O emirado islâmico independente de Baba Amr

Os jornalistas combatentes de Baba Amr

Thierry Meyssan

Terá sido a re­pressão de Baba Amr a maior ficção desde o 11 de Se­tembro? É o que Thi­erry Meyssan pro­cura de­mons­trar neste pri­meiro ar­tigo sobre o as­sunto em que aborda a ale­gada evasão de jor­na­listas oci­den­tais e mostra que al­guns deles fa­ziam parte do exér­cito sírio «livre».

Os jor­na­listas eva­cu­ados de Baba Amro pu­bli­carão a sua pró­pria versão dos acon­te­ci­mentos. Con­ti­nu­arão a mentir como até agora fi­zeram.

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Os países mem­bros da NATO e do Con­selho de Co­o­pe­ração do Golfo (CCG) não con­se­guiram lançar um ataque con­ven­ci­onal contra a Síria. No en­tanto, an­daram a pre­pará-lo du­rante dez meses, con­du­zindo uma guerra de baixa in­ten­si­dade, acom­pa­nhada de uma guerra eco­nó­mica e me­diá­tica. A ci­dade de Homs tornou-se um sím­bolo deste con­fronto. O cha­mado exér­cito «sírio» livre tomou os bairros de Baba Amr e In­chaat para aí pro­clamar um emi­rado is­lâ­mico, o que re­vela bem qual é seu pro­jecto po­lí­tico.

Com o apoio da Rússia, que con­tinua trau­ma­ti­zada pela ex­pe­ri­ência do emi­rado is­lâ­mico de It­ch­kéria [Tchet­chénia], e da China – ambos em­pe­nhados em que Da­masco pro­teja os seus ci­da­dãos – o Exér­cito Na­ci­onal Sírio ini­ciou o as­salto em 9 de Fe­ve­reiro, de­pois de se terem es­go­tado todas as pos­si­bi­li­dades de me­di­ação. Já der­ro­tado, o exér­cito «sírio» livre en­trin­cheirou-se numa zona de cerca de 40 hec­tares, que foi ime­di­a­ta­mente cer­cada por forças do Go­verno, aca­bando por cair no dia 1 de Março. Para se vin­garem, os úl­timos ele­mentos ar­mados do emi­rado mas­sa­craram cris­tãos em duas al­deias que atra­ves­saram, antes al­can­çarem o re­fúgio no Lí­bano.

Du­rante todo este pe­ríodo, os prin­ci­pais media foram uti­li­zados para ca­mu­flar a re­a­li­dade sór­dida e cruel deste emi­rado, subs­ti­tuindo-a por uma ficção de re­vo­lução re­pri­mida. Com um cui­dado par­ti­cular pro­curou-se fazer crer que mi­lhares de civis foram bom­bar­de­ados pela ar­ti­lharia e mesmo pela avi­ação síria. No co­ração do sis­tema de pro­pa­ganda es­teve um Centro de Im­prensa, co­or­de­nado por jor­na­listas is­ra­e­litas e uti­li­zado pelos ca­nais de te­le­visão ao ser­viço da Co­li­gação, no­me­a­da­mente a Al-Ja­zeera (Qatar), Al-Ara­biya (Arábia Sau­dita), Fran­ce24 (França), BBC (Reino Unido) e CNN (Es­tados Unidos).

Entre a versão da NATO e do CCG, por um lado, e a da Or­ga­ni­zação de Co­o­pe­ração de Xangai, por outro, a opi­nião pú­blica no Oci­dente e no Golfe pode le­gi­ti­ma­mente in­ter­rogar-se sobre quem diz a ver­dade. Vamos pro­curar expor ele­mentos de­ci­sivos para es­ta­be­lecer a ver­dade. Ba­seamo-nos em ví­deos di­fun­didos pelas ca­deias oci­den­tais e dos países do Golfo, tes­te­mu­nhos de so­bre­vi­ventes re­co­lhidos pela Rede Vol­taire na Síria e do­cu­mentos des­co­bertos no Centro de Im­prensa do emi­rado.

