O justo pelo pecador

Aurélio Santos

É fre­quente ouvir a al­guns utentes dos trans­portes pú­blicos pro­testos contra as greves dos tra­ba­lha­dores desse sector.

O de­sa­bafo traduz em certa me­dida o de­ses­pero face ao mas­sacre so­cial a que este Go­verno nos tem su­jei­tado, com a sua po­lí­tica de aus­te­ri­dade apre­sen­tada como «ine­vi­tável» e usada como cam­panha de terra quei­mada que por onde passa tudo des­trói.

A questão das greves dos trans­portes deve ser vista com uma aná­lise pon­de­rada e de­sa­pai­xo­nada.

A greve é um di­reito cons­ti­tu­ci­o­nal­mente ga­ran­tido a que os tra­ba­lha­dores podem le­gi­tima e le­gal­mente re­correr sempre que o con­si­derem ne­ces­sário. A uti­li­zação deste di­reito que foi no pas­sado muitas vezes pago com a prisão e até com a pró­pria vida, tem ainda hoje um ele­vado preço para os tra­ba­lha­dores que a ela re­correm. Todos sa­bemos como são feitas todo o tipo de pres­sões e re­ta­li­a­ções sobre os gre­vistas, para além da óbvia re­dução do sa­lário cor­res­pon­dente aos dias de greve.

O re­curso à greve não deve ser as­su­mido le­vi­a­na­mente, e não de­vemos sem séria aná­lise fazer juízos de valor sobre a sua jus­teza. Como diz o velho di­tado – quem vai no barco é que sabe o que lá se passa. Se todos ti­vessem a co­ragem destes tra­ba­lha­dores talvez con­se­guís­semos evitar o des­ca­labro para onde este país se en­ca­minha.

Não é aos tra­ba­lha­dores que cabe a culpa pelos trans­tornos cau­sados pelas greves, mas sim aos res­pon­sá­veis das res­pec­tivas em­presas, que têm a res­pon­sa­bi­li­dade pú­blica de as­se­gurar o trans­porte dos pas­sa­geiros. Res­pon­sa­bi­li­dade acres­cida para os utentes por­ta­dores de «passes so­ciais» que mais não são do que um con­trato ju­ri­di­ca­mente vin­cu­la­tivo, em que a em­presa se obriga a trans­portar o pas­sa­geiro. Assim, é às em­presas de trans­porte que de­vemos exigir quer o cum­pri­mento do con­trato que re­sulta da compra do tí­tulo de trans­porte, quer a re­pa­ração dos danos cau­sados pelo seu in­cum­pri­mento. São elas que se eximem ao cum­pri­mento da lei.

Não po­demos per­mitir que essas em­presas sub­vertam a si­tu­ação, trans­fe­rindo o odioso da questão para cima dos tra­ba­lha­dores em greve e os pre­juízos para cima dos utentes, fa­zendo pagar o justo pelo pe­cador.

Nota final: o «livro de re­cla­ma­ções» é obri­ga­tório. Está na hora de o usarmos.



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