O aprofundamento da crise sistémica do capitalismo

As tarefas dos comunistas

Sitaram Yechury

O texto que se segue é a intervenção de Sitaram Yechury, membro do Bureau Político e

responsável pelo Departamento Internacional do Partido Comunista da Índia (Marxista), no 12.° Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (ICWP), realizado em Tshwane, na África do Sul, de 3 a 5 de Dezembro de 2010.

É dever dos partidos comunistas e operários incutir um carácter político a estas lutas fundamentalmente económicas e convertê-las numa ofensiva política contra o sistema capitalista

Image 6782

Foto LUSA

Para iniciar, permitam-me que agradeça ao Partido Comunistas Sul-Africano (SACP) por servir de anfitrião ao 12.° Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (IMCWP) – que se realiza pela primeira vez em África, assim levando o encontro a todos os continentes – e por ter organizado este esplêndido acolhimento.

No 11.° IMCWP, em Nova Deli, Índia, caracterizámos a actual recessão global como «uma crise sistémica em que o capitalismo exibe as suas limitações históricas» e que «as reformas não poderão livrar o mundo desta crise». O período que se seguiu confirmou esta análise. Apesar de 'corajosas' declarações de muitos países, segundo os quais 'o pior da crise já passou', cada dia que passa demonstra a falta de fundamento destas afirmações.

Até então, o mundo conhecia os pacotes de salvamento que serviam para resgatar gigantes financeiros que se desmoronavam devido às suas próprias acções. A criação impensada de novos 'animais' financeiros, e a impressionante interpenetração dos mesmos para gerar maiores lucros levou a falências em grande escala. Seguindo a lógica do próprio capitalismo, os estados resgataram os conglomerados gigantes gerando uma crescente dívida para eles próprios. Segundo o Washington Post «o problema não é de despesismo estatal, é de empréstimos privados feitos por bancos, que alimentaram uma bolha imobiliária; o resgate desses bancos foi o que levou o Estado irlandês à falência».

Os governos que resgataram esses conglomerados estão agora apanhados no remoinho duma dívida crescente. Enquanto que em 2008 foi a insolvência empresarial que levou à recessão e à crise global, em 2010 é esta insolvência soberana que ameaça gerar uma bola de neve duma crise ainda mais profunda. Assim, aquilo que tinha começado como uma crise devido à insolvência de algumas grandes empresas, surge agora como uma insolvência soberana em grande escala. A insolvência soberana iria acabar por dar-se devido ao modo como o capitalismo optou por recuperar da actual recessão. Os pacotes de resgate – estimativas conservadoras colocam-nos em 10 biliões [milhões de milhões] – foram pagos pelos contribuintes. Enquanto estes sofriam, também os estados iam à falência.

*

Esta crise global expôs claramente a principal contradição do capitalismo – entre o carácter social da produção e a apropriação privada capitalista. Nada explica com mais brevidade este fenómeno como os crescimento dos lucros das grandes empresas por um lado e o crescimento da miséria, da fome e da indigência por outro. Há informações segundo as quais nos EUA, epicentro da crise, as grandes empresas aumentaram os seus lucros em 11,2%, o maior aumento desde que se calcula este indicador, há 60 anos. Por outro lado, a pobreza nos EUA cresceu para 14,3% no ano passado, o nível mais alto desde há mais de 50 anos.

Trata-se realmente dum fenómeno mundial. As desigualdades aumentaram, quer entre países, quer dentro dos próprios países. A nível global, 200 novas pessoas entraram na lista dos que possuem mais de mil milhões. São agora 1011, e o seu capital total aumentou mais de 50%, para 3,6 biliões [milhões de milhões] durante esta crise. Por outro lado, milhões de pessoas perderam os seus empregos e meios de sustento, indo juntar-se aos milhares de milhões de pobres. Cerca de mil milhões de pessoas sofrem a fome. A OIT [Organização Internacional do Trabalho] calcula que globalmente o desemprego atingiu 210 milhões de pessoas em meados de 2010, ou seja mais 70% do que o nível pré-crise nos países de maiores rendimentos (excluindo a Europa), e mais 30% na Europa. O Relatório de 2010 sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, publicado recentemente pelo PNUD diz que «estimativas do Banco Mundial, recém actualizadas, indicam que a crise económica global colocou mais 50 milhões de pessoas na pobreza extrema em 2009 e colocará mais uns 64 milhões no final de 2010 comparado com uma situação sem crise, especialmente na África subsaariana e na Ásia Oriental e Sudoriental. Além disso, os efeitos da crise irão provavelmente persistir: os níveis de pobreza serão ligeiramente mais altos em 2015, e mesmo mais além até 2020, do que teriam sido se a economia mundial tivesse continuado a crescer ao ritmo pré-crise».

Em vez de tomar medidas para atenuar a pobreza e aumentar o poder de compra das populações, os governos procuram gerir as suas finanças e evitar a insolvência cortando drasticamente os gastos e aumentando significativamente as suas receitas. Os cortes de gastos significam que os níveis de vida da maioria dos trabalhadores irão deteriorar-se devido aos expectáveis cortes nas despesas com os benefícios sociais.