 

A face dupla dos re­pór­teres oci­den­tais

 

Vá­rios jor­na­listas oci­den­tais blo­que­ados no emi­rado lan­çaram apelos de au­xílio na In­ternet. Dois deles apre­sen­taram-se fe­ridos e um ter­ceiro pa­recia de boa saúde. Os res­pec­tivos go­vernos fi­zeram do seu res­gate uma questão de prin­cípio. A França en­viou um fun­ci­o­nário para ne­go­ciar com os re­beldes. Ou­tros es­tados, de­sig­na­da­mente a Rússia, pro­cu­rando fazer baixar a tensão no Le­vante, ofe­re­ceram-se como in­ter­me­diá­rios.

Eu pró­prio par­ti­cipei pes­so­al­mente nesse es­forço co­lec­tivo. Na ver­dade, uma jor­na­lista re­cusou uma pri­meira opor­tu­ni­dade para ser eva­cuada com a Cruz Ver­melha. Re­ce­ando cair numa ar­ma­dilha, a jor­na­lista não agarrou a mão que lhe foi es­ten­dida. A minha missão tinha duas ver­tentes. Em pri­meiro lugar es­ta­be­lecer um con­tacto com os meus com­pa­tri­otas, in­formá-los do con­texto po­lí­tico-mi­litar e fa­ci­litar a sua en­trega a um fun­ci­o­nário francês in­cum­bido de lhes dar pro­tecção di­plo­má­tica. De­pois, devia in­formar aqueles que tra­ba­lham a favor da paz na re­gião sobre o de­sen­vol­vi­mento exacto dos acon­te­ci­mentos e ava­liar a boa von­tade dos pro­ta­go­nistas.

Como é sa­bido, as ne­go­ci­a­ções fra­cas­saram. Os de­le­gados dos ser­viços de in­for­ma­ções dos di­fe­rentes es­tados en­vol­vidos pu­deram cons­tatar que as au­to­ri­dades sí­rias e as or­ga­ni­za­ções hu­ma­ni­tá­rias fi­zeram tudo o que es­tava ao seu al­cance, e que o blo­queio era ex­clu­si­va­mente im­pu­tável ao exér­cito «sírio» livre.

E qual não foi a sur­presa, real ou fin­gida, dos di­fe­rentes ne­go­ci­a­dores quando, de re­pente, fomos in­for­mados de que os três jor­na­listas que ha­víamos ten­tado eva­cuar de Homs, e um outro que não quis aceitar a nossa ajuda, ti­nham atra­ves­sado as li­nhas do exér­cito «sírio» livre e do Exér­cito Na­ci­onal Sírio e se di­ri­giam pelos pró­prios meios para o Lí­bano.

Após um mo­mento de con­fusão e de ve­ri­ficar que as ini­ci­a­tivas pa­ra­lelas da Rússia não ti­nham tido me­lhor sorte que as nossas, apu­rámos que um co­mando de uma grande po­tência oci­dental havia eva­cuado os quatro jor­na­listas e talvez ou­tras pes­soas, en­quanto nós ar­ris­cá­vamos inu­til­mente as nossas vidas. Nestas con­di­ções não sinto qual­quer obri­gação em guardar re­serva sobre os por­me­nores deste caso. Ex­cluirei apenas as re­fe­rên­cias aos fun­ci­o­ná­rios e per­so­na­li­dades en­vol­vidos para que possam con­ti­nuar a tra­ba­lhar pela paz, em­bora a menção de certos de­ta­lhes pu­desse ser pe­da­gó­gica para os nossos lei­tores.

