Uma flecha contra o céu

Aurélio Santos

O que se passa no mundo faz-me lembrar uma lenda da Grécia clássica de um homem que, indignado com a injustiça tirânica dos deuses para com a sorte dos humanos, lançou a sua flecha contra o céu. A flecha tombou manchada de vermelho e do céu começaram a chover gotas de sangue.

Se hoje alinhássemos em fila indiana os «deuses» que cometeram a infâmia de usar com desumanidade o governo dos homens, haveria milhões a atirar as suas flechas contra esses novos olímpos.

Mas os protestos dos milhões de homens desumanamente atingidos pelas injustiças cruéis dos novos deuses não valerão mais do que as flechas do atirador grego?

Se não o fizermos estaremos mais tarde a cantar como os Deolinda: «Que parvos que fomos».

Ao longo de muitas gerações, o homem tem engendrado formas de viver compatíveis com a sua espécie e a sua época. Chamamos a isso movimento e dialéctica. É como se fizéssemos uma escultura viva, sempre a caminhar, do que vai e do que vem, num constante renovar de ideias. E não nos venham dizer que isto são utopias, como dogmaticamente proclamam os novos compêndios do anticomunismo.

Bem sabemos que o anticomunismo tem raízes fundas, bem entranhadas nos grandes interesses económicos e financeiros. Quer o anticomunismo tropegamente visceral, quer o mais elaboradamente pseudo-pensante, muitas vezes em versões difusas, escusas de entrever, abundantemente publicadas e ensinadas em Universidades. O que se pretende prescrever é, obviamente, a ideia de uma nova sociedade, de melhor e mais autêntica igualdade. De maiores oportunidades e com garantias delas. Para o que já se chamou, na linguagem do romantismo revolucionário, ao assalto do céu.

Desesperam-se por não conseguirem calar a nossa voz.

Porque nós confiamos na força das ideias, quando elas se tornam actuantes como movimentos.

Temos um passado que pulsa orgulhosamente em nós. E temos um presente em que estamos tão indiscutivelmente presentes que ninguém pode contestar a nossa contribuição de liberdade e a nossa participação interveniente para uma sociedade que defendemos de porta aberta – uma sociedade em que todos tenham – e terão! – o direito de entrar.



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