Jerónimo de Sousa visitou Avis

«A terra está cá e os homens para a trabalhar também»

Gustavo Carneiro

O Se­cre­tário-geral do PCP par­ti­cipou, sá­bado, em três ini­ci­a­tivas no con­celho de Avis, onde re­a­firmou a ne­ces­si­dade de o País pro­duzir para sair da si­tu­ação em que se en­contra. «O Alen­tejo pre­cisa de uma nova Re­forma Agrária», de­fendeu Je­ró­nimo de Sousa.

A Cons­ti­tuição prevê a eli­mi­nação do la­ti­fúndio e as ex­pro­pri­a­ções

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O País pre­cisa de pro­duzir. Foi esta uma das ideias cen­trais trans­mi­tidas por Je­ró­nimo de Sousa na sua vi­sita ao con­celho de Avis. Quer no con­tacto com a po­pu­lação no centro his­tó­rico quer nas duas ini­ci­a­tivas re­a­li­zadas na fre­guesia Al­cór­rego (ver caixa), o di­ri­gente co­mu­nista não teve dú­vidas em afirmar que «sem pro­dução de ri­queza não há de­sen­vol­vi­mento.» O in­ves­ti­mento na agri­cul­tura, na in­dús­tria e nas pescas é es­sen­cial para o fu­turo do País, acres­centou.

Re­fe­rindo-se es­pe­ci­fi­ca­mente à pro­dução de ce­reais, antes tão im­por­tante no con­celho, Je­ró­nimo de Sousa re­velou (ci­tando dados re­cen­te­mente di­vul­gados) que Por­tugal pro­du­zirá este ano menos um quinto de trigo do que em 2009 e que a pro­dução de ce­reais de In­verno caiu 63 por cento nos úl­timos 20 anos. «É a nossa so­be­rania ali­mentar que está em causa», alertou, res­pon­sa­bi­li­zando por esta si­tu­ação os par­tidos que go­ver­naram o País nas úl­timas três dé­cadas e meia, os mesmos que apoi­aram a Po­lí­tica Agrí­cola Comum. Os fundos eu­ro­peus só ser­viram para «en­cher os bolsos aos agrá­rios», acusou o Se­cre­tário-geral do PCP.

Mas da mesma forma que a ac­tual si­tu­ação dos campos do Alen­tejo re­sultou de op­ções po­lí­ticas con­cretas, também a sua in­versão de­pende de uma al­te­ração pro­funda da po­lí­tica na­ci­onal. «A terra está cá e os ho­mens para a tra­ba­lhar também», des­tacou Je­ró­nimo de Sousa, afir­mando que o Alen­tejo pre­cisa de uma nova Re­forma Agrária, que leve ao pro­gresso e ao de­sen­vol­vi­mento».

E não é pre­ciso in­ventar nada de novo, bas­tando apenas cum­prir a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica. A mesma que, apesar dos ata­ques que já so­freu em su­ces­sivos pro­cessos de re­visão, con­tinua a ter um ar­tigo – o 94.º – de­di­cado à «eli­mi­nação dos la­ti­fún­dios», com o «re­di­men­si­o­na­mento das uni­dades de ex­plo­ração agrí­cola que te­nham di­mensão ex­ces­siva do ponto de vista dos ob­jec­tivos da po­lí­tica agrí­cola», a ser al­can­çado, se ne­ces­sário, com o re­curso a ex­pro­pri­a­ções.

«As terras ex­pro­pri­adas serão en­tre­gues a tí­tulo de pro­pri­e­dade ou de posse, nos termos da lei, a pe­quenos agri­cul­tores, de pre­fe­rência in­te­grados em uni­dades de ex­plo­ração fa­mi­liar, a co­o­pe­ra­tivas de tra­ba­lha­dores ru­rais ou de pe­quenos agri­cul­tores ou a ou­tras formas de ex­plo­ração por tra­ba­lha­dores», diz a Cons­ti­tuição – e afirmou o di­ri­gente do PCP, fa­zendo suas estas pa­la­vras.


Me­mória e re­fe­rência para o fu­turo

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A me­mória dos tempos da Re­forma Agrária está muito viva em Avis e no co­ração dos avi­senses, em par­ti­cular dos co­mu­nistas – quer te­nham sido pro­ta­go­nistas quer te­nham dela apenas re­cor­dação in­di­recta, por via de pais e avós. Foi a todos estes que, nas suas in­ter­ven­ções, Je­ró­nimo de Sousa re­cordou que o Alen­tejo tinha então uma agri­cul­tura de­sen­vol­vida, os campos pro­du­ziam e não fal­tava tra­balho.

Igual­mente como re­cor­dação, mas es­sen­ci­al­mente como re­fe­rência de fu­turo, no salão da Junta de Fre­guesia do Al­cór­rego (com­ple­ta­mente lo­tado com as mais de 200 pes­soas que ali al­mo­çaram com o Se­cre­tário-geral do PCP) as pa­redes es­tavam for­radas com fo­to­gra­fias da ex­po­sição Re­forma Agrária - Uma das Mais Belas Con­quistas de Abril, pro­mo­vida pela Câ­mara Mu­ni­cipal.