Se­gu­ra­mente que os eva­cu­ados de Baba Amr pu­bli­carão a sua pró­pria versão dos acon­te­ci­mentos em abono da pro­pa­ganda atlan­tista. Con­ti­nu­arão a mentir como até agora fi­zeram. É pre­ci­sa­mente por isso que faço questão de tes­te­mu­nhar sobre o que vi para romper a teia de de­sin­for­mação que tem sido te­cida em tornos destes acon­te­ci­mentos.

Se­gundo a versão me­diá­tica ac­tual, uma re­vo­lução terá sido re­pri­mida sel­va­ti­ca­mente. Jor­na­listas oci­den­tais, uni­ca­mente mo­vidos pela sua von­tade de in­formar, terão che­gado para ver e tes­te­mu­nhar. Os in­sur­gidos foram-se en­trin­chei­rando pro­gres­si­va­mente no bairro de Baba Amr e aí so­bre­vi­veram três se­manas sob um di­lúvio de fogo. Na terça-feira, 22 de Fe­ve­reiro, o res­pec­tivo Centro de Im­prensa terá sido bom­bar­deado com ar­ti­lharia (lança-mís­seis múl­ti­plos GRAD, também co­nhe­cidos como «ór­gãos de Stá­line» ou ka­tiuskas). Marie Colvin (Sunday Times) e Rémi Ochlik (IP3 Presse) terão sido mortos du­rante o bom­bar­de­a­mento, en­quanto Édith Bou­vier (Le Fi­garo Ma­ga­zine) e Paul Conroy (Sunday Times) terão fi­cado fe­ridos. Wil­liam Da­niels (ex-Fi­garo Ma­ga­zine e Time Ma­ga­zine) ficou junto deles, en­quanto Ja­vier Es­pi­nosa (El Mundo) se se­parou do grupo.

En­tre­tanto, os so­bre­vi­ventes di­vul­garam quatro ví­deos na In­ternet que nos contam uma his­tória muito es­tranha.

 

A morte de Marie Colvin e de Rémi Ochlik

 

Sou­bemos da morte de Marie Colvin e de Rémi Ochlik por um vídeo for­ne­cido pelo Exér­cito «sírio» livre. Os seus corpos foram en­con­trados após a queda do emi­rado e iden­ti­fi­cados pelos em­bai­xa­dores de França e da Po­lónia (re­pre­sen­tante do seu ho­mó­logo norte-ame­ri­cano). Marie Colvin era co­nhe­cida por se vestir bem e pelo con­traste da fi­neza dos seus ade­reços fe­mi­ninos com a du­reza da venda que lhe ta­pava o olho di­reito per­dido. O vídeo em que vemos apenas os corpos es­ten­didos de costas para cima é au­tên­tico e foi va­li­dado pelos vá­rios media que o di­vul­garam. Os dois jor­na­listas apa­recem em uni­forme de mi­litar. De­vemos in­ter­rogar-nos por que razão este de­talhe, que não condiz com a con­dição de não com­ba­tente dos jor­na­listas num campo de ba­talha, não sus­citou ques­tões por parte do pú­blico nem co­men­tá­rios in­dig­nados por parte dos pro­fis­si­o­nais.

 

Édith Bou­vier e Paul Conroy «fe­ridos» no hos­pital

 

No se­gundo vídeo, o doutor Ali, re­pre­sen­tante no emi­rado do Cres­cente Ver­melho sírio, um den­tista de bairro que se de­dicou co­ra­jo­sa­mente a tratar os fe­ridos, apre­senta Édith Bou­vier e Paul Conroy, dei­tados em camas do que pa­rece ser uma en­fer­maria hos­pi­talar. De­pois, um sol­dado do exér­cito «sírio» livre, que é apre­sen­tado como «doutor Mohamed», de bata azul e com um es­te­tos­cópio, faz um co­men­tário re­vo­lu­ci­o­nário.

