Debate «Alternativas à crise na União Europeia»

Três décadas e meia de recuperação capitalista

Durante o debate promovido pelo PCP e GUE/NGL, vários intervenientes debruçaram-se sobre o rumo neoliberal seguido nas últimas três décadas e meia em Portugal, que permitiu a restauração do capital monopolista, destruindo pelo caminho o aparelho produtivo, as pescas e a agricultura.

A lógica da integração capitalista é o saque dos países menos desenvolvidos

Um dos momentos-chave da contra-revolução em Portugal foi sem dúvida o processo de privatizações dos sectores estratégicos, conduzido no essencial a partir da segunda metade dos anos 90.

Como lembrou no debate José Alberto Lourenço, membro da Comissão para os Assuntos Económicos junto do CC (CAE), «este esbulho do património público» foi na altura justificado com «mentiras sistemáticas e mistificações persistentes». Dizia-se, então, que o Estado poderia afastar-se de empresas, onde a sua presença já não seria necessária, para «dedicar mais recursos à saúde, à educação e à segurança».

Outro argumento igualmente desmentido pela realidade, e por isso hoje caído em desuso, afirmava que a privatização poria fim aos monopólios e criaria mais concorrência. O que aconteceu, de facto, foi o contrário: «substituíram-se monopólios públicos dirigidos e regulados pelo Estado pela vontade majestática de monopólios privados!». Exemplos não faltam de preços, tarifas e comissões, na energia, comunicações, transportes e serviços financeiros, que são muito mais elevados em Portugal do que noutros países da UE.

Muito propagandeado foi também o objectivo de que as privatizações permitiriam reduzir a dívida pública. O mesmo orador explica o que se passou: «Quando as privatizações se iniciaram formalmente em 1989, a dívida bruta do Estado representava 54,3 por cento do nosso PIB, hoje representa 82,3 por cento. Isto é, 22 anos depois do início das privatizações, depois de se ter arrecadado 36 mil milhões de euros, a dívida pública quase duplicou em relação a 1989.»

O resultado foi, portanto, o inverso, o que não se estranhará se considerarmos que só entre 2004 e 2007 os grandes grupos económicos constituídos na base das privatizações arrecadaram em lucros líquidos cerca de 27 mil milhões de euros, ou seja, em apenas seis anos, embolsaram um valor real aproximado ao que o Estado recebeu pela privatização.

Mas ainda mais grave, notou José Alberto Lourenço, é o facto de cerca de metade do capital accionistas da Galp, PT, EDP, BCP, BES, Santander Totta, BPI e BRISA estar nas mãos de estrangeiros, que, naturalmente, repatriam os dividendos que auferem.

Assim, verifica-se que as privatizações não só retiraram ao Estado uma importantíssima fonte de receitas mas também caucionaram a permanente sangria de capitais (estimados em 20 mil milhões de euro por ano!) que, em vez de serem reinvestidos na economia, saem do País como rendimentos pagos ao exterior.

 

Soberania condicionada

 

A crescente dependência de Portugal e o condicionamento cada vez mais apertado da sua soberania resultam em grande parte da sua integração na União Europeia. Como salientou no debate Fernando Sequeira, membro do CAE, a lógica da integração capitalista é «o aumento da acumulação e concentração de capital dos grande conglomerado de empresas, dos monopólios dos países mais ricos e desenvolvidos que não só engordam à custa do saque do Terceiro Mundo, como também dos países menos desenvolvidos da UE».

Tal é igualmente a lógica do euro, cuja existência de pouco mais de uma década «está condenada», disse Sérgio Ribeiro, que considerou ser «urgente» uma «negociação firme ao nível da UEM, sem se excluir a saída negociada de Estados, de forma a permitir a recuperação de instrumentos de soberania, económica, monetária e orçamental».

Já antes, Octávio Teixeira tinha sublinhado que «é indiscutível, e está estudado, que a integração na moeda única afectou negativamente o nosso crescimento económico, contribuiu para o agravamento dos nossos défices externos e para a explosão do endividamento do País face ao exterior».

 

A natureza e o carácter da crise

 

Na intervenção que trouxe para o debate em Lisboa, Guiorgos Toussas, membro do CC do Partido Comunista da Grécia e deputado no PE, salientou que «a verdadeira causa da crise é a agudização do conflito de raiz do capitalismo, do conflito entre a natureza social da produção e a apropriação privada dos seus resultados, visto que os meios de produção são de propriedade capitalista».