Duas dé­cadas, que podem não ser muito tempo na his­tória, é um pe­ríodo con­si­de­rável na vida de cada um. E os vinte anos que pas­saram desde a des­truição da Re­forma Agrária mar­caram pro­fun­da­mente aquele con­celho e aquela re­gião. Agora são no­va­mente os agrá­rios a ter na sua mão os imensos campos, que lá estão, pa­rados, im­pro­du­tivos. E com o la­ti­fúndio voltou o de­sem­prego, que só não é maior porque não são poucos os que op­taram por cons­truir a vida – ou pelo menos tentar fazê-lo – numa qual­quer ci­dade do li­toral País. Ou mesmo lá fora...

O mesmo se passa com a in­dús­tria. A Lac­togal, por exemplo, que ali es­tava fi­xada desde os anos 60, en­cerrou o ano pas­sado, por acção di­recta do Go­verno PS, que lhe ofe­receu um in­cen­tivo de 40 mi­lhões de euros para se fixar em Oli­veira de Aze­méis. Uma cen­tena de tra­ba­lha­dores ficou sem em­prego.

A agravar tudo isto está o en­cer­ra­mento de ser­viços pú­blicos de saúde e edu­cação. De­pois de, em anos an­te­ri­ores, terem en­cer­rado vá­rias es­colas e re­du­zido os ser­viços de saúde, estão mais três es­colas na mira des­trui­dora do Go­verno.

 

Uma ca­lo­rosa re­cepção

 

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A pas­sagem de Je­ró­nimo de Sousa ao con­celho de Avis co­meçou no centro da his­tó­rica vila alen­te­jana, em frente ao Centro de Tra­balho do Par­tido. E foi aí, pe­rante de­zenas de mi­li­tantes que o es­pe­ravam (apesar do calor que já se fazia sentir), que o Se­cre­tário-geral do PCP acusou PS e PSD de, com o PEC, pre­ten­derem «tapar os bu­racos que o grande ca­pital abriu». Re­fe­rindo-se às «guerras» entre esses dois par­tidos, afirmou: «se o PSD qui­sesse que o Go­verno se fosse em­bora não teria apro­vado o Or­ça­mento do Es­tado e o PEC.» O que quer, pros­se­guiu, é que o PS «leve esta po­lí­tica até ao fim – no que res­peita à le­gis­lação la­boral, à saúde e à edu­cação – para fazer, de­pois, a mesma po­lí­tica».

Acom­pa­nhado pelos di­ri­gentes na­ci­o­nais e lo­cais João Dias Co­elho, Fer­nando Car­mo­sino e Le­onor Xa­vier, Je­ró­nimo de Sousa chamou a atenção para o «pro­jecto sub­ver­sivo da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica» do PSD, res­pon­sa­bi­li­zando igual­mente o PS por tudo aquilo que even­tu­al­mente possa vir a ser apro­vado. «O PSD sempre quis tudo e o PS sempre deu muito», lem­brou, numa clara alusão aos an­te­ri­ores pro­cessos de re­visão. Em sua opi­nião, as di­ver­gên­cias em torno da re­visão cons­ti­tu­ci­onal servem para «fugir à questão cen­tral: Estão ou não de acordo com a pro­tecção dos lu­cros e be­ne­fí­cios dos grandes grupos eco­nó­micos? Estão ou não de acordo em pe­na­lizar quem menos tem e menos pode? Estão ou não de acordo com a des­truição do apa­relho pro­du­tivo?»

Em se­guida, o Se­cre­tário-geral do PCP par­ti­cipou num al­moço na Junta de Fre­guesia do Al­cór­rego (a mais ver­melha das terras por­tu­guesas), no qual par­ti­ci­param mais de 200 pes­soas. Os que não pu­deram al­moçar por não se terem ins­crito a tempo, foram lá ter e ou­viram as in­ter­ven­ções. A pri­meira das quais coube a Le­onor Xa­vier, res­pon­sável pela or­ga­ni­zação con­ce­lhia de Avis do Par­tido, que lem­brou a in­tenção do Go­verno de fe­char as es­colas pri­má­rias do Al­cór­rego, do Er­vedal e de Fi­gueira e Barros. «Quem cá está tem que poder cá ficar», afirmou a di­ri­gente co­mu­nista, que re­cordou que a luta tra­vada em de­fesa dos ser­viços de saúde, não tendo sido to­tal­mente ven­cida, deu os seus frutos: «po­demos não ter saúde du­rante 24 horas, mas se nada ti­vés­semos feito es­ta­ríamos ainda pior».

A jor­nada ter­minou na sede da As­so­ci­ação Ju­venil Al­cor­re­guense, numa ani­mada con­versa entre Je­ró­nimo de Sousa e vá­rios jo­vens da­quela fre­guesia. Ques­ti­o­nado acerca das pro­postas do Par­tido para a ju­ven­tude, o Se­cre­tário-geral do PCP co­meçou por re­ferir a im­por­tância es­sen­cial, para os jo­vens, de terem um em­prego e um sa­lário. «Só assim con­quistam a sua eman­ci­pação.» O acesso aos mais ele­vados graus de en­sino é outra das ques­tões es­sen­ciais: «antes do 25 de Abril, filho de ope­rário seria ope­rário e filho de doutor seria doutor», afirmou, lem­brando que o 25 de Abril deu pos­si­bi­li­dade a todos os jo­vens de es­tudar. A edu­cação pú­blica, gra­tuita e uni­versal é algo por que se deve lutar, de­fendeu o di­ri­gente do PCP.



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