Viva a Comuna!

«Foi nesse dia 18 de Março que os proletários de Paris compreenderam que era “seu dever supremo e seu direito absoluto tornarem-se senhores do seu próprio destino e tomarem o poder”»

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 Dezenas de milhares de communards foram executados pelas tropas de Versalhes

Na introdução de A Guerra Civil em França, Engels salienta que após a capitulação de Paris perante a Prússia, em Fevereiro de 1871, a única força a manter as armas foi a Guarda Nacional, colocando-se «apenas em situação de armistício perante os vencedores. E mesmo estes não ousaram fazer em Paris uma entrada triunfal. Tal era o respeito que infundiam os operários parisienses ao exército diante do qual tinham deposto as armas todos os exércitos do Império [francês]».

É neste contexto que se constitui um parlamento dominado pelos monárquicos, que entrega o governo a Louis-Adolphe Thiers, conhecido por ter esmagado o levantamento popular durante a revolução de 1848.

O «gnomo monstruoso», como lhe chamou Marx, apressou-se a assinar o armistício com a Prússia, traindo o povo francês ao aceitar de Bismarck o desarmamento do exército, a cedência da Alsácia-Lorena e o pagamento de cinco mil milhões de francos de indemnização.

Alguém tinha de arcar com a factura, e Thiers decidiu que seriam os trabalhadores e a pequena burguesia, agravando muitíssimo as condições de vida da classe operária, dos artesãos e comerciantes, e do campesinato.

Por outro lado, Thiers tentou aplacar a resistência da Guarda Nacional, mas o proletariado que a constituía impediu essa intenção e formou um comité central. «Paris era o único obstáculo no caminho da conspiração contra-revolucionária», observam Marx e Engels, por isso, o governo burguês lançou na cidade as hordas bonapartistas, e foi nesse dia 18 de Março que os proletários de Paris compreenderam que era «seu dever supremo e seu direito absoluto tornarem-se senhores do seu próprio destino e tomarem o poder», como sublinhava o texto do comité central. «Paris ergueu-se como um homem só», lembrou Engels.

 

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 Communards em armas defendem o Estado proletário nas barricadas

72 dias de justiça e progresso

 

A 19 de Março, o comité central da Guarda Nacional agenda eleições para daí a três dias, corta os salários dos funcionários do Estado e aplica o pecúlio no combate à miséria das massas. O sufrágio só se viria a realizar a 26 de Março em virtude da resistência do funcionalismo burocrático burguês, mas dele resultou uma maioria revolucionária no Conselho da Comuna. A 28 de Março é proclamada a Comuna, e na cidade ouviu-se um «grito de júbilo, uma adesão tão unânime» que «ninguém que tenha participado nesta festa a poderá alguma vez esquecer, mesmo que vivesse séculos», descreve o communard Arthur Arnould em A História Popular da Comuna de Paris.

O soberano é o povo e o novo parlamento actua simultaneamente como um corpo legislativo e executivo: extingue-se o exército e a polícia burguesas e em seu lugar fica o povo armado; o funcionalismo, bem como os juízes e os membros da Comuna vêem os seus salários equiparados aos de um operário qualificado e os respectivos cargos revogáveis a qualquer momento; as casas inabitadas foram confiscadas e entregues aos desabrigados, e as rendas devidas durante o cerco de Paris são anuladas, bem como suspensas são as vendas dos penhores no montepio municipal e as casas de penhores que «roubavam» os instrumentos de trabalho aos operários; é concedido o direito de voto a todos os homens, e aos estrangeiros são reconhecidos direitos, pois como se dizia «a bandeira da Comuna é a República mundial»; é instituído o ensino obrigatório e a sua gratuitidade; museus, parques e teatros são abertos para usufruto do povo; separa-se o Estado da Igreja, são abolidos todos os pagamentos para fins religiosos e nacionalizada a propriedade eclesiástica; o patronato foi proibido de descontar os salários dos operários, e nas fábricas abandonadas funcionam associações cooperativas; o trabalho nocturno dos padeiros foi abolido e a polícia deixou de deter o monopólio do serviço de empregos, forma de extorsão dos trabalhadores; é reconhecido o direito à protecção social no desemprego e pago um subsídio; às mulheres e filhos dos communards mortos pelas tropas de Versalhes nas batalhas e fuzilamentos massivos daqueles dias foi concedida uma pensão; a infame guilhotina foi queimada, e a coluna que Napoleão havia mandado erguer com canhões capturados na guerra de 1809, símbolo do chauvinismo e do ódio entre os povos, foi destruída.