Partindo desta definição, Toussas considerou que «as afirmações de que a crise é apenas o resultado de uma política de gestão neoliberal escondem a verdade, absolvem o capitalismo das suas responsabilidades e desculpam a social-democracia». O mesmo se passa com a «caracterização da crise como financeira e com as teorias sobre o capitalismo de “casino”». As crises do capitalismo «podem a aparecer no sistema financeiro, mas baseiam-se sempre na sobre-acumulação de capital na esfera da produção».

«As reestruturações capitalistas realizadas na sequência da crise de 1973 e alargadas na década de 90 procuraram enfrentar os problemas da reprodução do capital e a desaceleração do desenvolvimento capitalista. Essas reformas responderam às necessidades internas do sistema de uma maior concentração e de um aumento dos lucros do capital através da liberalização dos mercados, da livre circulação de capitais, bens, serviços e força de trabalho. Contudo, também esta gestão perdeu a sua dinâmica e conduziu à crise económica.»

Segundo Toussas, nenhum dos «pactos» «mecanismos» ou «programas de estabilidade» – apesar de representarem «um ataque selvagem e bárbaro do capital contra os direitos e a vida da classe operária, das camadas populares e dos jovens» – irá debelar a crise ou resolver as contradições do sistema capitalista. «Desemprego, pobreza, défices e as contradições entre os estados-membros irão aumentar, com graves consequências para os povos.»

«Perante o impasse da gestão burguesa, o capital monopolista irá tornar-se ainda mais agressivo, predatório e sem escrúpulos, e irá intensificar a exploração da classe operária.»

Esta é de resto o grande objectivo do capital – «transferir a crise para os trabalhadores, de modo a reduzir ao mínimo possível o custo da força de trabalho. É por isso que a escalada dos ataques antipopulares atinge todos os estados membros da UE e ultrapassa a questão dos défices orçamentais e do endividamento de alguns países. O verdadeiro objectivo é o reforço da competitividade não só em relação aos EUA, mas também em relação às potências emergentes como a China, Índia e outras, as quais dispõem de uma mão-de-obra muito mais barata».

Neste contexto, os comunistas gregos consideram que «a vida e os desenvolvimentos da actualidade sublinham mais do que nunca a necessidade de ligar a luta contra imperialismo e os monopólios com a luta pelo poder do povo, pela desvinculação das uniões imperialistas, que é uma premissa para dar resposta às necessidades da população».

 

Outras intervençõesno debate

 

«Sabemos que o capitalismo, e as suas crises, não são o fim da história (...) futuro é o socialismo, e só no socialismo será possível satisfazer as necessidades e anseios da juventude.»

Carina Castro, membro da CP da JPC

 

«A alimentação é e vai continuar a ser vital (...) As reservas estão ao nível mais baixo e isso representa uma ocasião excelente para os abutres capitalistas especularem. (...) Prevê-se que o preço do arroz triplique até ao final de 2011. A Indonésia já decretou um dia sem arroz, história de ir treinando os estômagos.»

João Vieira, membro da DN da Confederação Nacional da Agricultura

 

«PS, SD, com e sem CDS, têm servido ao povo a mais intragável das políticas. É preciso perguntar aos portugueses: Quando vão a um restaurante e são mal servidos, com comida estragada, um duas vezes, será que lá voltam?»

João Pedro Soares, vice-presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas

 

«A maioria do pescado ao passar directamente pela lota, está dependente da intervenção dos compradores/comerciantes que, a seu bel-prazer e no seu interesse, controlam a primeira venda, impondo preços muito abaixo do que seria justo».

Frederico Pereira, coordenador da Federação dos Sindicatos do Sector da Pesca

 

«A consolidação orçamental tem de ser feita através do crescimento económico e não através da austeridade e recessão económica».

Honório Novo, deputado do PCP na AR

 

«A alegada “falência” da segurança social não passa de um pretexto para reduzir pensões e aumentar idade da reforma».

Jorge Machado, deputado do PCP na AR

 

«O chumbo do PEC IV não foi um acaso, mas um resultado da luta de massas».

Arménio Carlos, membro da CE da CGTP-IN



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