O coro dos vencidos

Jorge Cordeiro

Sem novidade, nem surpresa, o acordo para a chamada «maioria para a mudança» junta-se ao coro dos que, inconformados com Abril, elegem a Constituição da República como alvo a abater. Estorvo permanente aos que ao longo dos anos têm tentado impor uma agenda de destruição de direitos, de liquidação de conquistas sociais e de coerciva concentração e centralização do poder económico, a subversão do texto constitucional emerge agora como primeira aspiração dos que projectam, de braço dado com os interesses estrangeiros, a definitiva submissão e venda do país. Um coro de inconformados a que – somando aos inúmeros e independentissímos analistas e comentadores, recauchutados banqueiros ou reles especuladores bolsistas apresentados como empreendedores de sucesso que lhe dão voz – se juntou, no que supostamente deveria ser o dia de Portugal, António Barreto.

Para Barreto a Constituição é «barroca, retrógrada e anacrónica».

Dir-se-á que também nesta matéria não haverá grande novidade nem surpresa. Feitor de interesses dos grandes agrários na espoliação arbitrária e inconstitucional da terra a quem a trabalhava, Barreto é desde sempre, como o testemunha a sua passagem enquanto ministro da Agricultura dos governos de Mário Soares, um inconformado com a Revolução de Abril e com o regime de liberdade, progresso social e democracia económica a que abriu portas. Barreto tem destas coisas: por detrás daquele ar de intelectual que alguém um dia lhe insinuou que teria para afago do ego, emerge sempre aquela tonalidade tingida de uma boçalidade política por onde se esvai a artificiosa erudição quando lhe vem ao nariz o aroma de Abril, da democracia e da liberdade; por detrás daquele ar grave e sério inerente ao papel de quem se sente investido na qualidade de presidente da Comissão das Comemorações do 10 de Junho, emerge, mal abre a boca, aquela outra condição, a que verdadeiramente assume, de presidente da Fundação de um dos maiores grupos económicos. Uma confusão de papéis apadrinhada pelo Presidente da República, que não é mais do que expressão daquela promíscua relação entre poder económico e político que o poder dominante, governantes ao seu serviço e ilustres reprodutores dos seus interesses aspiram consagrar como lei fundamental.



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