«Evidenciou-se, assim, a partir de 18 de Março, o carácter de classe, incisivo e puro, do movimento parisiense», afirma ainda Engels. «Com a Comuna de Paris, a luta da classe operária com os capitalistas e o seu Estado entrou numa nova fase. Corra a coisa como correr no imediato, está ganho um novo ponto de partida de importância histórico-mundial», considerava Marx em Carta a L. Kulgemann, datada de Abril de 1871.

 

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A destruição do monumento chauvinista e de celebração do ódio entre os povos que Napoleão havia erguido após as guerras de 1809 foi um momento alto da Comuna

Reacção sangrenta

 

Confirmando o que Marx e Engels escreveram anos antes no Manifesto, o proletariado valia-se «do seu domínio político para ir arrancando gradualmente da burguesia todo o capital, para concentrar todos os instrumentos de produção em mãos do proletariado organizado como classe dominante».

A reacção não podia aceitar tamanha ousadia, e prosseguindo a infame aliança, Thiers e Bismarck concluem adiar a primeira prestação da indemnização de guerra devida pela França e o regresso dos 100 mil soldados bonapartistas detidos. Unida a burguesia alemã e francesa, a Comuna lutava pela sobrevivência.

Percebendo a importância da aliança operário-camponesa, são enviadas mensagens ao campesinato dos arredores da cidade. Em Marselha, Lyon, Saint-Etiene, Dijon ou Toulouse, entre outras cidades, revoltas populares procuram instituir comunas e sair em defesa de Paris, então cercada por um anel repartido pelos rapaces prussianos e as tropas de Versalhes.

Thiers ganha a supremacia militar com a chegada da soldadesca bonapartista presa na Prússia, e, a 2 de Abril de 1871, as tropas de Versalhes conquistam uma passagem sobre o rio Sena, iniciando os bombardeamentos contínuos sobre Paris, isto é, fazendo o que haviam qualificado de «sacrilégio» quando feito pelos prussianos, como salientaram Marx e Engels.

A Comuna de Paris defendia-se com unhas e dentes sem exaustão, mas a 21 de Maio as tropas de Versalhes entram na cidade, na qual o embaixador norte-americano, Elihu Washburne, conspirava para a derrota da Comuna, levando o conselho revolucionário a esperar durante dois dias por uma trégua que nunca veio da Prússia.

A 23 de Maio, o exército de Versalhes avança com uma força mil vezes superior sobre os communards, dando início à carnificina. Cada barricada caída antecedia um banho de sangue nos bairros conquistados pela burguesia. Mulheres e crianças não escaparam. «A vida de um cidadão não vale um pataco», dirá Prosper-Olivier Lissagary em A História da Comuna de 1871.

A 25 de Maio restam dois bairros resistentes, e a 27 de Maio, enquanto o restante contingente se ocupava dos fuzilamentos massivos, os militares às ordens da reacção cercam os últimos communards no cemitério de Pere-Lachaise. No dia seguinte cessam os combates, a Comuna é destituída, mas as execuções prosseguem.

«Havia tantas vítimas que os soldados cansados tinham de encostar as carabinas aos condenados», relata Lissagaray. 30 mil parisienses foram assassinados. Dezenas de milhares são presos e posteriormente executados. Outros tantos são deportados para as possessões ultramarinas francesas, condenados a trabalhos forçados e ao degredo.

«Agora acabou-se com o socialismo por muito tempo», proclamou, segundo Lénine em À Memória da Comuna, o anão Thiers. Meses depois da derrota da Comuna, a burguesia prossegue a sua sanha perseguidora e festeja triunfante.

Em fuga para Bruxelas, o communard Eugene Pottier escreve A Internacional.

 

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  o proletariado é revolucionário até ao fim, como se provou na resistência à reacção

Um projecto de futuro

 

Em O Estado e a Revolução, Lénine aponta a fraca organização «das massas laboriosas exploradas para um novo regime económico», e a débil aliança social básica com o campesinato como factores para a derrota da Comuna.

