Sobre o momento histórico

Sérgio Ribeiro

Nas «sessões contínuas» de «comentarismo político», provocadas pelas eleições legislativas, pelos discursos do 10 de Junho, pela formação do governo, pela sua composição e tomada de posse, pela eleição do (que acabou por ser da) presidente da Assembleia da República, entre as coisas ditas e as posições tomadas pelos muitos «artistas» que são «residentes», poucas terão sido as coisas e raríssimas as posições que se aproveitassem, que «benza-as deus».

Image 7929

Por contraste, importa sublinhar que, por e para exemplo, o Partido divulgou documentos e comunicados, ou notas de imprensa, que pouco ou nada divulgados foram fora das vias e dos canais próprios.

Não se quer dizer que não tenha havido, de outras origens, algumas afirmações a merecerem reflexão. Encontram-se, em intervenções de outros, e até nos interstícios de uns arremedos de debate que se multiplicaram, umas luzes de lucidez, uns relampejos de preocupações pertinentes, embora levados na enxurrada verborreica.

No entanto, essas outras posições, que partem de observação atenta e preocupada do que se está a passar, e não são de mero proselitismo, provocam uma funda impressão, ou de desorientação preocupada e/ou de dificuldade de ultrapassarem fronteiras do pensamento adoptado como único e preconceitos.

 

Há mais «saídas de emergência» para o capitalismo

 

Ao longo dos tempos, das décadas de modo de produção capitalista, têm os seus «pensadores» – a sua superstrutura – encontrado «saídas de emergência» que, sem se sair do mesmo «edifício» das relações sociais dominantes, têm permitido a passagem a outras «salas», evitando o pânico naquela em que decorria o «espectáculo» naqueles moldes, embora com atropelos nas mudanças de cenários (com atropelados e dizimados aos milhões, com destruições de guerras em todas as temperaturas e por todas as vias).

Falar de keynesianismo, de adaptações e sínteses neo-clássicas, dos liberalismos e monetarismos, da social-democracia e aparente e ilusória humanização do intrinsecamente desumano, é dar nomes concretos a essas metafóricas «saídas de emergência».

Assim tem o capitalismo sobrevivido e predominado, sempre a praticar uma feroz luta de classes, explorando, praticando terrorismos de vária índole e a diferentes níveis, aproveitando fragilidades e traições. Como quando da afirmação ideologicamente radical de ser o capitalismo o fim da História e sequente abandono desta formulação, e sua substituição pela negação de qualquer ideologia ou a promoção do pragmatismo a ideologia desideologizada.

 

O capitalismo em dificuldades

 

O materialismo histórico explica a evolução das forças produtivas e a crescente contradição do seu carácter socializante, de comunicação universal, solidária temporal e espacialmente, com a manutenção de relações sociais de cariz individualizante, de interesses privados, de grupo, egoísta.

Mas quem não recorre ao materialismo histórico, ou deste foge como «diabo da cruz» (ou vice-versa…), e procura fazer-de-conta que ele não existe, não está a encontrar explicações – e, sobretudo, «saídas» – que mereçam consenso, ao menos por recusa ou omissão de reflexão e debate.

No momento histórico de que se é contemporâneo, o que parece estar a acontecer é que esta explosão financeira no ainda centro sistema/formação social configura novas situações de fricção e de rivalidades inter-imperialistas de muito difícil superação, também ao nível superstrutural.

Para se usar expressão corrente, e bem ilustrativa, «o capitalismo está à rasca». O que se descortina no que se vai vendo, ouvindo e lendo.

 

Nós… nunca sós

 

Por isso mesmo, as referidas afirmações e posições fundadas na observação da realidade, na expectativa das evoluções próximas futuras, reflectidas e preocupadas embora algo desorientadas ou impotentes, mesmo quando arrojadas, são signos sinais.

Lembram, a quem viveu tempos de fascismo, posições de quem, aqui e então, depois de ter tentado, pelo lado de dentro, encontrar saídas para o que a inteligência obrigava a considerar sem futuro, se debatia contra janelas fechadas à procura de uma fresta.

Muitos se perderam ou desistiram, acomodando-se, mas alguns encontraram essa fresta no reconhecimento da, no apoio à, na aliança com os que lutavam, clandestinamente, por outro rumo, resistiam, sem desfalecimentos, certos da vitória.

Ainda que tais reconhecimento, apoio, aliança, não significassem, ou não tivessem de significar, adesão ao que motivava, ideologicamente, a resistência e a luta. 

 

Também, hoje, dizer NÃO… porque SIM!

 

Hoje, depois de 1974 em Portugal e na actual fase global de desmesurada financeirização, o capitalismo, enquanto se serve do Estado, ataca-o cegamente, em nome da «economia de mercado» e rejeita anteriores «receitas» que o salvaram, com adiamento e agudização de contradições.

E se o PCP disse não ao fascismo, resistiu e contra ele lutou, nunca deixou, depois, de lutar e resistir contra o que, no entendimento escorado na leitura da História, não serve os trabalhadores e o povo português, antes o tornam cada vez mais dependente e servil.

Disse não ao Mercado Comum, contra a fortíssima campanha a favor da adesão, e a ter de combater o argumento falacioso de ausência de alternativa (outros povos a tiveram, ou negociaram com assomos de soberania, e melhor que o nosso estão); disse não a Maastrich e à moeda única (sim ao referendo!), contra a fortíssima campanha a favor dos «sins», e a ter de combater o recorrente e falacioso argumento de ausência de alternativa (outros povos a tiveram, ou negociaram com assomos de soberania, e melhor que o nosso estão).

São dois exemplos!

 

Pôr Portugal a produzir

 

Mas vive-se a actualidade. Grave do ponto de vista económico e social.

