PCP alerta para perigos da redução de deputados

Distorcer a democracia

Uma «manobra de diversão» para desviar as atenções dos reais problemas do País, alinhando na sua essência pela tese da «direita mais demagógica e populista», assim classifica o PCP a posição do ministro Jorge Lacão defendendo a redução do número de deputados.

Direita quer obter maiorias com menos votos

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Na sequência de uma entrevista dada por aquele governante no início da passada semana em que perorou sobre a necessidade de reduzir para 180 o número de deputados, o Grupo Parlamentar do PCP trouxe o tema ao debate em plenário para alertar para os perigos de tal proposta e afirmar que «Portugal não tem deputados a mais».

«A situação a que o nosso País chegou não se deve ao facto de haver 230 deputados na AR. A responsabilidade é dos partidos que têm governado o País nos últimos 35 anos, numa alternância sem alternativa, em que o PS e o PSD, com ou sem o CDS/PP, têm repartido entre si cargos e prebendas no Governo, nas empresas públicas e no aparelho de Estado, sacrificando os interesses nacionais e destruindo direitos sociais fundamentais do povo português em nome dos interesses e da ganância dos detentores do poder económico», sublinhou em declaração política em nome da sua bancada o deputado comunista António Filipe, recusando a ideia de que o problema do nosso sistema político ou a descrença de muitos cidadãos tenha a ver com o número de deputados.

Tocando no que é essencial, o parlamentar do PCP frisou ainda que a defesa da democracia não passa pela redução do número de deputados mas, diversamente, por uma «prática política de todos os detentores de cargos públicos que dignifique o exercício dos mandatos conferidos pelo povo, que cumpra as promessas feitas e honre os compromissos assumidos».

 

Operação conveniente

 

Ora não sendo esse o exemplo proveniente da governação, num quadro agravado pela situação calamitosa a que a mesma conduziu o País, não é de admirar que surjam iniciativas como a levada a cabo pelo ministro Jorge Lacão no sentido de «tentar desviar as atenções da agenda política e mediática para uma outra questão».

É que este «Governo não tem nada que o defenda», anotou António Filipe, depois de enumerar vários exemplos que o atestam, desde o roubo dos salários ao aumento do custo de vida, passando pelo aumento do desemprego e das falências, pelo corte das prestações sociais, pelo agravar da pobreza, pelo abdicar da soberania.

«Para o ministro Jorge Lacão, o problema do nosso País não está na taxa de desemprego, não está na destruição do tecido produtivo nacional, não está no aumento chocante das desigualdades sociais. O problema, para o ministro Jorge Lacão, é que a AR tem 230 deputados quando deveria ter 180», referiu o deputado do PCP, pondo a nu a verdadeira motivação subjacente à iniciativa do governante.

Trata-se, em síntese, de uma oportuna e conveniente operação a favor do Governo na medida em que se destina a desviar a atenção daquilo que realmente preocupa os portugueses, que são «as consequências negativas da sua política no dia-a-dia dos trabalhadores e das suas famílias».

Mas a proposta de reduzir o número de deputados – uma velha bandeira do PSD, diga-se - não pode ainda deixar de ser vista como uma perigosa tentativa de distorcer a representação política do povo e reduzir o pluralismo.

«É uma fórmula mágica para reduzir a proporcionalidade do sistema eleitoral e para que o PS e o PSD obtenham maiores maiorias com menor número de votos», denunciou António Filipe.

 

Ataque à proporcionalidade


Os defensores da redução do número de deputados, segundo António Filipe, dividem-se em três grupos. No primeiro, reúnem-se os que atacam em qualquer circunstância o Parlamento, por este ser o órgão de soberania onde a oposição tem voz. É o ataque à oposição e à própria democracia de quem considera que «qualquer deputado é um deputado a mais», frisou, enquadrando neste grupo todos os que advogam concepções salazarentas e nunca se conformaram com o 25 de Abril.

Do segundo grupo fazem parte muitos cidadãos que, «influenciados por um discurso anti-parlamentar, e não necessariamente mal-intencionados, estão convencidos de que a redução do número de deputados seria uma forma de punir os responsáveis pela má governação do País, roubando o lugar a uma mão cheia deles». O que estes cidadãos não vêem, observou, é que os políticos que pretendem punir seriam «precisamente os grandes beneficiários» de uma tal medida.

