Emissora ao serviço do povo, da democracia e da independência nacional
Fala a Rádio Portugal Livre, emissora portuguesa ao serviço do povo, da democracia e da independência nacional. Eram estas as palavras, ouvidas pela primeira vez a 12 de Março de 1962, que marcavam o início das emissões da rádio clandestina do PCP – palavras que se ouviram pelo menos duas vezes por dia durante os mais de 12 anos e meio em que a Rádio Portugal Livre funcionou.
Nunca será possível avaliar com rigor o real impacto que a emissora clandestina do PCP (tal como o Avante!, O Militante e qualquer outro jornal ou boletim partidário ou unitário) teve na formação da consciência dos operários, dos trabalhadores, dos intelectuais, dos estudantes, dos soldados, na luta que desembocou em Abril no derrubamento do fascismo e na incessante batalha pela construção do Portugal democrático a caminho do socialismo. Mas uma coisa é certa: todos esses órgãos romperam a censura com que o fascismo pretendeu amordaçar o País; todos eles denunciaram a exploração e a repressão fascistas; revelaram lutas travadas e vitórias alcançadas; deram a conhecer a solidariedade dos povos do mundo com a resistência antifascista em Portugal; apelaram e cimentaram a unidade, difundiram e explicaram as análises e orientações do Partido.
Outro facto indesmentível é que 1962 marca o início de uma nova – e derradeira – ofensiva popular contra o fascismo, com o grande 1.º de Maio, a conquista da jornada de oito horas nos campos do Sul e as lutas estudantis. Ao êxito destas jornadas não será estranho o próprio aparecimento da Rádio Portugal Livre.
Para assinalar este importante aniversário, o Avante! (que em Abril de 1962 saudou o aparecimento dessa nova e bela voz irmã) conversou com quatro obreiros da Rádio Portugal Livre: Aurélio Santos, director da RPL durante mais de 11 anos; Veríssima Rodrigues, locutora desde a primeira até à última edição; Maria da Piedade Morgadinho e Margarida Tengarrinha, que lá trabalharam respectivamente durante 11 e seis anos.
A Rádio Portugal Livre (RPL) surgiu em Março de 1962, ano de fortes lutas populares contra o fascismo. Trata-se de uma simples coincidência?
Aurélio Santos (AS): Eu penso que o próprio aparecimento da Rádio animou as grandes lutas de massas ocorridas nesse ano, designadamente o 1.º de Maio de 1962. Desde as grandes movimentações em torno da candidatura de Humberto Delgado que havia um ambiente no País que tornava necessário o recurso a outros meios de intervenção. O PCP compreendeu a importância da utilização desses meios e criou a Rádio Portugal Livre. Mas não bastava ser necessário criar esses meios, era também preciso que tal fosse possível. E nessa altura foi possível.
E porquê na Roménia?
AS: No interior do País não havia quaisquer hipóteses de instalar uma rádio. Fazia-se a imprensa clandestina, com medidas de defesa conspirativa muito rigorosas, mas uma rádio seria facilmente localizada. Então o Partido procurou o apoio dos partidos comunistas que já tinham criado estruturas semelhantes para serem utilizadas por partidos que lutavam em condições de ditaduras fascistas.
Maria da Piedade Morgadinho (MPM): Esta localização não foi um acaso, pois a Roménia tinha muita experiência de instalação no seu território de rádios clandestinas de outros partidos e mesmo do próprio Partido Comunista da Roménia, durante a ocupação nazi.
AS: A Rádio Portugal Livre instalou-se em Bucareste, mas nós mantivemos uma total integridade de ligação com o PCP, uma independência total. Não tínhamos qualquer ligação com o Partido Comunista da Roménia para lá do apoio técnico que nos prestava. Costumo dizer que vivíamos em condições de extraterritorialidade, pois actuávamos com a cabeça dentro do País.
Margarida Tengarrinha (MT): Tínhamos os pés na Roménia e a cabeça em Portugal…
MPM: Nós sentíamos muito a forma como abríamos as nossas emissões – Fala a Rádio Portugal Livre, emissora portuguesa ao serviço do povo, da democracia e da independência nacional –, abertura esta que era precedida pelos acordes d' A Portuguesa. E também não é por acaso que junto ao microfone tínhamos uma bandeirinha portuguesa.
Como se garantia essa ligação tão próxima ao País e ao que cá se passava?
