Olhar de frente as curvas do caminho!

Jorge Messias

Es­tamos a apre­ender por ex­pe­ri­ência pró­pria que os ca­mi­nhos do fu­turo são duras ex­pe­ri­ên­cias do pre­sente. A li­ber­dade não é um manjar ser­vido em pratos de por­ce­lana. Há fome, há po­breza, há cor­rupção e, so­bre­tudo, o povo vive mer­gu­lhado num mar sem fundo de ilu­sões e de men­tiras. Nunca tantos men­tiram tanto às mul­ti­dões. Assim, manter viva a chama de um mundo mais justo exige grande força moral e fir­meza na luta.

Mas vê-se, em cada ins­tante que passa, que o homem con­tinua a ser capaz de re­sistir e vencer. Atra­ves­samos a fase do pro­cesso his­tó­rico que os co­mu­nistas dos tempos de Marx e de Le­nine de­fi­niam como o do apo­dre­ci­mento do Es­tado pa­ra­sita. O poder ca­pi­ta­lista sobe ao cume mais alto, ex­plora até aos úl­timos li­mites a força pro­du­tiva da hu­ma­ni­dade, apo­dera-se da ri­queza criada, forma a sua pró­pria base so­cial de apoio e pre­para-se para impor por mais mil anos a sua ti­rania quando, su­bi­ta­mente, mer­gulha no oceano das suas con­tra­di­ções.

Tal como agora acon­tece. O di­nheiro abunda mas o pro­duto é cada vez menor. Os lu­cros e as for­tunas não cessam de au­mentar – mas não tanto como a mi­séria, a fome e o de­sem­prego. As classes po­lí­ticas e fi­nan­ceiras ri­va­lizam entre si e lutam pelos lu­gares mais che­gados à mesa do ban­quete. Já não se pode ocultar a cor­rupção do Es­tado. O poder ca­pi­ta­lista ca­minha para o seu fim ine­vi­tável, para a rup­tura e para a con­fir­mação vi­to­riosa do So­ci­a­lismo. Le­vará tempo mas assim será.

Para os tra­ba­lha­dores esta ca­mi­nhada não será nem sim­ples, nem fácil. Pelo con­trário, os pró­ximos tempos ca­rac­te­rizar-se-ão pelas pri­va­ções e pelas lutas. Porque a es­trada é trai­ço­eira, foi de­se­nhada em curvas e contra-curvas, por entre abismos. E os si­nais estão tro­cados. Pu­seram-nos lá para nos en­ga­narem.

É pre­ciso não ali­mentar ilu­sões e co­nhecer bem este tra­çado. Qual­quer passo em falso sair-nos-á bem caro. São as leis duras da «luta de classes».

 

Os si­nais de alarme

 

Ainda há pouco o País saiu de uma etapa de ver­gonha e con­firmou nas urnas o pre­si­dente que afinal já lá es­tava – e mal! – para logo voltar aos ata­lhos de lama per­cor­ridos aos tro­pe­ções. Só­crates «mo­ra­lizou» os ven­ci­mentos das che­fias mas per­mitiu «ex­cep­ções» que tor­naram as leis em au­tên­ticos pas­sa­dores. Pro­curou adiar a fa­lência do Es­tado ven­dendo-o ao des­ba­rato, como se Por­tugal fosse um quintal seu. Afirmou-se de­fensor da in­de­pen­dência na­ci­onal mas obe­dece às or­dens do grande ca­pital. Des­pediu à toa, fundiu em­presas para dis­farçar pri­va­ti­za­ções, mas­carou as es­ta­tís­ticas, auto-elo­giou-se e con­tratou elo­gios, usou a men­tira como cor­tina de fumo.

Os nú­cleos do­mi­nantes da «so­ci­e­dade civil» – par­tidos po­lí­ticos, grupos de in­te­resses e Igreja – co­la­boram na farsa, emu­decem e sa­botam os si­nais do ca­minho. Mudam-lhes as cores e trocam-lhes as tintas para, logo a se­guir, vol­tarem ao velho dis­curso «de es­querda». O povo as­siste ao es­pec­tá­culo, en­tende-o e afasta-se de­si­lu­dido. A re­volta vai cres­cendo mas sem se sis­te­ma­tizar, sem ga­nhar corpo co­lec­tivo e or­ga­ni­zado.

En­tre­tanto, a re­acção co­meça a re­co­lher os frutos do seu «tra­balho de sapa», de­sen­vol­vido à sombra das vistas in­dis­cretas. Ins­talou-se no poder quase logo a se­guir ao 25 de Abril. Ho­mens seus en­ve­ne­naram ao longo de anos os con­ceitos re­vo­lu­ci­o­ná­rios de Es­tado re­co­nhe­cidos na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica. Mi­nis­tros se­cre­ta­mente sim­pa­ti­zantes do an­tigo re­gime foram fe­chando os olhos ao per­ma­nente de­sen­vol­vi­mento de uma nova «cons­pi­ração si­len­ciosa». Agora, são muitos os po­lí­ticos que se sentem bem no ac­tual Es­tado-pa­ra­sita por­tu­guês.

Vi­vemos já numa nação to­tal­mente do­mi­nada pelo grande ca­pital mun­dial. As or­dens a que o Go­verno obe­dece vêm de fora, das cen­trais do di­nheiro e dos mer­cados. A Igreja é ca­te­dral fi­nan­ceira que usa em seu pro­veito toda uma gra­má­tica moral rou­bada ao ideário his­tó­rico do So­ci­a­lismo e do povo tra­ba­lhador. Mas jus­tiça so­cial não é ca­ri­dade, nem mi­li­tante deve ser si­nó­nimo de vo­lun­tário ou de fiel con­ci­li­ador. Na prá­tica e nos ob­jec­tivos, temos ou­tras pers­pec­tivas. A so­ci­e­dade que que­remos cons­truir nada tem de so­bre­na­tural.

Mas os riscos a correr são muitos e de di­fe­rentes fontes. Surgem das grandes for­tunas, dos países ricos e im­pe­ri­a­listas e do pró­prio sis­tema, no ponto de de­sen­vol­vi­mento em que ele se en­contra. Mas também nascem dentro da co­mu­ni­dade, pela mão dos re­van­chistas, dos opor­tu­nistas que julgam poder fugir à crise e dos tec­no­cratas que as­piram a gerir a His­tória e as mul­ti­dões através da men­tira, da ci­ber­né­tica e das suas fa­mosas redes so­ciais.

Cá es­ta­remos para os en­frentar.



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