Três as­pectos devem ser sa­li­en­tados neste vídeo: Édith Bou­vier re­cusa re­velar a sua iden­ti­dade, o que no en­tanto é re­ve­lado aos te­les­pec­ta­dores, e tenta es­conder a sua cara. Paul Conroy desvia cons­tan­te­mente o olhar, ma­ni­fes­tando in­qui­e­tação e re­pro­vação.

O «doutor Mohammed» é uma es­trela dos ví­deos da opo­sição síria. De­sem­penha o papel de mé­dico re­vo­lu­ci­o­nário. Ex­prime-se numa lin­guagem im­pre­cisa, sem ne­nhum vo­ca­bu­lário mé­dico, mas com re­fe­rên­cias sa­la­fistas.

Tudo leva a crer que o «doutor Mohammed» uti­lizou a si­tu­ação para en­volver o mé­dico do Cres­cente Ver­melho e os dois jor­na­listas numa pe­quena en­ce­nação, dra­ma­ti­zando o caso de forma ul­tra­jante.

 

 Nova men­sagem de Paul Conroy a partir do seu quarto

 

Num ter­ceiro vídeo, o fo­tó­grafo bri­tâ­nico Paul Conroy apa­rece so­zinho, dei­tado num divã, após ter re­ce­bido cui­dados mé­dicos. Pede au­xílio, mas faz questão de su­bli­nhar que é um con­vi­dado, não um pri­si­o­neiro.

Pa­rece tão pouco à von­tade como da pri­meira vez e passa al­gumas in­di­ca­ções aos te­les­pec­ta­dores. Apela às «agên­cias glo­bais» a in­tervir, uma vez que «tra­ba­lham no ter­reno para os mesmos ob­jec­tivos». Que «agên­cias glo­bais» são estas que te­riam o poder de evacuá-lo do emi­rado? Só pode tratar-se de agên­cias pú­blicas, sejam in­ter­go­ver­na­men­tais como as da ONU, ou na­ci­o­nais como as agên­cias de in­for­ma­ções. Que sig­ni­fica «tra­ba­lhar no ter­reno para os mesmos ob­jec­tivos»? Não pode estar a re­ferir-se à ac­ti­vi­dade das Na­ções Unidas, já que estas não estão vo­ca­ci­o­nadas para fazer jor­na­lismo. A única in­ter­pre­tação pos­sível é que está a apelar às agên­cias de in­for­ma­ções ali­adas, in­vo­cando a sua li­gação a uma agência de in­for­mação bri­tâ­nica.

Ao con­trário de Marie Colvin, de quem é fo­tó­grafo nas suas re­por­ta­gens para o Sunday Times, Paul Conroy não en­verga uni­forme mi­litar no campo de ba­talha. Não pre­cisa dele para ser iden­ti­fi­cado.

O «doutor Mohammed» in­tervém então para nos dar conta do seu di­ag­nós­tico. Na vés­pera, Paul Conroy terá sido fe­rido na perna por um míssil GRAD. Mostra-nos uma perna en­volta numa li­ga­dura ima­cu­lada. Apesar da ex­trema gra­vi­dade da fe­rida ainda fresca, a perna não apre­senta o menor in­chaço. O «doutor Mohammed», fa­zendo jus ao seu tí­tulo, re­a­lizou um pro­dígio mé­dico.

No final da sua in­ter­venção, Paul Conroy acres­centa uma men­sagem para tran­qui­lizar «a sua fa­mília e os amigos em In­gla­terra»: «Estou per­fei­ta­mente bem». Se o sen­tido oculto da frase es­capou ao «doutor Mohammed», aqueles que sabem que Paul Conroy é um ir­landês do Norte, e não in­glês, não terão di­fi­cul­dade em de­cifrá-la. O «fo­tó­grafo» di­rige-se à hi­e­rar­quia da agência mi­litar bri­tâ­nica para a qual tra­balha, as­si­na­lando que esta co­média não os deve in­duzir em erro: ele está de boa saúde.

