Ficções do PS e duras realidades em Lisboa

Modesto Navarro
No orçamento para 2012, a receita corrente diminui, na previsão de queda em parte dos impostos. Mas é compensada por taxas, multas e outras penalidades, na ordem dos 75 milhões de euros, que a maioria do PS na Câmara acha bem-vindas ao peso enorme de facturas e de prejuízos para a população da cidade.

As transferências correntes do Estado para o Município baixaram cerca de três milhões de euros e a Câmara fez cortes nas transferências para as juntas de freguesia.

Nas receitas de capital, lá vem a operação, já anteriormente propagandeada e falhada, do Fundo de Investimento Imobiliário, na ordem de alcançar 91 milhões de euros de participações, em ano ainda mais desfavorável para tais ambições.

Esta ficção novamente anunciada junta-se a outra, a venda da rede de saneamento em baixa à EPAL, como se esta empresa pudesse recorrer facilmente à banca e arranjar financiamento para 106 milhões de euros, num ano mais terrorista quanto às taxas de juro e outras aflições governamentais.

Quanto ao PIPARU, outra questão adiada das Grandes Opções do Plano, aí ficam 111 milhões de euros de empréstimo para o ano final de 2012. Nem 10 vereadores resolveriam este trabalho ciclópico de atraso de dois anos e, por isso, lá vem lançada a hipótese de renegociação com o Banco Europeu de Investimentos. Mas em que condições, na crise que o PS e o PSD criaram nos governos e no País? Problema grande será as obras não estarem terminadas no final de 2012, na perda indigente e banal, pela ineficácia da Câmara.

No tocante a planos de pormenor, a retalho à peça e no papel, tudo bem, para quem quer ocupar a cidade com habitação cara e confortável para os privilegiados, para os bancos e outros grandes financiamentos. Mas, quanto ao trabalho no terreno, na reabilitação concreta da cidade, é o falhanço já evidente nos desembolsos de apenas 25 milhões de euros, de que apenas se prevê executar 6,2 milhões até agora.

 

Três anos de propostas iguais

 

A confusão e a ineficácia, agravadas pela reestruturação dos serviços, deram nesta obra notável de vermos novamente repetida a ficção das Grandes Opções do Plano, em 3.ª edição nem sequer revista, ainda incluindo a 3.ª travessia do Tejo, a desocupação do aeroporto da Portela, a ligação da linha de Cascais à linha de cintura e a construção do novo aeroporto, lá longe, entre outras grandes opções necessárias que foram destruídas nos projectos e no papel pelo Governo PSD/CDS-PP.

3.ª edição que já nos aflige ler, porque até lá existem, desde há três anos, matérias que poderiam dar um bom plano de trabalho para autarcas a sério e comprometidos com a cidade. Mas o que acontece, para justificar esta confusão e ausência de trabalho, é que se diz espantosamente que já não há pelouros na Câmara Municipal, que tanto podem ser cumpridos por este vereador ou por aquele, ou cumpridos por todos, ao molho e fé em Deus, como é o caso dessa ficção da juventude, com um orçamento de 339 000 euros e nada de sério a significar aposta numa questão essencial e dolorosamente decisiva que é o rejuvenescimento da cidade.

Verdade seja dita que há vereadores na maioria PS que se queixam destes dois anos de reestruturação, ou de destruição, melhor dizendo, para justificarem não terem feito isto e aquilo. Mas têm dado cobertura a uma situação política que se vale da propaganda e do apoio de quem manda nos jornais e na comunicação social.

Sobre esta questão, quando parte da comunicação social dominante se ajeita e faz propaganda desta maioria na Câmara, é porque a sua política interessa aos grupos económicos, na actividade nociva e elitista de preparar e favorecer grandes negócios.

Voltemos às Grandes Opções, para dizer que é matéria repetida que pouco ou nada resulta nesse inarticulado plano de actividades para 2012 que vem a seguir, no documento. Digamos, por exemplo, na educação, que o aumento da despesa na alimentação dos alunos, nas escolas, decorre exactamente da pobreza maior que se instalou e instala na cidade, primeiro pela mão do PS no governo e, depois, pelo Governo PSD/CDS-PP.

Enquanto o dinheiro vier, lá se vai dando a esmola de matar a fome a quem vê os pais desempregados e a perderem a casa, sem apoios na saúde e na vida de todos os dias e com o sufoco da crise a encobrir o crime da governação para os mais poderosos e os bancos.

Os subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores do município, 21 milhões de euros, já estarão destinados a tapar buracos da dívida ou para outros destinos. A ver vamos. Mas mandaria um mínimo de bom-senso e sentido de ética para que também fossem dedicados à criação de melhores condições de vida e de trabalho para quem, afinal, é ainda mais atacado nos serviços e nas condições parcas de sobrevivência que já tinham.

