Haitianos denunciam falta de assistência e exigem retirada das tropas da ONU
Os haitianos exigem a saída imediata da missão das Nações Unidas do país, acusando os capacetes azuis de terem trazido a cólera para o território e de nada fazerem para conter a epidemia.
«As Nações Unidas admitem que carecem de meios para fazer face à cólera»
De acordo com o balanço divulgado terça-feira, 19, pelo Ministério da Saúde do Haiti, a cólera já matou 1344 pessoas. Quase 57 mil encontram-se infectadas pelo vírus e pelo menos 23 mil tiveram de ser hospitalizadas, mas as autoridades sanitárias locais admitem que os números sejam conservadores dada a precária situação do território, devastado por um violento terremoto a 12 de Janeiro deste ano.
A propagação da epidemia – que ameaça estender-se à outra nação da Ilha Espanhola, a República Dominicana – está a gerar revolta entre a população. No início da semana passada, nas cidades de Hinche e Gonaives, no Centro do país, e em Cap-Haitien, no Norte, o povo saiu à rua para protestar contra a presença militar estrangeira e exigir a sua retirada.
Às manifestações e barricadas responderam as tropas da MINUSTAH com fogo real e granadas de gás lacrimogéneo. Pelo menos duas pessoas morreram e dezenas ficaram feridas em resultado dos confrontos. Uma das vítimas foi baleada nas costas, mas os soldados da ONU dizem que agiram em legítima defesa.
Na capital, Port-au-Prince, multidões de jovens também invadiram as ruas, quinta e sexta-feira da semana passada, estabelecendo igualmente barreiras com contentores do lixo e pneus queimados junto à faculdade de Etnologia da Universidade do Haiti e nos acessos ao palácio presidencial. A resposta dos militares das Nações Unidas foi a mesma que nos dias anteriores, repressão, embora não tenha sido reportada a existência de vítimas.
Foco da epidemia
Nos protestos, sobressaiu a reivindicação da imediata retirada dos contingentes estrangeiros do país, já que, acusaram os manifestantes, não só se mostram incapazes de conter a propagação do vírus como são responsáveis pela sua introdução.
Em causa está a chegada de um contingente nepalês, no passado dia 9 de Outubro. Desde então, a cólera alastrou a todas as dez regiões do Haiti, estando já provado que a província onde aquele se encontra estacionado, Artibonite, é, simultaneamente, o foco original da cólera e o departamento onde se contabilizam cerca de metade dos casos.
No rio Artibonite, o maior do Haiti com uma extensão de 240 quilómetros, foi detectada a bactéria responsável pela calamidade, a qual, dizem investigadores citados por agências internacionais, é de uma estirpe muito comum na Ásia.
A ONU rejeita esta tese sublinhando que no acampamento dos soldados nepaleses não foi detectado o vírus, mas os haitianos afirmam que o contingente enviado pelo Nepal (onde a cólera não se encontra debelada) despeja os dejectos directamente nas águas do Artibonite. O rio é a única fonte de água de milhões de haitianos.
Sem meios
A cólera é causada por uma bactéria transmitida através da água e de alimentos contaminados e pode matar em apenas 24 horas, embora o seu combate possa ser feito pela simples administração de antibióticos e reidratação dos infectados.
Ora a ONU diz que, no actual contexto, o total de infectados com cólera no país pode atingir os 200 mil, o dobro do total de atingidos pela epidemia no Zimbabwe, entre o final de 2008 e meados de 2009, situação considerada internacionalmente como uma catástrofe.
As Nações Unidas notam também que carecem de meios para fazer face à cólera, estimando em 165 milhões de dólares o valor necessário para travar a doença. O coordenador da missão da ONU diz que ajuda que chega ao Haiti é insuficiente.
Cerca de 2 milhões de haitianos vivem em acampamentos. A «república das ONG’s», é o Estado mais pobre do continente americano e encontra-se ocupada por quase nove mil capacetes azuis.
Venezuela e Cuba dão exemplo
Reagindo à actual epidemia de cólera no Haiti, a Venezuela decidiu enviar um primeiro pacote de ajuda humanitária de 10 mil doses de antibiótico, 4500 doses para hidratação oral, e milhares de embalagens de outros bens necessários à prevenção do vírus. Activa está, ainda, uma ponte aérea que continuará a fazer chegar à ilha caribenha toneladas de outros medicamentos e géneros alimentares.
No mesmo sentido, Cuba reforçou a brigada médica presente no território desde o terremoto do início deste ano. O contingente, maioritariamente composto por enfermeiros mas que inclui também médicos e epidemiologistas, junta-se aos grupos de clínicos cubanos que infatigavelmente se têm mantido no território ao lado do povo haitiano.