Os pacotes de 'austeridade' patrocinados pelo FMI impostos em muitos países europeus fazem parte destes esforços, e têm-se traduzido em cortes drásticos nos orçamentos de Segurança Social. O FMI, que tem concedido empréstimos a muitos países, impôs várias condições e deu instruções aos governos para reduzirem os seus défices fiscais. Exortou os governos a não cederem perante os protestos que exigem a anulação das medidas de austeridade e, além disso, exigiu-lhes que os Orçamentos do Estado fossem por si [FMI] aprovados antes de serem apresentados aos parlamentos nacionais. Trata-se de um ataque descarado à soberania dos respectivos países. A proposta da comissão da UE – um órgão não eleito – de imposição de sanções aos países que violassem o Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997, faz também parte desta operação.

Também se exige que estas políticas deflacionárias sejam seguidas pelos governos para estabilizar as moedas, gerando potencial inflação. Isto é absolutamente necessário para satisfazer a confiança dos FIIs (investidores institucionais estrangeiros), que por sua vez é absolutamente necessária a estes países para evitar insolvências soberanas iminentes. Esta é a história de sempre do capitalismo: para manter ou mesmo aumentar os lucros, intensifica-se a exploração dos trabalhadores.

*

Na Declaração de Deli afirmámos que «as potências imperialistas dominantes irão procurar sair da crise aumentando a exploração sobre os trabalhadores» e «procurando penetrar e dominar os mercados dos países em vias de desenvolvimento». Do mesmo modo, estão a trabalhar para obrigar os países em vias de desenvolvimento a aceitar condições e acordos prejudiciais aos seus interesses. A Ronda de Doha de negociações da OMC, os vários Acordos de Livre Comércio entre as potências imperialistas e países do terceiro mundo, as negociações que estão a decorrer sobre a mudança climática, são todas tentativas de abrir 'com pé-de-cabra' os mercados dos países do terceiro mundo. Procuram assim conseguir a abertura de sectores como a agricultura, a banca, os seguros, o ensino, a indústria e o comércio a retalho aos interesses das multinacionais. Estas medidas arruinariam as vidas do povo trabalhador, afectariam negativamente as economias dos países em vias de desenvolvimento afundando-as numa espiral de crise cada vez mais profunda.

A recente cimeira da NATO realizada em Lisboa mostrou claramente que o imperialismo não é avesso à utilização mesmo da opção militar para garantir a sua dominação económica. Os EUA aumentaram o seu orçamento de Defesa mesmo durante a crise – ainda que hesitassem na atribuição de dinheiros para a criação de empregos – e estão a pressionar os seus aliados para que não cortem os seus gastos com defesa.

Em todo o mundo, os EUA aumentam o número das suas bases militares, reactivam as suas frotas navais e aumentam as vendas de armas. Continuam a exibir o seu poderio militar. Aumentaram a sua presença militar no Afeganistão, e graças à nova política Af-Pak, a guerra está a espalhar-se a toda a região. Vão manter uma presença significativa no Iraque, apesar de se terem comprometido a retirar as tropas. Continuam a interferir nos assuntos do Médio Oriente para garantir o seu controlo sobre esta região rica em recursos. Uma espada de Dâmocles continua a pairar sobre a paz mundial.

Existe uma situação de 'pescadinha de rabo na boca' para o capitalismo global na actualidade. Para apaziguar o capital financeiro, estabilizando a moeda e evitando a inflação, os países são obrigados a reduzir os défices e aumentar os impostos. Isto por sua vez significa menos gastos do Estado (a maior receita dos impostos vai para financiar o défice), deprimindo assim a procura interna e por conseguinte deprimindo o crescimento. Isto também significa menos recursos nas mãos dos estados para continuar com os pacotes de estímulos. Por sua vez, isto serve para deprimir ainda mais o crescimento económico. Este afrouxamento económico desencoraja ainda mais o capital financeiro. É este o ciclo vicioso do capitalismo e as suas crises. A única saída é a luta por uma mudança sistémica.

*

O aspecto positivo hoje é que as pessoas não se estão a deixar levar pela ideologia neoliberal, a não aceitar as coisas passivamente, e a participar em lutas. Em muitos países europeus já houve enormes manifestações de protesto. Claro que a maioria destas lutas são de cariz defensivo, para defender direitos que custaram muito a conquistar. É dever dos partidos comunistas e operários incutir um carácter político a estas lutas fundamentalmente económicas e convertê-las numa ofensiva política contra o sistema capitalista.

Os representantes políticos do capital procuram esconder a contradição insolúvel que há entre capital e trabalho e que está no âmago desta crise. Esta contradição tem que ser denunciada e trazida à luz do dia. Há que realizar uma ampla campanha ideológica para denunciar as limitações do sistema capitalista e das suas crises inerentes. Ao mesmo tempo, há que reforçar a luta por uma alternativa política ao capitalismo: o socialismo. É preciso construir uma ampla aliança de todos os explorados, dirigida pela classe operária.

Os Partidos Comunistas e Operários, guiados pelos princípios do socialismo científico – o marxismo-leninismo – e com 'uma compreensão concreta das condições concretas' deveriam dirigir estes esforços. Para o sistema capitalista – cheio de crises, dado a desigualdades e desumano – o socialismo é a única saída.

Viva o Marxismo-Leninismo.

O socialismo é o futuro e o futuro é nosso.



Mais artigos de: Temas

Isto é tão evidente… que ninguém vê?!

Ou melhor, alguns vêem. Os que são informados, os que não são analfabetos culturais, os que se interessam; mas também aqueles que provocam a série infindável de maldades, crimes e destruições que assolam este magnífico...