Afinal de contas, vai tudo parar aos juros e aos bancos, neste inferno de troikas e de desastres em que afundam a cidade e o País, nessa maioria central ampliada ao CDS-PP, que abre a porta à direita mais extrema e a uma lei das rendas vergonhosa no ataque aos mais pobres, com brutais consequências nas cidades de Lisboa e Porto e nas áreas metropolitanas.

 

Confusões e arranjos entre PS e PSD

 

Na fusão estapafúrdia da Gebalis com a EPUL e a SRU Ocidental, lá se irá desfazer o pouco de útil que a primeira empresa conseguia fazer, em contacto directo com a brutal realidade dos bairros e das populações mais desfavorecidas.

Tudo acontece de mau e não é por acaso. Caiu a máscara da propaganda dos bairros, abandona-se paulatinamente o que não interessa ao grande negócio, mas interessa a quem vive nos bairros e nas freguesias.

A Câmara de maioria PS trata de assumir os custos do poder central na Frente Tejo, na ajuda ao Governo do PSD/CDS-PP, retirando financiamento a obras necessárias em zonas carenciadas da cidade, para facilitar apoios mais ou menos imediatos do PSD na Assembleia Municipal, no abstencionismo perante este orçamento e noutros arranjos do bloco central de interesses e desmandos.

No Plano de Actividades para 2012, são reduzidas ou dispersas medidas relativas aos bairros municipais, aos bairros de intervenção prioritária, à acção social e respectivos programas, à higiene urbana, iluminação pública, cemitérios, mercados, sinalização e sinalética, plano verde, eficiência energética, mobilidade e transportes.

O presidente da Câmara, na discussão das GOP’s, Plano de Actividades e Orçamento neste órgão, bem disse que os pelouros são uma ficção, o que conta são os objectivos programáticos… Cá está a realidade dos factos. Bem pode um ou outro vereador ou vereadora que compõem a maioria PS voltar a dizer que esta coisa da reestruturação dos serviços veio atrasar o trabalho. Mas, por exemplo, não combater determinadamente a redução dos transportes públicos, não enfrentar esses cortes brutais na mobilidade, na cidade e na área metropolitana, na Carris, no Metro, na Soflusa, na Transtejo e na CP, entre outros operadores, não será aceitar que a lógica brutal do transporte individual se imponha?

Os objectivos programáticos nos bairros, na acção social, nisto ou naquilo, só servem ainda de base à conversa e à propaganda. Como se alienam e confundem responsabilidades, desde logo entre presidente da Câmara e os vereadores, e de estes entre si, quem depois vai enfrentar as realidades, caso a caso, para as resolver?

 

Maioria PS foge às realidades de Lisboa

 

Gerir assim a cidade é evitar as frentes essenciais de trabalho concreto. Pode anunciar-se este ou aquele evento, para encher o olho a quem ainda não vê a realidade dos factos. Pode anunciar-se, para o Terreiro do Paço, uma forma de contar Lisboa, antes e depois do terramoto, que melhor seria, neste caso, ter ali uma estrutura cultural e científica ligada à história e à realidade passada e actual de Lisboa, dos Descobrimentos, dessas mil partidas que significaram ocupações, violências, escravatura e o seu contrário, as voltas que o mundo deu durante e depois disso, no sofrimento dos caminhos abertos e percorridos, na independência conquistada pela luta dos povos nas colónias, no 25 de Abril que era golpe de Estado mas foi revolução pela intervenção popular e organizada, nessa história imparável dos homens e dos destinos.

Já nem falamos de desporto, que é cada vez mais para quem tem dinheiro, como são a saúde, a educação básica, média e superior, a habitação digna que devia ser para o rejuvenescimento da cidade e é ocupada por gente elevada e distinta, na colaboração activa do PS, de Manuel Salgado e António Costa.

Por tudo isto e muito mais questões que apresentámos na Assembleia Municipal, votámos contra as Grandes Opções do Plano, o Plano de Actividades para 2012 e o Orçamento. Já vamos no 3.º ano de mandato desta maioria PS na Câmara e podemos dizer que lhe resta ano e meio para mostrar mais ainda o que não vale, no enfrentamento dos reais problemas de Lisboa, que se agravam e que eles agravam dia após dia.

A cidade está pior e mais abandonada ficará, com estes documentos informes e nem sequer cumpridos, em anos anteriores, no pouco que têm de interesse. Nem outra coisa seria de esperar. Mas, na crise que tanto serve de argumento na elaboração destes documentos, na contenção proclamada, que tudo cobre e agrava, bem podiam voltar-se um bocadinho que fosse para as freguesias e os bairros, para os problemas e interesses locais e populares.

Bloco central a bloco central, do PS e do PSD, tudo ficará na mesma ou pior, para mal da cidade e dos seus habitantes. Até que novo destino se abra e se cumpra na realidade de Lisboa.

 



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