AS: O circuito de informação do Partido permitia o acompanhamento praticamente total do que se passava no País. As informações passadas para as casas clandestinas do Partido chegavam à Rádio e eram fundamentais, pois davam-nos a ideia do pulsar do País, do que se fazia e do que se pensava em Portugal. E depois havia a escuta das emissoras portuguesas, a leitura dos jornais, as agências internacionais.
Veríssima Rodrigues (VR): Quando a Rádio começou havia um manancial de lutas em Portugal e os jornais estavam cheios de notícias sobre o País. Eram as lutas dos assalariados agrícolas do Alentejo pelas oito horas de trabalho ou as lutas dos estudantes, que foram alvo de muita solidariedade, em França, em Itália ou na União Soviética. Não havia falta de notícias nos primeiros tempos, a dificuldade era «meter o Rossio na Betesga».
Nós conseguíamos difundir muita coisa com bastante actualidade, pois muita da informação chegava pelas agências e jornais estrangeiros antes de chegar a informação do Partido.
Por exemplo, soubemos da prisão do camarada António Dias Lourenço, em 1962, pela France Presse, e da prisão dos meus pais, Manuel Rodrigues e lucrécia dos Santos Ramos, funcionários do Partido, no ano seguinte, pelo L’Unitá…
AS: Este trabalho de recolha de informação era uma das principais preocupações da equipa da Rádio Portugal Livre, uma equipa que teve várias composições: começou com quatro elementos, sendo o Pedro Soares o director, e foi depois reforçada com a minha ida e da Maria da Piedade, em 1963. A Margarida chegou um pouco mais tarde, em finais desse ano.
MT: A Veríssima é a única de nós que esteve desde o início…
VR: Cheguei a Bucareste a 27 de Fevereiro de 1962 juntamente com os outros camaradas que iam fazer parte da equipa. Estava já lá o Pedro Soares, que tinha estado a tratar da implantação da Rádio. Fui com a tarefa de locução e a partir de 1968 comecei também a ter algum trabalho de redacção. Passaram pela Rádio 16 pessoas, o que revela alguma estabilidade.
AS: Foi a voz da Rádio Portugal Livre. Muita gente, no Alentejo por exemplo, quando ia comprar um transístor, perguntava: «mas pode-se ouvir a menina?» A menina era a Veríssima, que nessa altura era uma jovem de 15 anos e a voz dela tinha uma clareza tão grande que identificava a rádio…
MPM: É ainda importante destacar o especial cuidado e até carinho com que tratávamos a ilustração musical dos nossos programas. Apesar de o tempo ser curto, púnhamos nisso uma grande preocupação, utilizando sobretudo música portuguesa de qualidade, como o Lopes-Graça, o Adriano ou o Zeca. Formos também nós, na RPL, que lançámos pela primeira vez o Avante, Camarada pela voz da Luísa Basto.
Como acabou a Rádio?
VR: Acabou a 27 de Outubro de 1974, com a leitura dos documentos do VII Congresso (Extraordinário) do PCP, realizado a 20 de Outubro. Eu participei nessa leitura. Terminou depois com uma declaração – não sei se há cópia dessa declaração – de que a Rádio suspendia as suas emissões devido às novas condições criadas. Nunca dissemos que encerrávamos as emissões, mas sim que as suspendíamos.
AS: No 1.º de Maio compreendemos que a ditadura ia cair e que se abriria uma nova página na história de Portugal. Nos dias seguintes, continuámos a emitir, mas já não seriam os portugueses que ouviam a RPL, éramos nós que ouvíamos o que se passava no País. Mas continuámos a emitir, pois como disse a Veríssima, a Rádio ainda podia vir a ser necessária. Até Outubro de 1974 não se sabia qual a orientação que prevaleceria, já que o Spínola combatia o MFA.
Ainda existem as gravações da RPL?
AS: Tínhamos uma colecção dos nossos programas em Moscovo e outra em Bucareste. Desapareceram durante as convulsões que agitaram o mundo socialista. Já tentei recuperá-la em Bucareste e não foi possível. O desaparecimento dos arquivos e da própria gravação dos programas da Rádio Portugal Livre é uma grande perda.
Memórias, emoções, pressões e bom espírito
Dos trabalhos que fizeram para a Rádio Portugal Livre, quais os que recordam com mais emoção?