Do terceiro grupo, no qual incluiu Jorge Lacão, disse António Filipe ser o dos apologistas dessa «espécie de partido único do situacionismo que é o bloco central e da alternância sem alternativa entre o PS e o PSD». Trata-se de gente, neste caso, que sabe muito bem «quais os efeitos» de uma tal redução na proporcionalidade do sistema eleitoral, acusou, concluindo por isso estar-se perante uma forma ardilosa destinada a obter um seguro de vida para o PS e o PSD, assegurando a sua hegemonia na AR e confinando os demais partidos a uma expressão residual.

 

Desautorizações mútuas


A afirmação do líder parlamentar do PS Francisco Assis de que a sua bancada «não tenciona apresentar nem viabilizar qualquer iniciativa» para reduzir o número de deputados, posição que o primeiro-ministro caucionou posteriormente em conferência de imprensa, constitui um dos dados mais relevantes que fica do debate suscitado pela declaração política do PCP.

Como sublinhou Bernardino Soares, presidente do Grupo Parlamentar do PCP, mais que não fosse por isto e «já tinha valido a pena trazer o assunto ao debate do plenário da Assembleia da República».

Este foi o resultado, com efeito, da insistência da bancada comunista em ver clarificada a posição do PS e do seu Governo face a declarações do ministro Jorge Lacão defendendo a redução do número de deputados e às diligências por si promovidas nesse mesmo sentido junto do PSD.

Um cenário que Francisco Assis, confrontado pela bancada do PCP com a gravidade da proposta, acabou por rejeitar no decurso do debate, dizendo tratar-se de uma opinião pessoal do titular da pasta dos Assuntos Parlamentares.

À vista de todos, deste episódio, ficou ainda a desautorização mútua entre o grupo parlamentar que apoia o Governo e Jorge Lacão, conflito relativamente ao qual está agora por saber se as declarações do chefe do Governo vieram ou não pôr um ponto final.

 

Falsa solução

 

Um dos argumentos invocados pelos defensores da redução do número de deputados é o de que essa medida teria consequências positivas na proximidade eleitos e eleitores e na melhoria da qualidade da representação. António Filipe demonstrou que a experiência mostra o contrário, lembrando, a propósito, que do acordo em 1989 entre PS e PSD para a redução de 250 para 230 deputados o que resultou foi já «uma redução da proporcionalidade do sistema eleitoral».

Respondendo a questões colocadas pelo deputado Mota Soares (CDS), que se opôs à redução proposta por Jorge Lacão, vendo nela uma forma de o PS «ganhar na secretaria o que não consegue nas urnas», assinalou ainda que os mesmos que reduziram de 250 para 230 são os que pelas «mesmíssimas razões agora defendem a redução de 230 para 180 e, caso amanhã se reduzisse para 180, estariam passados quinze dias a propor que se reduzisse para 120 e por aí adiante...»

Apresentar a redução do número de deputados como panaceia para a resolução dos problemas do sistema político é por isso uma tese «completamente falsa», na perspectiva de António Filipe, que em favor da sua posição lembrou ainda um recente estudo encomendado pelo próprio Grupo Parlamentar do PS no qual se conclui que Portugal não só não tem deputados a mais, muito pelo contrário, como é feita a advertência de que uma redução significativa do Parlamento afectará a proporcionalidade e reduzirá a representação territorial e social.

Além disso, foi ainda lembrado, olhando para o rácio entre o número de deputados e eleitores, fácil é concluir que o nosso Parlamento ocupa um dos últimos lugares entre os seus congéneres da União Europeia.

Rejeitadas pela bancada do PCP foram, por outro lado, as «razões de poupança» igualmente alegadas pelos defensores da redução de deputados. «Se o PS e PSD tivessem preocupações neste domínio», observou António Filipe, «teriam aceite a proposta do PCP de tributar os dividendos recentemente obtidos pelas grandes accionistas da PT com a distribuição antecipada de dividendos pelos accionistas em 2010».

Sobre as razões que o levaram ainda a classificar de «perigosa» a manobra de diversão do ministro do PS, em resposta a uma pergunta de Ana Drago (BE), António Filipe justificou a sua preocupação com o facto de a defesa da redução do número de deputados surgir na esteira do «populismo mais grosseiro» que atribuiu ao Parlamento os males da vida política, ignorando que este é o único órgão de soberania onde a oposição tem a possibilidade institucional de se exprimir e de fiscalizar o Governo.



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