24 de Março de 1962
O ano de 1962 ocupa um lugar cimeiro na história na luta do povo português contra o fascismo: foi o ano das gloriosas jornadas do 1.º de Maio, da conquista da jornada de oito horas pelo proletariado agrícola do Sul, do início das emissões da Rádio Portugal Livre e, também, das poderosas lutas estudantis de Março e Abril, que passaram à posteridade como a crise académica de 62 (a primeira do género na Europa, seis anos antes do Maio de 68 francês e com uma natureza completamente diferente). Nesta «crise», há um dia simbólico – 24 de Março, desde então comemorado como Dia do Estudante.
Como é evidente, a luta dos estudantes não começou nem terminou na Primavera de 1962. A constestação remontava pelo menos a 1957 e à aprovação do decreto 40 900, que limitava a liberdade de associação estudantil, e, mais proximamente, à luta dos universitários de Coimbra, em 1961, pela reabertura da sua associação académica. A probição das comemorações do Dia do Estudante e a carga policial contra os estudantes que desfilavam em direcção ao Campo Grande (onde o reitor Marcelo Caetano prometera um jantar para procurar desmobilizar o protesto) fizeram transbordar a indignação.
Conta o Avante! de Abril desse ano que a polícia carregou sobre os jovens que se manifestavam, provocando numerosos feridos, dos quais pelo menos trinta recolheram ao hospital, sob prisão. A invasão da Faculdade de Medicina, à semelhança do que sucedera na véspera em Direito, fez aumentar a revolta: «o luto académico e a não comparência às aulas foram unanimemente decretados pelas associações», prossegue o Avante!.
No dia 26 pela manhã, «piquetes de estudantes postados à porta das faculdades esclareciam os seus colegas que aderiam em massa à greve. As escolas ficaram desertas durante dois dias: só em Lisboa, e contando com os estudantes liceais, participaram na greve mais de 18 mil estudantes. Alguns raros amarelos foram vaiados e os seus nomes afixados nas associações». Muitos professores colocaram-se ao lado dos estudantes e os reitores das universidades Clássica e Técnica, assim como os directores de várias faculdades, demitiram-se em solidariedade com os estudantes.
Uma luta a crescer
A luta não parava e a repressão não era capaz de a suster. Relata o Avante! que várias assembleias plenárias reuniam-se quase diariamente «com a presença de 4, 5 e 6 mil estutantes», decidiam democraticamente da orientação da luta, exigiam o direito a formar a Federação Académica de Lisboa e a União Nacional dos Estudantes, e a revogação do decreto 40 900. A 7 de Abril, no final de um plenário e no momento em que cinco mil estudantes desfilavam em direcção ao Ministério da Educação, acompanhando os seus dirigentes, a polícia «voltou a intervir brutalmente, espancando e prendendo dezenas de jovens».
Em resposta à violência e às arbitrariedades do fascismo, a luta alarga-se às outras cidades universitárias. No dia 27, é decretada uma greve de solidariedade em Coimbra após uma Assembleia Magna com 2500 estudantes; no Porto 1200 estudantes decidem, numa reunião geral, aderir à greve – à qual respondeu a quase totalidade da população universitária. A greve e o luto foram seguidos por muitos estudantes de liceus de Lisboa e da escola técnica de Almada, que fizeram uma manifestação pelas ruas.
Em Maio, depois das férias da Páscoa e de um período de suspensão da paralisação pedida pelos dirigentes estudantis para negociações com o governo, a greve volta às faculdades – e a repressão intensifica-se. No Avante! da segunda quinzena desse mês relata-se o regresso dos piquetes de greve aos portões das faculdades de Lisboa, acompanhadas pela ocupação de instalações universitárias por parte dos estudantes e por greves de fome. A polícia invade as faculdades e prende 1500 estudantes e familiares. As assembleias são proibidas – mas realizam-se à mesma decidindo a continuação da greve. Em Coimbra, os estudantes voltam à greve e ocupam instalações. A polícia prende uma centena e meia de estudantes. Ainda em Junho, continuavam as mobilizações estudantis e a repressão policial.
Nota: não é possível falar desta poderosa luta estudantil sem referir o papel que nela tiveram os comunistas, à época a única força antifascista organizada no meio estudantil com células em praticamente todos os estabelecimentos de ensino. José Bernardino, que no ano lectivo 1960/61 fora secretário-geral da RIA, era à data do 24 de Março o funcionário clandestino do PCP responsável pelo trabalho entre os estudantes.