Uma reforma má para Portugal*
Numa época em que o sector financeiro come tudo, que fundos públicos haverá realmente disponíveis para a PAC? Esta grande questão está já a retardar o debate, não se prevendo que as «perspectivas financeiras» para o orçamento da União Europeia estejam definidas antes de Abril do próximo ano. E só depois o orçamento da PAC poderá ser discutido e definido.
Portugal já importa mais de 60 por cento das suas necessidades agro-alimentares
O contexto geral – onde todo o resto melhor se define – aponta para a completa liberalização das trocas comerciais de bens agro-alimentares, para a competitividade e a «vocação exportadora» da PAC, leia-se para o favorecimento das multinacionais e outras grandes empresas do «negócio agrícola». Tudo isso no quadro da OMC, Organização Mundial do Comércio, do Mercosul e de outros acordos bilaterais.
Logo, significará mais concentração e deslocalização das produções, mais importações sem controlo eficaz, menos escoamento da produção nacional, mais baixas no preço à produção familiar (e não só à produção familiar, veja-se as dificuldades da Lactogal).
Logo, a consumar-se tal como está, a proposta de Reforma da PAC implicará o agravamento dos nossos défices agro-alimentares e ainda um menor nível de auto-aprovisionamento estratégico em bens agro-alimentares. Neste aspecto, Portugal já importa mais de 60 por cento das suas necessidades agro-alimentares e está sem reservas, por exemplo, nos cereais – sector estratégico fundamental em que o País é altamente deficitário.
Implicará também um maior défice da balança comercial agro-alimentar. Neste momento, o défice comercial agro-alimentar de Portugal é já superior a quatro mil milhões de euros por ano. A redução deste défice brutal estará a ser conseguida à custa da redução do consumo nacional, quer dizer, à custa da fome e da desnutrição dos portugueses. Isto, apesar das exportações muito significativas de alguns sectores produtivos sedeados em Portugal, com elevada concentração de capital e de terras em modo de produção intensivo e super intensivo, como os legumes frescos, o azeite e o vinho.
Tal como está a ser desenhada, a reforma da PAC implicará também maior comprometimento da soberania, da segurança e da qualidade alimentar do nosso País. As (grandes) importações não têm controlo eficaz.
A PAC continua a ser programada e submetida à OMC e aos interesses das multinacionais e outras grandes empresas do «negócio agrícola». Continua a forçar os agricultores a serem meros fornecedores de matéria-prima – ao mais baixo preço – para a grande agro-indústria e para o grande agro-comércio.
A ditadura da grande distribuição
Nesta reforma não há nem uma palavra sobre garantias de preços justos à produção. Por exemplo, os «interprofissionais» e os «agrupamentos de produtores» (nas OCM) do sistema vão continuar «proibidos» de estabelecer, sequer, preços indicativos à produção. Pode-se dizer que os preços justos à produção, por paradoxal que pareça, são o «inimigo público n.º 1» desta PAC!
Ora, a experiência ensina-nos que sem preços minimamente justos à produção familiar, não há políticas agrícolas merecedoras desse nome, nem se poderá resolver o problema dos baixos rendimentos dos nossos agricultores.
Não há igualmente nem uma palavra sobre meios e mecanismos concretos de combate à ditadura comercial exercida sobre o sector pelas grandes cadeias de distribuição e comercialização. Sem vontade política dos governantes para travar este combate, também não há políticas agro-rurais «sustentáveis» que resistam. (…)
A proposta prevê o completo desligamento (ou quase) das ajudas da produção. Cada Estado-membro apenas poderá deixar cinco por cento do valor total das ajudas directas (RPU) ligados à produção. Portugal, excepcionalmente, poderá deixar ligados até dez por cento do total das ajudas directas (vacas aleitantes, ovinos, etc. poderão ficar ligados a 100 por cento ou a 50 por cento), dependendo agora das propostas de cada país.
Ora, é sabido que o desligamento das ajudas da produção provoca a redução das produções nacionais estratégicas (em Portugal, os cereais, a carne e o leite), a deslocalização de produções e o agravamento da dependência agro-alimentar. (…)
A pretexto de normas ambientais «duras» (aquilo a que chamam de greening que traduzido à letra dá «esverdeamento») e da eco-condicionalidade, aumentam as exigências técnico-administrativas – agravamento da burocracia. Aliás, este «esverdeamento» da PAC também pode vir a não considerar as especificidades regionais/nacionais sobretudo dos países do Sul da Europa. Mas pode servir para garantir vultosas ajudas públicas aos grandes proprietários absentistas caso, por exemplo, venha a consagrar a obrigatoriedade de lhe destinar 30 por cento do total das Ajudas Directas. (…)
Entre outros aspectos gravosos, a actual proposta mantém o fim das quotas leiteiras após 2015 e o fim dos direitos de plantação da vinha após 2015 (para Portugal parece que será após 2017 no caso dos direitos de plantação da vinha), o que será desastroso.
Enfim, para regiões vitivinícolas muito especiais, tipo Região Demarcada do Douro e do Vinho do Porto, poderão manter-se, excepcionalmente, os direitos de plantação. Esta matéria dependeria da iniciativa dos estados-membros.(…)
Combater estas propostas
Pela primeira vez na história da PAC, prevê-se a abertura das ajudas financeiras ao investimento florestal em espécies arbóreas de crescimento rápido (eucalipto…), o que, (viva as celuloses…) vai tirar ainda mais dinheiro para o investimento nas espécies de crescimento lento.
É também proposto o fim do investimento público/comunitário no regadio, o que, estrategicamente, é mau para Portugal.
Por outro lado, a hipótese agora aberta de os seguros ao rendimento da exploração e dos seguros de colheita integrarem a PAC e o respectivo orçamento também remete para uma maior desresponsabilização da UE e dos estados-membros em termos de determinadas políticas públicas e de serviços públicos à agricultura.
O Orçamento Comunitário para estes seguros deverá vir do Desenvolvimento Rural e também terá a comparticipação do agricultor (enquanto segurado). Por exemplo, corre-se o risco de para lá remeterem a sanidade animal e a fito-sanidade vegetal e os riscos inerentes. Lembremos que a sanidade animal e seus programas específicos têm sido o 3.º Pilar da PAC. E as seguradoras (mandantes) vão continuar a absorver o esforço financeiro público: a bonificação (comunitária e nacional). (…)
Perante isto, creio que deveremos concluir: as propostas da UE para a reforma da PAC (2013-2020) são más para Portugal. Compete ao governo português tudo fazer para dar combate a tais propostas. Também compete ao governo invocar o «interesse vital» de Portugal, por exemplo, para evitar o fim das quotas leiteiras e dos direitos de plantação da vinha.
Da nossa parte, da parte do movimento associativo agrícola europeu em que a CNA se enquadra, temos uma posição clara e firme nesta matéria da reforma da PAC. Ao mesmo tempo deveremos discutir e apresentar contra-propostas concretas, aliás, como sempre temos feito com os agricultores.
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* Extractos da intervenção de João Dinis no debate sobre a reforma da PAC (2013-2020), promovido pelo PCP e o GUE/NGL, dia 1, em Espinho. Título subtítulos e adaptação da responsabilidade da redacção do Avante!