Mudanças reais têm de ser conquistadas a pulso
A força do povo e sua convicção são factores essenciais para a mudança
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O nosso debate realiza-se num momento especialmente delicado e importante da situação económica, social e política em Portugal. Um momento demonstrativo do quão fundas e negativas podem ser as consequências de duas expressões simultâneas (nacional e supranacional) de uma mesma linha e opção política e ideológica: o capitalismo e a sua expressão actual na Europa consubstanciada no projecto de União Europeia, por um lado, e três décadas de contra-revolução e de restauração monopolista em Portugal, por outro.
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No nosso País vivemos há muito uma situação de prolongada crise económica e social que assume contornos hoje também de crise política. Uma crise económica e social que se intensificou de forma mais dramática com a adesão de Portugal à União Económica e Monetária. Esta semana foi anunciada a auto demissão do governo português que viu recusado no Parlamento o apoio a um novo programa de austeridade – o quarto no espaço de ano – decorrente de compromissos assumidos que se enquadram já nas novas orientações da «governação económica» e do «Pacto para o Euro». Uma demissão que não está desligada do agudizar das contradições na frente dos partidos que têm sido suporte à concretização no País das políticas de direita dominantes na Europa e que estão na origem da grave crise que enfrentamos, mas também uma demissão determinada pela luta que no interior do bloco da política de direita (PS e PSD) se trava pelo domínio hegemónico do poder.
Não se trata, portanto, de uma crise aberta em resultado do confronto de políticas alternativas ou de procura de efectivas soluções para a crise que o País enfrenta, mas no domínio do mero jogo da alternância sem alternativa, num quadro de um crescente isolamento social e político do executante governamental de serviço que a luta social e de massas tem vindo a determinar. Debilitado por anos consecutivos de políticas de direita, de recuperação capitalista, Portugal é bem exemplo das consequências da aplicação das políticas monetaristas e da prioridade dada ao cumprimento dos irracionais critérios do Pacto de Estabilidade e do conjunto da orientações que enformam a União Económica e Monetária, nomeadamente as do Banco Central Europeu.
A política do Euro forte significou logo à partida uma significativa perda da competitividade das nossas exportações que se estima em cerca de 20 por cento. Com a mudança qualitativa operada no enquadramento comunitário que impôs a Portugal graves limitações da sua soberania na política económica, orçamental e monetária, o País ficou crescentemente manietado na definição de políticas de defesa e promoção das actividades produtivas nacionais, elas próprias já secundarizadas por opções de política interna de favorecimento e restauração do capital monopolista e de consolidação do seu domínio dos sectores básicos e estratégicos da economia do País. Com a adesão à moeda única, a viragem operada, concretizada por parte de sucessivos governos nacionais, passou a conformar um quadro de políticas contrárias ao desenvolvimento económico, à criação de emprego e ao combate às injustiças sociais, e, da mesma forma, favoráveis à concentração e acumulação capitalistas, ao ataque às funções do Estado e aos serviços públicos, à liquidação de capacidade produtiva e agravamento da exploração e à soberania económica. Os seus reflexos na vida do País não se fizeram esperar. Portugal viu agravados todos os seus problemas e assistiu ao acumular dos seus défices crónicos e estruturais. O processo de desindustrialização ganhou um novo ritmo e a amputação do aparelho produtivo e da produção nacional ganhou uma nova dimensão.
Portugal vê o peso dos seus sectores eminentemente produtivos – agricultura, pescas e indústria – substancialmente reduzidos, nomeadamente a favor do sector das actividades financeiras e imobiliárias que, em meados da última década, superavam já o peso da indústria na produção nacional. A defesa da soberania alimentar desce para um perigoso patamar de segurança com uma nova regressão operada na produção agrícola e pesqueira.
Uma década de estagnação
A década que findou e que coincide com os primeiros anos de permanência na UEM foi atravessada por uma persistente situação de estagnação económica com taxas médias de crescimento anual de 0,4 por cento, enquanto a taxa de desemprego duplicava fixando-se no último trimestre de 2010 em 11,1 por cento. Como resultado desta destruição dos sectores produtivos, o nosso défice da balança de mercadorias situa-se hoje nos dez por cento do PIB. Em resultado desta evolução o País assistiu ao aumento exponencial da sua dívida externa. Uma evolução altamente preocupante, já que o endividamento externo líquido, em percentagem do PIB, saltou de cerca de 32 para cerca de 107 por cento, entre 1999 e 2010.
São hoje bem visíveis e preocupantes no nosso País as consequências das políticas que promoveram a desregulamentação financeira e a economia de casino, as privatizações, a liberalização dos mercados, em detrimento da produção real e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos. Portugal é hoje um país a divergir da média da União Europeia, com mais profundas assimetrias sociais e regionais.