Desta vez é Paul Conroy que pa­rece uti­lizar a en­ce­nação do «doutor Mohammed» para fazer passar a sua men­sagem, muito em­bora es­teja su­pos­ta­mente imo­bi­li­zado pelo fe­ri­mento.

 

Nova men­sagem de Édith Bou­vier e do seu com­pa­nheiro

 

Num quarto vídeo, gra­vado e di­fun­dido no mesmo dia, Édith Bou­vier, dei­tada na sua cama de in­for­túnio pede au­xílio: 1) pede «o es­ta­be­le­ci­mento de um cessar-fogo» e 2) «uma vi­a­tura hos­pi­talar que a trans­porte até ao Lí­bano», para que possa ser ra­pi­da­mente tra­tada.

Mas dado que as ne­ces­si­dades ma­ni­fes­tadas cor­res­pondem a uma trégua [e não a um cessar-fogo] para per­mitir a pas­sagem de uma am­bu­lância ou de um trans­porte de modo a ser tra­tada num hos­pital, tais rei­vin­di­ca­ções são to­tal­mente in­con­gru­entes.

1) Um cessar-fogo é um acordo que sus­pende todas as hos­ti­li­dades entre as partes du­rante uma ne­go­ci­ação po­lí­tica, en­quanto uma trégua é uma in­ter­rupção dos com­bates, numa zona de­ter­mi­nada e du­rante um pe­ríodo de­ter­mi­nado, para per­mitir a pas­sagem de pes­soas ou de ma­te­rial hu­ma­ni­tário.

2) Além disso, o trans­porte para o Lí­bano im­pli­caria uma am­nistia pelo de­lito de imi­gração ilegal, uma vez que Édith Bou­vier en­trou clan­des­ti­na­mente na Síria ao lado dos re­beldes.

É claro que estas duas exi­gên­cias não são jus­ti­fi­cadas, mas cor­res­pondem à cri­ação de um «cor­redor hu­ma­ni­tário», tal como é en­ten­dido pelo mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros, Alain Juppé.

Alain Juppé é in­fe­liz­mente co­nhe­cido pela fa­ci­li­dade com que in­verte os pa­péis e pelo uso que faz dos «cor­re­dores hu­ma­ni­tá­rios». Em 1994 ob­teve do Con­selho de Se­gu­rança das Na­ções Unidas uma re­so­lução au­to­ri­zando a ope­ração Tur­quesa, ou seja, a cri­ação de um «cor­redor hu­ma­ni­tário» para per­mitir que a po­pu­lação hutu do Ru­anda não fosse por seu turno mas­sa­crada, como vin­gança dos crimes co­me­tidos pelo Hutu Power, prin­ci­pal­mente contra a po­pu­lação tutsie. Sa­bemos hoje que esse cor­redor não foi hu­ma­ni­tário, mas uma forma de a França eva­cuar os res­pon­sá­veis pelos ge­no­cí­dios, mis­tu­rados com civis, li­vrando-os de res­ponder pelos seus crimes. Desta vez, Alain Juppé pro­cu­rava eva­cuar os grupos ar­mados res­pon­sá­veis pelas ma­tanças na Síria.

Deve-se, pois, cons­tatar que Édith Bou­vier não ex­primiu ne­ces­si­dades pes­soais, mas que as suas exi­gên­cias cor­res­pondem aos in­te­resses do exér­cito «sírio» livre, que a França de­fende.

Não sur­pre­ende que a jor­na­lista se faça porta-voz de Alain Juppé. Foi con­tra­tada para o grupo Fi­garo por Ge­orges Mal­brunot. Este úl­timo, se­gundo as au­to­ri­dades sí­rias, foi du­rante os anos 80 o agente de li­gação da DGSE [Di­recção Geral da Se­gu­rança Ex­te­rior, agência fran­cesa de in­for­ma­ções ex­ternas] com os Ir­mãos Mu­çul­manos. Foi preso em Hama e en­tregue às au­to­ri­dades fran­cesas, a pe­dido ex­presso do pre­si­dente Fran­çois Mit­ter­rand.

