O «carola» – as formas contraditórias de uma função
O constante afirmado «apolitismo» do «carola» está em relação directa com o «sacrossanto» princípio da neutralidade política do desporto. Esta questão, já tratada tantas vezes, ainda exige ser esclarecida junto de muitos dirigentes que continuam a afirmar a sua «independência» política, julgando que, com essa «profissão de fé» liquidam as influências políticas dentro do clube. De facto, referem-se, acima de tudo, à intervenção partidária e a uma atitude «politiqueira», e não a uma visão «nobre» da actividade política que se refere à actividade humana que pretende criar condições para que se verifique uma «convivência livre e voluntariamente admitida», fortemente participada (uma concepção entre muitas, naturalmente).
Na realidade, mais do que para qualquer outro actor da actividade desportiva, a afirmação do apolitismo está referida à defesa de posições conquistadas dentro da estrutura e que não se querem perder. No fundo, estamos perante um dos «mecanismo» mais eficazes de manutenção da situação vigente e da continuidade do dirigente (com fenómenos de «gerontocracia» muito evidentes na actualidade).
No fundo, a afirmação do apolitismo pela estrutura desportiva deve, acima de tudo, ser entendida simultaneamente como defesa da hierarquia (e até do sistema sócio-político) vigente, e como a recusa em determinar, analisar e extrair conclusões acerca da realidade em que o clube se insere e a acção do dirigente desportivo se inscreve. Naturalmente que esta atitude assume, antes de tudo, um carácter conformista e conservador. Nestas condições não é difícil compreender as dificuldades de recrutamento de novas direcções, e a própria atitude de afastamento, e até de rejeição, de uma grande parte da juventude.
Trata-se de saber se é possível que este problema assuma uma outra configuração, quando entendido na perspectiva do desporto como processo humanizador. Aqui, com frequência, as questões que se colocam neste campo resultam de fenómenos de autêntico «caciquismo».
A «indispensabilidade» do dirigente assenta, fundamentalmente, na convicção que cada um possui de que não há ninguém capaz de o substituir, e que a actividade do clube «morrerá» com o seu afastamento. Esta convicção leva a que a maioria destes dirigentes considere o clube como uma coisa «sua», numa atitude dominada por uma grande carga afectiva.
Problemática complexa
De facto, é frequente verificar-se até que ponto a saída do dirigente, «pai» do clube, da actividade, ou da iniciativa, provoca um vazio, por vezes extremamente difícil de preencher, que pode levar ao extermínio de qualquer deles. Isto significa que o dirigente assumiu uma posição de extremo centralismo no funcionamento, excluindo ou, inclusive, «guerreando», a presença de outros elementos que poderiam constituir, ou entraves a uma acção que se julga única, ou, pelo menos, com quem terá de dividir os «lucros» da acção empreendida e dos resultados alcançados.
Em nossa opinião, esta situação ajuda também a explicar a desafectação da juventude pela intervenção no próprio clube. De facto, a explicação do desinteresse dos jovens, não pode encontrar-se exclusivamente na influência prejudicial da sociedade dominada pelos interesses económicos. Na realidade, o jovem não encontra, quase sempre, «espaço» para se inserir no clube de acordo com as suas próprias expectativas. Mas esta é uma outra questão.
A conjugação dos resultados da análise da «devoção», do apolitismo e da «indispensabilidade» do dirigente voluntário, ou do «carola», constituem, em nossa opinião, um processo explicativo de parte (mas só de parte!) da crise do dirigismo associativo. Apesar deles aparecerem aqui com uma tonalidade mais negativado do que positiva, é necessário reconhecer o carácter essencial da atitude que leva muitos milhares de dirigentes a dedicar grande parte das suas vidas à manutenção da vida dos seus clubes.
Por outro lado, é também indispensável tomar em consideração o valor social da participação deste grupo de cidadãos, que dão vida a estruturas por vezes únicas em todo o tecido da comunidade. Por isso, aquele juízo de tonalidade negativa deve ser relativizado à luz da grande importância da função social do clube e da intervenção do dirigente «carola».
O militantismo de que se falou deve ser enquadrado nesta complexa problemática. De outra forma não se entenderá o pleno significado dos clubes populares e da sua função nas comunidades em que se inserem.