O ridículo

Henrique Custódio

A Amorim Energia e a ENI – dois accionistas de relevo da GALP – arrecadaram 1246 milhões de euros em dividendos, desde a privatização em 2006, enquanto a valorização bolsista da participação da Amorim Energia duplicou o seu valor para 3468 milhões de euros – o que permitiu ao antigo negociante de cortiça ascender à posição do «mais rico de Portugal».

Acresce que a Amorim Energia BV é actualmente detentora de 33,34% da GALP e tem sede na Holanda, onde beneficia de um regime fiscal mais favorável. Ora um dos argumentos invocados para se apadrinhar a entrada deste grupo na GALP foi, precisamente, a importância de a empresa petrolífera continuar em «mãos nacionais» o que, manifestamente, não passou de uma encenação e um logro: mal deitou as unhas à GALP, o grupo Amorim mudou-se para o estrangeiro para ganhar mais «uns cobres».

Quem faz estas denúncias é a Comissão Central de Trabalhadores (CCT) da Petrogal/GALP ENERGIA, citando números saídos no Diário Económico. E acrescenta outros: o Estado, ao vender a sua participação na GALP, perdeu 646 milhões de euros em dividendos e impostos, enquanto a empresa, ao ser privatizada em 2006, perdeu de imediato 870 milhões de euros entregues de mão beijada «aos accionistas», ou seja sobretudo aos Amorins e quejandos.

Mas o escândalo não se ficou por aqui: logo de seguida, a GALP pediu ao Banco Europeu de Investimento um empréstimo de 500 milhões de euros para autofinanciamento, ficando a pagar uma batelada em juros e a encarar a hipótese de alienar activos do gás natural, tudo para fazer face às necessidades de investimento. Perdas e gastos que poderiam ser evitados se os 870 milhões, entregues sofregamente «aos accionistas» mal se privatizou a empresa, tivessem sido aplicados nos tais autofinanciamentos.

Para premiar tão incandescente talento directivo, a GALP pagou ao seu administrador Ferreira de Oliveira um milhão e meio de euros/ano.

Actualmente, o Estado ainda detém 7% do capital da GALP (pelo que recebeu uns modestos 127 milhões de euros, no mesmo período em que Amorim e ENI empocharam 1246 milhões), mas o Governo de Sócrates já «montou o cenário» admitindo a privatização desta parcela restante da participação do Estado na GALP o que, nas palavras directas da CCT, «é um atentado contra a economia portuguesa e representa mais um passo no agravamento das contas públicas a médio prazo».

Enquanto patrocina este autêntico regabofe, que produz fortunas obscenas e vertiginosas, o Governo de José Sócrates brande o PEC e continua a esmifrar não apenas quem trabalha, mas também os que vivem de prestações sociais. A estes últimos inventou-lhes agora a obrigatoriedade de apresentação «pela Internet» das declarações dos rendimentos que justificam as prestações, na falta das quais «as prestações serão suspensas», o que já levou a CGTP-IN a queixar-se ao Provedor de Justiça, denunciando a ilegalidade de todo o processo.

São actos de governação que retratam Sócrates a corpo inteiro. E expõem o ridículo imenso da sua actual cruzada pelo «Estado social».



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