Na sequência se­guinte, o «doutor Mohammed» ex­plica a si­tu­ação, e o seu com­pa­nheiro, o fo­tó­grafo Wil­liam Da­niels (free-lancer na Fi­garo-Ma­ga­zine e de­pois na Time Ma­ga­zine), in­siste em que a si­tu­ação é ur­gente. As de­cla­ra­ções em árabe são tra­du­zidas para in­glês por uma quarta per­so­nagem que não apa­rece na imagem. Por fim, um quinto in­ter­ve­ni­ente, o jovem Khaled Abu Saleh, con­clui o pe­queno filme com uma ti­rada re­vo­lu­ci­o­nária.

Se bem que nos pri­meiros ví­deos tanto Édith como Paul pa­re­cessem re­ni­tentes em co­la­borar com o «doutor Mohammed», agora Édith de­sem­penha de boa von­tade o seu papel.

O jovem Khaled Abu Saleh é o chefe do Centro de Im­prensa do exér­cito «sírio» livre. Se­gundo os jor­na­listas que uti­li­zaram estas ins­ta­la­ções, lo­ca­li­zadas num edi­fício ve­tusto, o Centro dis­punha de todo o ma­te­rial de alta tec­no­logia ne­ces­sário. Os jor­na­listas po­diam fazer as suas mon­ta­gens e ti­nham à dis­po­sição equi­pa­mento via sa­té­lite para emitir em di­recto. Al­guns iro­ni­zaram com­pa­rando o alto nível deste Centro dos re­beldes com os sis­temas de trans­missão ar­caicos que con­ti­nuam a ser uti­li­zados pelo Exér­cito Na­ci­onal Sírio.

Não temos ne­nhuma in­for­mação sobre os ge­ne­rosos pa­tro­ci­na­dores que ofe­re­ceram estes equi­pa­mentos ultra mo­dernos. Mas a ac­ti­vi­dade pro­fis­si­onal de Khaled Abu Saleh dá-nos uma pista. O jovem re­vo­lu­ci­o­nário também é jor­na­lista: cor­res­pon­dente per­ma­nente da Al-Ja­zeera, edita o seu pró­prio blog no site dessa es­tação te­le­vi­siva e tra­balha como free lancer na Fran­ce24, onde é co­la­bo­rador do pro­grama «Les Ob­ser­va­teurs». Ora, estas duas es­ta­ções via sa­té­lite são a van­guarda da pro­pa­ganda da NATO e do CCG no es­forço de jus­ti­ficar a ne­ces­si­dade da mu­dança do re­gime sírio, tal como o foram em re­lação à Líbia.

A tí­tulo de exemplo da de­on­to­logia da es­tação pú­blica fran­cesa, em 7 de Junho de 2011, a Fran­ce24 emitiu em di­recto uma emo­ci­o­nante in­ter­venção te­le­fó­nica da em­bai­xa­dora da Síria em França, Lamia Shakkor, anun­ci­ando a sua de­missão em pro­testo contra os mas­sa­cres no seu país. De ime­diato a má­quina di­plo­má­tica fran­cesa exerceu pres­sões sobre o con­junto de em­bai­xa­dores sí­rios no mundo para que se­guissem este belo exemplo. To­davia, apesar de a di­rec­tora-ad­junta da re­dacção da Fran­ce24, Renée Ka­plan, ter ju­rado que a voz era a da em­bai­xa­dora, que co­nhecia pes­so­al­mente, na ver­dade a voz emi­tida era a de Fahd Alargha-Al­masri, a es­posa do men­ci­o­nado jor­na­lista Khaled Abu Saleh. A in­to­xi­cação foi des­co­berta.(1)