Na actual relação de forças sociais, com a comunicação social ao serviço da intoxicação, possuída e utilizada pelo poder financeiro contra a informação e o esclarecimento, num faz-de-conta de pluralismo partidário, máscara esburacada de democracia, o PCP está, como sempre, do lado da denúncia e a lutar. Também, escorado na sua base teórica, na informação, no esclarecimento, no debate.

Vive-se uma grave situação económica e social, e que se agrava, em que alguns dizem, hipocritamente, ver uma janela de oportunidades (para intensificar a exploração e a especulação). Assim acontece com todo o peso das opções anteriores, quando poucas foram as vozes que, além do PCP, e com outros fundamentos ou por outras vias, tivessem previsto e prevenido ao que iria levar os caminhos que se trilhavam. Mas vão aparecendo!

Neste momento, não se aceita a continuidade do que provocou a actual situação e a fatalidade da ausência de alternativa. Esta existe. E se alguns, na análise da situação, referindo causas (digamos) técnicas, coincidem com a do PCP, esbarram na falta de perspectiva de luta que é a do partido, e têm dificuldade em encarar a via da mudança real de políticas, da criação de condições para um novo rumo. Por valorização da produção, do trabalho que aproveita os recursos e cria riqueza. Noutro quadro político.

 

Duas dinâmicas interdependentes

 

Colocando a luta política em dois níveis, valoriza-se a frente de luta institucional, em que se insiste nas propostas, que se reforçam e de que se prova a consistência, não obstante a actual relação de força ser claramente desfavorável, sequer à sua consideração, a esse nível. Porque nele não tem tido expressão o que se vive ao nível das massas. Mas é preciso não esquecer que importantes conquistas sociais se conseguiram quando a posição relativa dos dois níveis da luta política tinham configurações algo semelhantes.

Foi depois do 5.º governo provisório, o último de Vasco Gonçalves, e do 25 de Novembro, que muito se avançou na reforma agrária, que se escreveu, aprovou em Assembleia Constituinte (de 250 deputados, eram 30 os do PCP) e promulgou a Constituição da República Portuguesa, que continua a ser um alvo por tanto incomodar – apenas por existir, e não por ser respeitada – os detentores e os servidores do poder financeiro. E assim foi por força da dinâmica de massas!

 

O momento histórico que se vive

 

Os momentos históricos são evidentemente diferentes mas, neste, a ofensiva do capital financeiro tomou tal dimensão, mostrou de forma não escamoteável as consequências do seu poderio e funcionamento, e quer-se sublinhar:

que, no plano interno, há condições objectivas para alargar o debate, porque há quem esteja seriamente preocupado e, como o PCP, não veja saídas dentro das actuais e prosseguidas políticas que reduzem a economia a finanças, ratings, taxas de juro, acumulação de dinheiro-fictício instrumento para apropriação de riqueza real, numa palavra (entre aspas, claro): «mercado»;

que, no plano internacional, a renegociação, quer da dívida quer da participação em União Económica e Monetária (euro e BCE) – com todas as suas consequências –, não interessa apenas a Portugal, é quase questão de sobrevivência nacional de um número crescente de países, desde os que já foram chamados «da coesão» (Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal), aos PIIGS (aqueles mais a Itália), já chega à própria Bélgica e não exclui os ditos anglo-saxónicos, formando uma complexa «periferia» de um «centro» (estendido este aos Estados Unidos, com atenta observação dos ditos BRIC mais, por agora, África do Sul, muito interessados e influentes pela sua força crescente), um «centro» que parece não se entender e cavar rivalidades e antagonismos intra-imperialistas, mas que pode adiantar-se e surpreender, não dando qualquer margem para negociações soberanas.

Cada vivente tem tendência a considerar o seu tempo de vida como histórico (para alguns, até o único tempo histórico…). Nós, os contemporâneos, não somos diferentes. Mas não estaremos enganados!



Mais artigos de: Temas

O plano de desestabilização contra a Síria

As operações contra a Líbia e a Síria têm actores e estratégias comuns. Mas os seus resultados são muito diferentes dado que estes estados não são comparáveis. O jornalista francês Thierry Meyssan analisa o semi-fracasso das forças coloniais e contra-revolucionárias e prevê uma resposta do mundo árabe.

Resistir à <i>lei da selva</i> nas empresas de vigilância

Dulce Barbosa e Jorge Domingos. Dois trabalhadores da área da portaria e vigilância. Dois exemplos que retratam bem a lei da selva que vinga neste sector. Histórias de vida que se cruzam. Trabalhadores que se querem descartáveis. Mas que resistem. Representam uma realidade por muitos desconhecida, um mundo de trabalho onde impera o abuso nas relações laborais, a exploração e o clima de insegurança. O Avante! foi à conversa com eles.

Início de uma nova época de resistência e luta

1941: Hitler invade a URSS onde, nas tropas invasoras, um dos comandantes nazis declara que, por cada alemão morto, serão executados 50 a 100 comunistas.

Nesse ano morrem mais seis presos políticos no Campo de Concentração do Tarrafal e, por sentença do Tribunal Militar Especial, são condenados 14 grevistas acusados do «crime de sublevação».

1941: Ano negro, mas, também, ano de esperança e de luta.

É nesse ano que Soeiro Pereira Gomes publica Esteiros, cuja capa foi desenhada por Álvaro Cunhal; ano que corresponde à fase da reorganização do PCP e que marca, segundo o informe daquele nosso camarada ao III Congresso do PCP, (I Congresso na ilegalidade), «o início duma nova época no movimento operário português, a alvorada dum novo ascenso revolucionário do proletariado, o começo duma nova etapa na luta contra o fascismo. A classe operária tomou finalmente consciência da própria força».