VR: Apesar dos poucos recursos que tinha, a RPL mandou repórteres a vários pontos do mundo. O Aurélio foi ao Vietname e esteve em Hanói quando a cidade estava a ser bombardeada e trouxe várias reportagens. A Margarida foi às comemorações da Revolução de Outubro. Também fomos às zonas libertadas da Guiné-Bissau. E entrevistámos vários dirigentes do Partido, nomeadamente o camarada Álvaro Cunhal.
MPM: Nós vivíamos momentos de grande emoção sobretudo quando nos chegavam informações sobre a libertação de camaradas. Recordo a libertação de José Vitoriano, que entrevistei em Praga, onde se foi tratar, e a de Manuel Rodrigues da Silva, entre outros.
MT: A Rádio também tinha um papel muito importante na denúncia da repressão fascista. Havia uma rubrica só dedicada a isso. Fizemos uma série de programas para a libertação de Manuel Rodrigues da Silva, José Vitoriano, Manuel Guedes, José Magro… Para além disso, denunciávamos pides e bufos e chegámos a divulgar matrículas de carros que eram usados pela PIDE.
VR: O inimigo espreita, reforcemos a vigilância, era assim que se chamava essa rubrica.
Passemos às reportagens. Quais as que vos marcaram mais?
AC: Muitas das vezes que saía da Roménia levava um gravador. Uma ocasião, durante um congresso do PCUS, conheci Iuri Gagárine, que tinha chegado do Cosmos há pouco tempo. Fiz-lhe uma entrevista, uma longa entrevista, com as suas impressões. Quando cheguei ao hotel, vou ouvir a gravação e percebi que não estava nada gravado. No dia seguinte, voltei a encontrá-lo, expliquei-lhe a situação e ele, com aquele sorriso radioso que tinha, disponibilizou-se a gravar outra entrevista para a Rádio Portugal Livre, que foi transmitida em exclusivo.
MT: Nas comemorações do 50.º aniversário da Revolução de Outubro consegui algumas reportagens interessantes. O Aurélio pôs-me um gravador na mão e meteu-me num avião e eu lá fui. Quando descobri que ao pé de mim iam uns craques dos jornais comunistas mais importantes do mundo, senti-me pequenina, mas pensei que não ia ficar atrás deles. E de facto, consegui umas reportagens fantásticas.
Lembras-te dos assuntos que abordaste?
MT: Falei com o marinheiro do cruzador Aurora que deu ordem para que fossem disparados os canhões contra o Palácio de Inverno, em Novembro de 1917, onde estava o governo provisório. No Uzbequistão, falei com as primeiras mulheres que se libertaram do véu e que conseguiram, a partir da revolução, formar uma cooperativa de mulheres para se libertarem do jugo imposto pelo islamismo. Também recolhi relatos fantásticos do cerco de Leninegrado, reveladores da vitalidade daquele povo, daquele partido e daquela resistência contra o nazismo. Foram umas oito ou nove reportagens.
MPM: Lembro-me do orgulho que senti quando levei uma chapinha ao peito que dizia «correspondente da Rádio Portugal Livre» e fui credenciada, nessa qualidade, para participar no Congresso Internacional das Mulheres, que se realizou em 1969 em Helsínquia. Fiz entrevistas e recolhi depoimentos – da Valentina Tereshkova [primeira mulher no espaço] e de muitas dirigentes de organizações femininas e partidos comunistas.
Recordo também uma reportagem que fiz como enviada da Rádio às homenagens realizadas a propósito dos 25 anos da destruição de Lídice, na Checoslováquia pelos nazis e o fuzilamento de todos os homens. Só ficaram as mulheres e as crianças. Naquela altura, já das ruínas tinha ressurgido uma nova povoação com novos habitantes, muitos dos quais tinham sobrevivido aos campos de concentração e regressado. Foi muito emocionante.
Imagino que trabalhassem sob uma grande pressão...
MPM: Sim, trabalhávamos sempre a olhar para o relógio, com este a andar mais depressa do que nós queríamos. A seguir ao almoço só se ouvia o matraquear das máquinas. Mas tínhamos bom espírito.
Uma noite fomos despertados pelo telefonema de um camarada romeno a dizer-nos que tinha ouvido numa rádio que o Salazar tinha morrido. Concentrámo-nos nas instalações da RPL a ouvir as emissoras e a ler jornais e agências e só de madrugada descobrimos o que tinha acontecido: tinha de facto morrido um Salazar mas não era este, era um diplomata da América Latina. Arrumámos as coisas e abrimos um dossiê com toda a documentação recolhida a que chamámos «primeira morte de Salazar». Passado um tempo, o Salazar cai da cadeira e as primeiras notícias falavam da sua morte. Abrimos um novo dossiê a que demos o nome «segunda morte de Salazar». Quando, por fim, o Salazar morreu arrumámos toda a papelada, com o nome «terceira e definitiva morte de Salazar».