«Na sociedade actual, o proletariado, economicamente escravizado pelo capital, não pode dominar politicamente se não quebrar as suas cadeias, que o prendem ao capital», diz ainda Lénine, precisando que «é por isso que o movimento da Comuna tinha inevitavelmente de (...) começar a visar o derrubamento do domínio da burguesia, do domínio do capital, a destruição das próprias bases do regime social actual».

Já Marx e Engels haviam notado que «o mais difícil de compreender é, no entanto, o respeito sagrado com que se parou frente aos portões do Banco de França. O Banco nas mãos da comuna teria tido muito mais valor que dez mil reféns. Significava a pressão de toda a burguesia francesa sobre o governo de Versalhes no interesse da paz com a Comuna».

Com efeito, os communards deixaram-se iludir com a neutralidade da burguesia a troco de manter intacto o Banco de França. Este pôs à disposição dos revolucionários menos de sete por cento dos fundos doados aos contra-revolucionários durante o período da Comuna.

Mas para além disto, os communards também se recusaram, nos primeiros dias da Comuna, a marchar sobre Versalhes; «escrúpulos de consciência», observou Marx em Carta a Kugelmann, que a burguesia, por seu lado, não teve na hora de esmagar os explorados em luta pela emancipação.

A este respeito, os communards também não estavam preparados para colocar em prática um importante ensinamento que Engels expressa em Revolução e Contra-revolução na Alemanha. «Uma vez começada a insurreição – alerta – tem-se de agir com a maior decisão e passar à ofensiva. A defensiva é a morte de toda a insurreição armada. Tem-se de surpreender o adversário enquanto as suas forças estejam dispersas; tem-se de conseguir novos êxitos, embora pequenos, porém diários; tem-se de obrigar o inimigo a retroceder, antes que possa reunir forças».

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Na Câmara Municipal de Paris foi proclamada a Comuna

Mas pesem as insuficiências «a Comuna conseguiu tomar algumas medidas que caracterizavam suficientemente o seu verdadeiro sentido e objectivos», medidas que «mostravam com bastante clareza que a Comuna constituía um perigo mortal para o velho mundo, assente na escravidão e na exploração», salienta Lénine, para quem «o troar dos canhões de Paris despertou do seu sono profundo as camadas mais atrasadas do proletariado e deu por toda a parte um impulso à intensificação da propaganda revolucionária socialista».

Não é menos verdade que a Comuna, pela iniciativa prática das massas, valeu mais do que «centenas de programas e declarações», afirma também, permitindo à classe operária experimentar-se na batalha final, perceber as tarefas com que se confronta para que a revolução proletária triunfe quebrando a resistência violenta da burguesia, anotar as insuficiências das doutrinas socialistas e do reformismo social.

A Comuna conserva aguda actualidade. E ainda que Marx tenha advertido o operariado de Paris, no Outono de 1870, para o desespero que poderia significar, naquele momento, uma insurreição contra a burguesia, uma vez iniciado o confronto não se limitou a segui-lo com entusiasmo, mas apoiou a Comuna por todos os meios que pode. É que como disse em Carta a Kugelmann, escrita ainda a bandeira vermelha ondulava sobre Paris, «a história mundial seria muito fácil de fazer se a luta fosse empreendida apenas nas condições de probabilidades infinitamente favoráveis».

Colhendo preciosos ensinamentos da Comuna, Marx e Engels também concluíram, no prefácio à edição alemã de 1872 do Manifesto, que «a classe operária não pode simplesmente tomar posse da máquina de Estado [que encontra] montada e pô-la em movimento para os seus objectivos próprios».

Mais tarde, no vigésimo aniversário da Comuna de Paris, Engels escreverá, na edição de 1891 de A Guerra Civil Em França: «Olhai a Comuna de Paris! Eis a ditadura do proletariado».

Como notou Aurélio Santos numa feliz conclusão sobre a iniciativa pelos communards em artigo escrito para O Militante a propósito dos 130 anos da Comuna, «a derrota da Comuna é a de uma mãe que morre, pagando o tributo de dar à luz um filho forte, que lhe vai suceder na luta».

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A burguesia arrasou a sede do Conselho da Comuna, a Câmara Municipal de Paris,fazendo o que antes havia considerado um sacrilégio levado a cabo pelos prussianos

 




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