Creches ilegais

Margarida Botelho

A SIC trans­mitiu há dias uma re­por­tagem cho­cante sobre maus-tratos a cri­anças por parte de uma ama ilegal em Lisboa.

A re­por­tagem, ba­seada em ima­gens gra­vadas pelo te­le­móvel do vi­zinho da frente e por uma câ­mara oculta da SIC, gerou na­tural in­dig­nação e uma dis­cussão mais ou menos aca­dé­mica sobre a le­gi­ti­mi­dade da di­vul­gação deste tipo de ima­gens.

A ge­ne­ra­li­dade dos co­men­tá­rios pas­saram no en­tanto à margem da questão es­sen­cial: a razão pela qual os pais destas 14 cri­anças as en­tre­garam aos «cui­dados» desta «ama». Aliás, a co­mu­ni­cação so­cial di­vulgou a pro­pó­sito a in­for­mação de que um terço das cri­anças por­tu­guesas estão em cre­ches ile­gais.

Na raiz desta re­a­li­dade está a evi­dente falta de uma rede pú­blica de cre­ches que res­ponda às ne­ces­si­dades das cri­anças e das suas fa­mí­lias. Estas são de­ma­si­adas vezes con­fron­tadas com di­fi­cul­dades dra­má­ticas para ar­ranjar vaga em ins­ti­tui­ções com men­sa­li­dades que os or­ça­mentos fa­mi­li­ares com­portem, perto de casa ou do em­prego dos pais. Em tempos em que se choram lá­grimas de cro­co­dilo pela baixa taxa de na­ta­li­dade dos por­tu­gueses, seria justo re­co­nhecer igual­mente que ter onde deixar as cri­anças em con­di­ções de se­gu­rança e em lo­cais pe­da­go­gi­ca­mente ade­quados seria um im­por­tante con­tri­buto para que mais ca­sais de­ci­dissem ter mais fi­lhos.

A ama ilegal da re­por­tagem da SIC afir­mava ainda, pro­mo­vendo os seus ser­viços, que os pais po­diam deixar as cri­anças das 10 às 3 da manhã na «creche». E isto le­vanta outra questão, brutal: os efeitos nas cri­anças, nas suas con­di­ções de vida, na saúde e no seu de­sen­vol­vi­mento in­te­gral, da des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho do seu agre­gado fa­mi­liar e do au­mento dos ní­veis de ex­plo­ração a que os tra­ba­lha­dores estão su­jeitos.

As me­didas que o acordo da troika es­tran­geira com a troika por­tu­guesa prevê na área dos di­reitos la­bo­rais e das con­di­ções de vida em geral das fa­mí­lias, a serem apli­cadas, só ser­vi­riam para em­purrar ainda mais cri­anças para si­tu­a­ções de po­breza, risco e ex­clusão. Também pelo seu pre­sente e pelo seu fu­turo, é cada vez mais pre­mente a luta contra este ca­minho.



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