Isto mostra que a tensão era grande mas também que não faltava a alegria e a grande consciência de que estávamos a realizar uma tarefa muito importante para o nosso Partido.
A RPL era a «primeira transmissora» da orientação do Partido
Referiram que a Rádio Portugal Livre manteve sempre uma ligação estreita à direcção do Partido. Como era feita esta ligação?
AS: O contacto mais directo que tínhamos era com Álvaro Cunhal, que acompanhou de muito perto a Rádio. Durante todo o tempo em que fui o director, e enquanto o Álvaro Cunhal esteve em Moscovo, todas as semanas tínhamos um contacto telefónico para discussão de algumas das questões que se colocavam ao trabalho da Rádio.
MT: E o Álvaro ia lá com alguma frequência…
AS: Sim, pelo menos uma vez por ano reunia com o colectivo da Rádio Portugal Livre. Depois da sua saída de Moscovo, no seu tempo de estadia em Paris, os contactos eram bastante mais difíceis, uma vez que não havia possibilidades de comunicação directa entre Bucareste e Paris.
Aí passámos a receber cartas em que, de forma às vezes bastante desenvolvida, tratava de alguns dos problemas de orientação do Partido. Essa sua contribuição foi decisiva para a configuração do tipo de emissão da Rádio Portugal Livre e do seu conteúdo.
A minha ida para o Comité Central depois do VI Congresso do PCP [realizado em 1965] permitiu uma ainda maior integração do trabalho da Rádio na acção mais geral do Partido.
MPM: Aproveito esta ocasião para desfazer alguns equívocos. Ainda hoje há quem não distinga a Rádio Portugal Livre da Voz da Liberdade. A primeira foi uma emissora do Partido Comunista Português, uma rádio comunista e revolucionária, que funcionava a partir de Bucareste.
A Voz da Liberdade era uma emissora da Frente Patriótica de Libertação Nacional, sedeada em Argel. Era uma emissora unitária, onde estavam representados comunistas, socialistas e outros sectores antifascistas. E enquanto a Rádio Portugal Livre transmitia diariamente, a Voz da Liberdade transmitia só duas vezes por semana.
MT: A nossa preocupação constante era sermos fiéis à orientação do Partido. Mas muitas vezes, sobre aspectos pontuais, não sabíamos qual era a orientação e tínhamos que interpretar. Mas julgo que a Rádio foi sempre um instrumento de transmissão da orientação do Partido para Portugal e mesmo para os próprios militantes.
MPM: Uma das rubricas que tínhamos na Rádio era a leitura integral do Avante! e d’ O Militante. Isto permitia que muitos funcionários a quem a imprensa do Partido não tinha ainda chegado gravassem as emissões e pudessem pôr a circular notícias e informações difundidas pela Rádio.
Qual a importância teve a RPL na divulgação das posições do Partido numa época tão conturbada e confusa da história de Portugal?
MT: A partir de 1963, a RPL transmitiu toda a documentação das reuniões do Comité Central relativas ao combate e correcção da linha oportunista de direita, que tinha começado a ser criticada a partir da fuga de Peniche, e divulgou os textos que seriam depois o Rumo à Vitória. Quando, em Janeiro de 1965, foi aprovado pelo Comité Central o projecto de Programa, contendo os oito pontos para a Revolução Democrática e Nacional, este foi imediatamente enviado para a Rádio para ser posto à discussão de todo o Partido. Fomos os primeiros transmissores desses documentos.
AS: Outro momento importante deu-se nos anos 1968/1969, aquando da «demagogia liberalizante» de Marcello Caetano. A RPL foi rápida a divulgar o documento Salazarismo sem Salazar, que apontava uma orientação geral do Partido naquela situação nova. Havia quem acreditasse que Portugal se transformaria numa democracia parlamentar e os que consideravam que nada mudara e que o regime continuava o mesmo. O Partido, alertando para a pretensão de continuar o salazarismo sem Salazar, considerava também que a «demagogia liberalizante» traduzia um enfraquecimento do apoio ao regime, que devia ser aproveitado pelas massas populares.