Sob o im­pulso de Alain de Pou­zi­lhac e de Ch­ris­tine Oc­krent-Kou­chner, a Fran­ce24 e a RFI (Radio France In­ter­na­ti­onal) dei­xaram de ser ór­gãos de in­for­mação para se tor­narem ins­tru­mentos do dis­po­si­tivo mi­litar e di­plo­má­tico francês. Assim, em 5 de Julho de 2011, Alain de Pou­zi­lhac, pre­si­dente di­rector-geral do sis­tema Au­di­o­vi­sual Ex­te­rior da França (AEF), as­sinou um pro­to­colo de acordo com Mahmud Shammam, mi­nistro da In­for­mação dos re­beldes lí­bios, com­pro­me­tendo-se a criar ór­gãos de in­for­mação anti-Kadhafi e a formar o pes­soal ne­ces­sário para fa­ci­litar o der­ru­ba­mento do «Guia» líbio. O anúncio pro­vocou a fúria dos jor­na­listas da Fran­ce24 e da RFI, que se sen­tiram ins­tru­men­ta­li­zados numa ope­ração de pro­pa­ganda. Tudo leva a crer que dis­po­si­ções da mesma na­tu­reza foram to­madas parta in­cen­tivar «o jor­na­lismo cí­vico» dos «re­vo­lu­ci­o­ná­rios sí­rios». Neste caso, Khaled Abu Saleh não se li­mi­tará a ser cor­res­pon­dente e a fazer co­la­bo­ra­ções es­po­rá­dicas, mas terá um papel de­ci­sivo na fa­bri­cação de in­for­ma­ções falsas ao ser­viço do dis­po­si­tivo mi­litar e di­plo­má­tico da França.

Ao prin­cípio, Édith Bou­vier pa­recia re­provar a en­ce­nação. De­pois, pelo con­trário, com o seu co­lega da Fran­ce24, co­la­bora e grava um apelo de au­xílio que visa des­pertar a com­paixão dos te­les­pec­ta­dores para jus­ti­ficar a aber­tura de um «cor­redor hu­ma­ni­tário», do qual Alain Juppé pre­cisa para eva­cuar os mer­ce­ná­rios do exér­cito «sírio» livre e os seus ins­tru­tores oci­den­tais.

 

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Pri­meiras con­clu­sões

 

Nesta fase da aná­lise dos ví­deos co­lo­quei vá­rias hi­pó­teses de tra­balho: a equipa do Sunday Times (Marie Colvin e Paul Conroy) es­tava ao ser­viço do MI6, e a en­viada da Fi­garo Ma­ga­zine (Édith Bou­vier) tra­ba­lhava para a DGSE.

O «doutor Mohammed» apro­veitou o facto destes jor­na­listas es­tarem aca­mados para gravar mais dois ví­deos, e Paul Conroy de­cidiu en­viar um pe­dido de au­xílio aos ali­ados. Cla­ra­mente, o co­la­bo­rador da Fran­ce24, Khaled Abu Saleh, montou toda esta en­ce­nação para lançar a rei­vin­di­cação de Alain Juppé.

 

Fra­casso das ne­go­ci­a­ções ou mu­dança na ne­go­ci­ação?

 

Du­rante as ne­go­ci­a­ções tive opor­tu­ni­dade de prestar vá­rios es­cla­re­ci­mentos que foram to­mados em con­si­de­ração. Mas de cada vez que evo­quei as ob­ser­va­ções que faço neste ar­tigo, res­pon­deram-me que o mo­mento não era ade­quado. Pa­recia que o exér­cito «sírio» livre se re­cu­sava a deixar sair os jor­na­listas. O ur­gente era salvá-los. O ver­da­deiro es­ta­tuto de cada um ver-se-ia mais tarde.

