O escândalo como trampolim do poder…

Jorge Messias

As leituras que já aqui trouxemos do tema «Os Legionários de Cristo», divulgado pelo jornal espanhol El País, nem de longe esgotam o potencial de informação que fica disponível mas se oculta por detrás do texto impresso. Cada linha que se lê sugere novas questões. Assim, o tema escolhido para hoje, «O escândalo como fonte do poder», representa apenas uma peça do dominó com que se tenta construir e ampliar a sociedade global dividida em «hemisfério dos pobres» e «hemisfério dos ricos» – e enredar na sua teia a banca, as finanças públicas e privadas,

o poder político e o poder religioso. Uma super-intriga mais, entre tantas outras. Mas, porventura, a intriga maior.

Segundo rezam as actas, o Movimento Legionário de Cristo surgiu em 1950, como que por milagre, na mente de um padre católico mexicano, Marcial Maciel, que se terá inspirado no trabalho social do Opus Dei, da Companhia de Jesus, da Acção Católica e de outras importantes e ricas ordens religiosas. Tratava-se de, conjuntamente, preparar as bases da Proclamação do Reino de Cristo na Terra, combater a pobreza, condenar a soberba dos ricos e devolver à Igreja a sua pureza apostólica inicial. Os «Legionários de Cristo» concentraram nestas vertentes as suas energias e os seus largos patrimónios.

No plano ideológico, identificaram-se com as teses mais conservadoras. Fé é revelação cuja correcta interpretação cabe à Igreja – e só a Ela – definir. Portanto, Fé e Dogma são valores que não se discutem. A procura de novas técnicas e de novas tecnologias deve promover-se sob comando e no cumprimento rigoroso dos princípios rígidos impostos pelas estruturas eclesiásticas verticais. Mesmo no interior das esferas católicas, o debate livre pressuposto pela Teologia da Libertação – o grande movimento eclesiológico seu rival – foi suprimido. Nem conversas, nem concessões. Os grandes objectivos a atingir estavam claramente definidos. Lembrava um velho companheiro de estrada do padre Maciel: «Ficou nítido que temos de subir ao cimo da pirâmide, pôr a nosso lado os líderes naturais e económicos e, através dos nossos colégios, educar os seus filhos...». Preto no branco!


Difícil parto de um novo escândalo


Muitas das piedosas declarações de princípios dos LC (tais como a do combate à pobreza) foram imediatamente desmentidas pela prática efectiva dos «legionários». A sua situação financeira progrediu a um ritmo tal que chamou desde logo as atenções. Com efeito, em pouco tempo, o movimento passou de um para 3450 sacerdotes remunerados; de zero a mais de 20 000 funcionários a tempo inteiro; e instalou e desenvolveu uma rede escolar dotada, em todo o mundo, com 63 universidades e 177 colégios. Como facilmente se reconhecerá, resultados destes implicam investimentos gigantescos que de algum lado vieram mas não foram identificados clara e oficialmente. Os escândalos pré-anunciados começavam aqui mas por aqui não iriam ficar.

Por outro lado, o quadro estatutário dos LC depressa adoptou normas de acção verdadeiramente únicas: o padre Maciel e os seus conselheiros impuseram no Movimento as regras da clandestinidade. As bases da organização foram transformadas em células destinadas a promover a infiltração clandestina dos seus membros na sociedade civil. Eram suas funções principais a recolha de informações úteis à Igreja. Essas estruturas teriam estratégias flexíveis, adequadas à natureza e à importância social dos grupos onde actuavam. Por exemplo, sabe-se que os Grupos Patrícios formam teologicamente os leigos e que as Incolae Maria trabalham nas autarquias, entre as mulheres. No movimento universitário, os LC instalaram um braço laico que consta ter já mais de 75 mil activistas: o Regnum Christi. Enquanto estas formações se desenvolviam, na sombra, os LC criaram uma espécie de Ministério das Finanças, a que muitos observadores chamam frente de caça e pesca de fundos e converteram à organização um grande número não identificado de novos líderes económicos e naturais. E muita desta força oculta de intervenção, se fosse conhecida em toda a sua extensão, poderia explicar os «milagres» capitalistas de outros sectores-chave da sociedade, como é o caso da saúde, do desemprego galopante, das fundações filantrópicas, dos intocáveis off-shores, da corrupção da Justiça e da podridão em que os valores democráticos vão sucessivamente tombando.

O primeiro período de implantação e desenvolvimento dos LC decorreu com toda a tranquilidade e secretismo ao longo de quase 60 anos (entre 1950 e 2004, ano da morte do seu fundador). A «igreja da sombra» teve todo o tempo que quis para se afirmar. Teve inevitáveis contratempos que conseguiu ultrapassar. Papas, bispos, cardeais, banqueiros, políticos e magistrados, não faltam nas filas dos LC. Nos primeiros tempos após a sua morte, o padre Maciel foi considerado pela hierarquia digno dos altares. Só quando morreu (e o lugar vago foi disputado por tendências eclesiásticas concorrentes) veio a lume o grande escândalo.

Que factos escandalosos foram estes? Que efeitos tiveram na vida da organização? Como pode um escândalo particular transformar-se em paradigma da sociedade capitalista?

A tudo isto voltaremos Avante!.



Mais artigos de: Argumentos

O tempo das «tradições»

Notoriamente, vivemos o «tempo das tradições» na programação televisiva desta semana, decerto com a ajuda da «plena época estival» em que nos encontramos, um «tempo» onde os programadores, por sua vez, também parecem meter férias. Por...

<i>Contratos I</i>

Rui Pedro Soares, ex-administrador executivo da PT acusado de crime de corrupção passiva no chamado «caso Taguspark», solicitou agora ao TIC que requeira à PT uma cópia do contrato publicitário celebrado entre esta empresa e os Gato Fedorento para 2009 e 2010. Razão...

O desuso e o uso

Houve um tempo já remoto em que por cá já havia televisão e havia também, na chamada grande imprensa, textos que se aplicavam a avaliar a qualidade do quotidiano fluxo de TV que era fornecido ao domicílio. Era a crítica de televisão ou, pelo menos, o que o tentava...

Oh Sr. Doutor!!!

Para aqueles que se enriquecem com as coisas novas  Nunca a comida japonesa, e sobretudo o tão badalado sushi, foi para mim fonte de prazer. Talvez porque nunca o tenha comido bem feito e com bons ingredientes. O que comi eram rolinhos de arroz embrulhando pedacinhos de salmão e outros peixes de...