Passos, Sócrates e Merkel
Estou! Estou! Viva chanceler Merkel, fala Pedro Passos Coelho... O eng.º Sócrates pediu ontem a demissão. Esperar? Não era possível, eu quero ser primeiro-ministro e os barões do partido estão ansiosos pelo poder, temos que pagar a quem nos apoia, dar-lhe um quinhão de poder... Capacidade? Não se preocupe, fui durante muitos anos presidente da JSD, preparei-me para lidar com o poder... Propostas? Vou aumentar o IVA e, provavelmente, o IRS, vou privatizar todas as empresas que ainda são públicas. Vamos utilizar velhos conceitos sobre uma nova capa, utilizaremos o «direito de escolha» para avançar com a privatização da saúde e da educação... E o que vai fazer com os trabalhadores? Salários, pensões...? Queremos liberalizar os despedimentos, reduzir ou acabar com as indemnizações, reduzir os subsídios de desemprego, obrigar essa gente a trabalhar, aproveitar isto do congelamento de salários e pensões para os manter assim por muito tempo...
Aqui na Alemanha simpatizamos com o eng.º Sócrates, é preciso ter convicções para fazer o que ele tem feito, foi um acérrimo e fiel defensor dos nossos interesses, em Portugal e na UE… Não compreendo o que quer dizer, chanceler!? Pense bem e aprenda: ele utilizou a vossa comunicação social... e os vossos sindicatos (UGT) para limitar a influência social dos comunistas e dos sindicatos (os de classe). Conhecemos bem as ideias dos comunistas, a sua força e determinação na mobilização da populaça. Aviso-o, não podem ser complacentes nos meios para impedir o seu crescimento, preparem bem a campanha, na actual situação a acção dos comunistas pode ser perigosa.
Conte comigo para combater os comunistas, chanceler, estou de acordo consigo, eles continuam a ser o nosso adversário mais consequente, a sua ideologia continua temível.
Conhece as nossas ideias? São interessantes as suas ideias «reformistas», convergem bastante com as ideias que defendemos na condução da UE. Ainda há pouco tive uma reunião com os nossos amigos aqui na Alemanha (o grande capital alemão), com quem sempre coordenamos as nossas propostas e decisões. Falámos sobre Portugal e sobre a UE... A sua satisfação era evidente. Já sabemos que as suas exigências não terminam nunca, querem sempre mais, é da natureza...
Em relação à política externa, tenha juízo, Pedro, nós apreciamos bastante a cooperação do Governo português com os nossos aliados no Conselho de Segurança da ONU, apoiando o ataque à Líbia. A indústria de armamento está satisfeita, vamos criar na Líbia um «poder novo», mais favorável... Khadafi já não serve, necessitamos de condições mais vantajosas para continuar a extrair petróleo e gás natural. A situação na região é instável, existem demasiadas revoltas... Necessitamos manter bem viva essa ideia de que tudo foi e será feito em defesa dos direitos humanos e da democracia... Sim, sim, isso é boa ideia.
Desculpe, Pedro, vou ter que desligar, tenho o eng.º Sócrates noutra linha. O eng.º. Sócrates? Não podemos deixar de ter em conta diferentes cenários, não é seguro que o seu partido venha a ganhar as eleições ou que as ganhe com maioria absoluta. Atente bem nas palavras sábias do prof. Cavaco: «É fundamental que as eleições permitam um compromisso estratégico de médio prazo, que resulte de um alargado consenso político». Até breve.
Estou! Sim, fala José Sócrates! Como vai eng.º Sócrates? Vou fazendo pela vida, não sou do tipo de vender barata uma derrota. Como vai a campanha? Estamos a explorar o filão da vitimização... Passos Coelho parece querer ajudar nesse sentido... E o que pensa das palavras do prof. Cavaco? Tem razão naquilo que diz mas não poderei deixar de o criticar... Faz parte das alterações tácticas em relação ao discurso anterior, nada que a deva preocupar, mantemo-nos fiéis à mesma política... Não se admire se lhe chegarem ecos de algumas palavras associadas à esquerda, a situação exige-as. Porquê? Para recorrermos ao apelo do voto útil, ameaçando com a chegada da direita para impedir a ascensão dos comunistas... Cuidaram das propostas? Continuamos a defender aquela que seria a receita do FMI, mas sem FMI. A campanha e as eleições podem gerar uma perspectiva diferente... Veremos. Sobre a UE, já sabe que não tem com que se preocupar. No governo ou na oposição, conta com a nossa colaboração de sempre...
A ficção e a realidade são neste caso indistintas. O que não é indistinto será o resultado das eleições de 5 de Junho e as suas consequências para todos nós.