No sá­bado, 25 de Fe­ve­reiro, as ne­go­ci­a­ções fra­cas­saram. Para res­ta­be­lecer o con­tacto com os ta­kri­fistas, os sí­rios pro­cu­ravam um xeque mo­de­rado com o qual pu­dessem falar, mas todos os re­li­gi­osos con­tac­tados de­sis­tiram re­ce­ando even­tuais re­pre­sá­lias. Que fazer? Ficar no local à es­pera de um xeque para re­tomar as ne­go­ci­a­ções? Ou re­gressar a Da­masco para des­cansar em se­gu­rança?

A res­posta foi dada pelas au­to­ri­dades sí­rias, que nos con­vi­daram a re­gressar, as­se­gu­rando-nos de que nos in­for­ma­riam logo que sur­gisse uma nova opor­tu­ni­dade para ne­go­ciar. De re­gresso à ca­pital, uma men­sagem SMS in­formou-nos de que as ne­go­ci­a­ções es­tavam sus­pensas por 48 horas.

Tal não sig­ni­fi­cava que po­díamos di­vertir-nos, do­mingo e se­gunda-feira, en­quanto co­legas e com­pa­tri­otas cor­riam pe­rigo de morte. Outra ne­go­ci­ação es­tava em curso du­rante essas 48 horas. Pensei na­quele mo­mento que os nossos amigos russos se ti­nham en­car­re­gado do as­sunto.

Na manhã de terça-feira fui acor­dado por uma amiga, re­pórter de guerra de um grande órgão francês, que me te­le­fonou para me in­formar da che­gada a Bei­rute de Paul Conroy e pro­va­vel­mente de ou­tros jor­na­listas. Fi­quei es­tu­pe­facto. Foi então a minha vez de acordar um alto res­pon­sável sírio que me ma­ni­festou a sua per­ple­xi­dade. Ao cabo de vá­rios te­le­fo­nemas, nin­guém em Da­masco sabia nada ou não de­se­java falar do as­sunto.

Por fim des­cobri que o ge­neral Assef Chawkat tinha che­gado a um acordo com uma alta per­so­na­li­dade fran­cesa das suas re­la­ções para dar so­lução àquele im­bró­glio. As forças do go­verno sírio abriram as suas li­nhas du­rante a noite, per­mi­tindo que os con­se­lheiros fran­ceses e os jor­na­listas se­guissem para o Lí­bano. O exér­cito «sírio» livre só deu pela fuga pela ma­dru­gada. Vendo-se aban­do­nados à sua sorte, os mer­ce­ná­rios de­ci­diram render-se e en­tre­garam o seu ar­senal, en­quanto os is­la­mitas con­ti­nu­aram a re­cusar os úl­timos avisos para de­porem as armas. O ge­neral Assef Chawkat or­denou o as­salto final e tomou o emi­rado em al­gumas horas, li­ber­tando da ti­rania is­la­mita os civis que ali es­tavam en­cur­ra­lados.

A partir do seu quartel-ge­neral no es­tran­geiro, o exér­cito «sírio» livre, agora re­du­zido a quase nada, anun­ciou a sua «re­ti­rada es­tra­té­gica». Mas como a na­tu­reza tem horror ao vazio, o Con­selho Na­ci­onal Sírio, se­deado também ele no es­tran­geiro, anun­ciou a cri­ação de um co­mité mi­litar com­posto por pe­ritos sí­rios e so­bre­tudo es­tran­geiros. Em quatro dias, a questão mi­litar des­locou-se do campo de ba­talha para os con­for­tá­veis sa­lões dos grandes ho­téis pa­ri­si­enses.

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(1)«L’Am­bas­sa­deur de Syrie en France vic­time d’une ten­ta­tive de dés­ta­bi­li­sa­tion», Fré­déric La­cas­tille, In­foSyrie, 7 de Junho de 2011.

Tra­dição do francês da res­pon­sa­bi­li­dade da re­dacção do Avante!. Ori­ginal dis­po­nível em www.vol­tai­renet.org/​Les-jour­na­listes-com­bat­tants-de,onde estão igual­mente dis­po­ní­veis os ví­deos aqui men­ci­o­nados.



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