MPM: Por ocasião do cinquentenário do nosso Partido, cumprido a 6 de Março de 1971, transmitimos, durante um ano inteiro, um programa com dados sobre a história do Partido, alguns dos quais até aí desconhecidos.
Em todos os documentos emitidos pelo Partido desde a morte do Salazar havia sempre três preocupações: não deixar afrouxar a luta de massas, continuando a desenvolvê-la em todas as frentes; promover a unidade de todos os democratas e antifascistas; reforçar o Partido. Estas preocupações estiveram sempre presentes nas nossas emissões.
AS: Outro importante contributo da Rádio foi a luta contra a guerra colonial, não só denunciando o que ela representava de atraso para o País, como o que significava de perda do prestígio de Portugal no mundo. Mas foi importante também pelos programas dirigidos às Forças Armadas que continham essa orientação, que davam igualmente algumas indicações importantes para o desenvolvimento da consciência política daqueles que estavam mobilizados na guerra colonial e dos que, estando nas universidades, foram depois mandados para lá à força. Por alturas do 25 de Abril, a maior parte dos quadros militares abaixo de capitão e mesmo na categoria de capitão eram oficiais milicianos, vindos das universidades.
MT: Em 1968, saí da Rádio e voltei a Portugal, para a redacção do Avante!, onde já tinha estado anteriormente. E posso testemunhar que a Rádio Portugal Livre era útil para a redacção do Avante!, porque muitas vezes a RPL dava instruções e orientações que não tínhamos ainda recebido ou que ela interpretava de outra maneira. Não só o Avante! era útil para a Rádio como a Rádio era útil para o Avante!.
Difusor de subversão que o fascismo tentava calar
A Rádio Portugal Livre era muito ouvida? Que condicionalismos se colocavam no País à sua audição?
MPM: Há uns anos ouvi um indivíduo que foi membro do Partido e que esteve na Rádio Portugal Livre afirmar que ela praticamente não era escutada. Mas há elementos que provam o contrário. Em primeiro lugar, se a Rádio não fosse ouvida – e em alguns locais em muito boas condições – não haveria tanta preocupação por parte do fascismo em procurar interferir com as nossas emissões. Foi por isso que foi instalada na Glória do Ribatejo a RARET, uma antena muito potente a partir da qual procuravam interferir nas emissões da Rádio Portugal Livre.
AS: E não era só essa antena, que estava ligada à Voz da América, mas também os próprios equipamentos das Forças Armadas que serviam para procurar impedir ou pelo menos dificultar a captação das emissões da Rádio Portugal Livre. Tudo isto porque a RPL constituía uma ruptura com o sistema de censura que existia no País. Era um difusor de subversão que o regime tentou por todas as formas impedir.
MPM: Por essa altura, o Governador Civil de Beja mandou uma circular para os presidentes de Câmara da região instruindo-os para que investigassem quem é que adquiria aparelhos de rádio, se estes apanhavam ondas curtas, se eram pagos ou oferecidos… Isto mostra que não era indiferente ao fascismo a existência de uma emissora antifascista a transmitir diariamente para o País.
Mas tinham essa consciência quando lá estavam?
MPM: Lembro-me de termos recebido uma informação de camaradas de Alcanena que relatavam a actuação de um bufo infiltrado num sindicato e que procurava desarticular as lutas mal estas se começavam a desenhar. Denunciámos esse facto, com o nome do indivíduo, e apelámos aos trabalhadores para que corressem com o bufo do sindicato. Muito tempo depois, já nem nos lembrávamos disto, recebemos outra carta de Alcanena onde se dizia que graças à denúncia da Rádio Portugal Livre os trabalhadores não só correram com o bufo como lhe deram um castigo exemplar.
E há mais exemplos... Logo a seguir ao 25 de Abril, num comício em Aljustrel, muita gente veio abraçar-me por ter reconhecido a minha voz como sendo a da Rádio Portugal Livre. Num outro comício, em Montemor-o-Novo (ainda eu não estava autorizada pelo Partido a dizer de onde tinha vindo), mal tinha começado a falar fui interrompida pelas mulheres que, em cima dos atrelados dos tractores, gritavam Viva a nossa amiga da Rádio Portugal Livre. Nas Caldas da Rainha, um casal abordou-me no final de um comício dizendo-me que não saía dali enquanto eu não lhe confirmasse que era eu a voz que eles conheciam da Rádio.
A minha voz não tinha a potência nem o timbre da voz da Veríssima, mas tinha uma coisa que a tornava conhecida, o sotaque alentejano.