Muita conversa, pouco nexo

Anabela Fino

De tão usada nos últimos tempos a expressão «sacrifícios para todos» tornou-se quase um lugar comum. Não é coisa de somenos, isso dos lugares comuns: querendo dizer tudo sem dizer nada acabam sempre, de uma forma ou de outra, por propiciar a interiorização da ideia que transmitem como se de verdade absoluta se tratasse, ainda que conscientemente se saiba que não é assim.

A frase «sacrifícios para todos», ou a sua variante «todos temos de fazer sacrifícios», é repetida de manhã à noite por quantos têm voz nos média dominantes, sobretudo quando se trata de comentar a indignação e justa luta dos trabalhadores contra as políticas anti-sociais do Governo, contra os cortes de salários, contra o brutal ataque em curso aos mais elementares direitos dos trabalhadores que configura um autêntico retrocesso civilizacional.

Dizendo compreender a revolta e acolhendo até o protesto como legítimo – há que permitir o aliviar da pressão não vá a situação tornar-se explosiva! – as tais vozes com lugar garantido nos média só fogem ao lugar comum, embrulhando-se em herméticas explicações técnicas, quando se trata de comentar os lucros dos principais grupos económicos. É o caso da banca. Soube-se ontem que os quatro maiores bancos privados portugueses arrecadaram em 2010 lucros de 1,4 milhões de euros – 3,9 milhões por dia – e pagaram menos 168,6 milhões de euros de impostos, ou seja menos 54,9% do que pagaram em 2009, apesar de os lucros obtidos nesse ano terem sido idênticos. E também que aumentaram as comissões cobradas aos clientes. Tudo legal, está claro, como faz o favor de explicar quem matraca o povo ignaro com os «sacrifícios para todos», aduzindo com asséptica factualidade que tal se deve a benefícios de créditos fiscais, receitas obtidas no estrangeiros e alterações de regimes específicos (como a tributação de dividendos e mais-valias). Que o PCP esteja careca de apresentar propostas no Parlamento, sempre rejeitadas por PS/PSD/CDS-PP, para alterar esse estado de coisas, nem um palavra. Imagine-se o que podia acontecer à «isenção» se em vez da muleta do lugar comum as tais vozes começassem a estabelecer nexos de causa e efeito...



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