O partido de Cavaco

Filipe Diniz

Cavaco anunciou aquilo que há longo tempo era sabido: que se iria recandidatar à presidência da República. Diz ele que após profunda reflexão, na companhia da esposa.

Nem nisto este «homem de palavra» acerta. Não se lembra pelos vistos de que quando se candidatou há cinco anos, entre as suas «ambições» - se fosse eleito - figurava «exercer mais do que um mandato». Mas esta questão não passa de um detalhe no conjunto da declaração de candidatura que apresentou.

Mesmo para todos nós que sabemos que não é pelo brilho intelectual que Cavaco se destaca esta declaração tem momentos particularmente penosos. Nuns casos, pela grosseira hipocrisia. Noutros, porque trazem à memória outro ocupante do palácio de Belém, um almirante cujas declarações caricatas constituíam saborosos momentos de humor involuntário.

Um dos momentos altos, que Tomás não desdenharia, é a afirmação de que não tem partido: o «seu partido é Portugal».

Cavaco sabe - porque também o fez - que tomar partido é escolher. E sabe que nem do ponto de vista social, nem económico, nem regional há só um Portugal. Não só há vários, como alguns deles são antagónicos. Alguns representam, inclusivamente, a longa linha antinacional na qual as classes dominantes sempre se inseriram, e são esses, no fundamental, o Portugal que Cavaco escolheu.

O Portugal de Cavaco primeiro-ministro e de Cavaco presidente: o Portugal do retrocesso económico e social, no «pelotão da frente» a caminho da retaguarda; o Portugal dos «pacotes legislativos» anti-laborais e anti-sociais; o Portugal da desindustrialização e da financeirização da economia; o Portugal «bom aluno» da UE, abdicando aceleradamente da soberania e do interesse nacional, cada vez mais dependente e periférico; o Portugal do interior sem agricultura e do mar sem frota pesqueira; o Portugal inculto e reaccionário que hostilizou Saramago em vida e o desrespeitou na morte.

Há outro Portugal que não é nem será nunca o Portugal de Cavaco.

É o Portugal de Abril, cuja Constituição Cavaco jurou cumprir e fazer cumprir mas que sempre violou – tanto no governo como na presidência.

Este Portugal está presente e tem candidato nas eleições presidenciais.

Chama-se Francisco Lopes.



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