Sob a batuta da ditadura do défice, das orientações da falhada Estratégia de Lisboa e de uma política nacional que assumiu como seus os dogmas neoliberais dominantes na União Europeia, estes anos ficaram igualmente marcados pelo desenvolvimento de uma ofensiva violenta e global contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores e aos rendimentos do trabalho e que conduziu à degradação das condições de vida de largas massas. Em nome do combate ao défice e da aplicação dos critérios Pacto de Estabilidade e Crescimento deram-se também passos, como antes não se não tinham dado, no ataque ao direito dos portugueses à saúde, à Segurança Social e à educação e cultura. O Sistema Público de Ensino, a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde sofreram nestes últimos anos uma das maiores ofensivas de sempre.
É este o quadro breve de uma evolução que põe a nu a inadequação e a incapacidade das políticas nacionais e comunitárias para responder aos problemas do desenvolvimento e do bem-estar dos povos. Incapacidade que se revelou de forma ainda mais evidente nestes anos marcados pela crise do capitalismo e pelas guerras especulativas contra o Euro cujos reflexos foram direccionados para um conjunto de países, como Portugal, atirando-os para o centro da arena das batalhas monetárias inter-imperialistas fazendo-os pagar com a vida económica a política do Euro forte.
A opção dos centros de decisão do grande capital e do directório das grandes potências é clara: impor até ao limite, e para lá do limite, condições severas associadas à moeda única e às políticas de centralização e concentração de capital que atingem o conjunto dos povos dos países da União Europeia e de forma particularmente grave os povos e países da chamada «periferia». É esta a opção que está na origem das brutais operações de chantagem e extorsão atribuídas ao estafado conceito do «funcionamento dos mercados» e é esta opção que está na origem dos severos programas de austeridade.
Toda a evolução mostra que tínhamos razão sobre a insustentabilidade e as nefastas consequências do Euro. Consequências hoje ainda mais trágicas quando se vê Portugal a ser presa fácil dos ataques especulativos e dos mecanismos de extorsão de recursos nacionais por via do crescente endividamento externo que esta desastrosa política de integração europeia também provoca e avoluma. Perante o agravamento do nível de ameaça que paira sobre o País, muitos avisados e até insuspeitos portugueses têm colocado a necessidade de reflectir sobre a manutenção do país na UEM.
Austeridade não é resposta à crise
Para nós o debate não é um tabu. Trata-se de um problema que precisa de aprofundamento e reflexão. Uma reflexão própria e também conjunta com outros países que se encontram nas mesmas condições, nomeadamente e em primeiro lugar com o objectivo de discutir a criação de condições para a eliminação de todos e quaisquer riscos de penalização ou prejuízos económicos para os países que entendam que a sua manutenção na União Económica e Monetária se torna incomportável. Mas, independentemente da celeridade desse necessário debate, duma coisa temos a certeza: a resposta à crise e a solução dos problemas do desenvolvimento do País e da União Europeia não podem passar, nem passam, pela imposição de medidas de austeridade que se renovam, sem fim à vista, numa espiral de endividamento, nem pelas soluções que deixam mão livre à agiotagem financeira e aos interesses do grande capital, nem tão pouco pelo recurso a um fundo com as velhas imposições draconianas do FMI que o ainda ministro das Finanças reconheceu nesta última terça-feira e que outros há muito, como o PSD, assumiram.
A ruptura com as políticas dominantes da direita em Portugal e com os eixos fundamentais do processo de integração capitalista europeu são a resposta necessária e tornaram-se num imperativo nacional para assegurar uma vida melhor para os portugueses e, é nossa convicção, para outros povos da Europa.
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O povo português não está condenado a um presente e futuro de dependência e submissão face aos interesses do grande capital e das grandes potências. É possível a abertura de novos caminhos de desenvolvimento económico e social que, assentes numa verdadeira concepção de desenvolvimento da produção nacional e de intensificação e diversificação das relações económicas do País, garantam aos trabalhadores e ao povo português o direito ao seu desenvolvimento, à dignidade e à justiça social. Mas, como a realidade o demonstra e a História o comprova, tais soluções, contrárias ao interesse do capital e favoráveis aos trabalhadores e aos povos, não nos vão ser dadas de mão beijada. Têm de ser conquistadas a pulso, seja aqui em Portugal seja em qualquer outro país da Europa e do Mundo.
Em Portugal o PCP, ciente das suas responsabilidades numa situação tão complexa e difícil, sabe que só por via do aprofundamento da participação dos trabalhadores e do povo português na definição dos destinos do nosso País, que só por via de uma real tomada de consciência política de que é no povo que reside o poder de transformar é que se poderão operar reais mudanças na nossa situação nacional. A força do povo e sua convicção de que não tem que ficar tudo na mesma são factores essenciais para a mudança e para a construção da alternativa, assim como é o alargamento da luta dos trabalhadores e do povo e o seu apoio um governo capaz de, no plano institucional, levar a cabo uma real mudança na política nacional.
Uma mudança que para nós é inseparável da luta por uma democracia avançada para Portugal nas suas diversas vertentes e se integra na luta mais vasta por uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos e no objectivo deste Partido Comunista Português que tem sempre presente no horizonte da sua luta a perspectiva da construção do socialismo.