias crédulas, como em tempos muito se usou, mas das que apostam no susto, na desmobilização social pelo desânimo ou pelo desespero, na rendição, que é a demagogia agora mais em uso e sobretudo mais recomendada pelos que contam com ela para dormirem sossegadinhos. As operadoras de TV dão sinais de gostarem deles, o que bem se compreende se nos lembrarmos de que as infelicidades de vária ordem, incluindo os horizontes nigérrimos anunciados pelos profetas das desgraças, atraem audiências, «vendem», ao passo que apelos à coragem e à resistência, aliás raríssimos, se vêem confrontados com a incredulidade que para eles foi antecipadamente preparada. Um desses sujeitos chegou há dias ao cúmulo de tentar dissuadir os portugueses de se manifestarem nas ruas contra a política que os esmaga porque, disse ele, os turistas não gostam. Mas, para além de casos caricaturais como este, sempre regressa o mesmo estribilho: «não há dinheiro!». Pelo que talvez seja adequado partir dessa informação e verificar-lhe a justeza, isto é, ir em busca de lugares onde, sim!, afinal haja dinheiro. E averiguar não só quem o detém mas também como o conseguiu. E investigar os meios que permitiram acumulá-lo. E, finalmente, libertá-lo de eventuais cárceres privados e clandestinos onde esteja impedido de prosseguir o seu destino de fecundar a produção de riquezas e, em fase seguinte, permitir as justas partilhas.