Duques e cenas tristes

Vasco Cardoso

O truque é velho, mas con­tinua a render e a fazer ca­minho. De­molir uma ideia, uma pro­posta ou ini­ci­a­tiva, é bem mais fácil a partir da ins­tru­men­ta­li­zação da men­tira e do pre­con­ceito, do que através do de­bate in­te­lec­tu­al­mente sério, mesmo que a partir de op­ções e po­si­ci­o­na­mentos ide­o­ló­gicos dis­tintos ou an­ta­gó­nicos. O an­ti­co­mu­nismo serve também para isso. Para es­tig­ma­tizar, di­mi­nuir, ca­ri­ca­turar e até cri­mi­na­lizar o pen­sa­mento dos co­mu­nistas. O pre­con­ceito an­ti­co­mu­nista é, te­nhamos cons­ci­ência, uma for­tís­sima arma...do ca­pital.

Vem isto a pro­pó­sito do ar­tigo de João Duque pu­bli­cado esta se­mana no ca­derno eco­nó­mico do jornal Ex­presso. Sob o tí­tulo «Um “corte de ca­belo” à co­mu­nista» este ilustre se­nhor con­testa o facto de, na pro­posta do PCP para a re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica, se deixar de fora (e bem) os pe­quenos afor­ra­dores e de se apontar para que o ser­viço da dí­vida (juros a pagar) es­tejam in­de­xados a um valor das ex­por­ta­ções do País. João Duque atirou-se à pro­posta sem qual­quer ar­gu­mento de na­tu­reza eco­nó­mica, téc­nica, ci­en­tí­fica, sem qual­quer con­tra­ponto ra­ci­onal ou ob­jec­tivo. Li­mitou-se a vo­mitar uma nar­ra­tiva parva e fé­tida, car­re­gada de pre­con­ceitos na es­pe­rança, digo eu, que o leitor – do Ex­presso – só de ouvir a pa­lavra co­mu­nista se de­mi­tisse de pensar.

João Duque o pro­fessor ca­te­drá­tico, o doutor de fi­nanças, o pre­si­dente do ISEG (uma das prin­ci­pais es­colas do País) onde, se­gundo o pró­prio se «en­sina a pensar». João Duque o cro­nista do Ex­presso, o co­men­tador da SIC, o ar­ti­cu­lista do Diário Eco­nó­mico, a voz «au­to­ri­zada» que nos fala dos juros e da dí­vida, das ine­vi­ta­bi­li­dades e dos sa­cri­fí­cios, do Es­tado gordo, do povo que vive para lá das pos­si­bi­li­dades.

Não vamos aqui ex­plicar as van­ta­gens de um país como o Japão ter a sua dí­vida pú­blica dentro de portas, ou como é que a Ale­manha pagou a sua dí­vida após a II Guerra Mun­dial sem com­pro­meter o seu cres­ci­mento eco­nó­mico. Apenas re­fe­ri­remos que, ao con­trário de João Duque, o PCP olha para a re­a­li­dade, es­tuada-a, in­ter­preta-a, e po­si­ciona-se em função dos in­te­resses dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País. De­pois deste ar­tigo, João Duque le­vará mais uma da­quelas pal­madas nas costas que... ajudam a subir na vida.



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