De Estrasburgo a Braga
Com o Parlamento Europeu quase a entrar de férias, a última sessão plenária foi particularmente recheada. Especialmente «produtiva» dirão uns. Sempre elucidativa, dizemos nós. Três exemplos:
Serviço Europeu de Acção Externa. Com os votos favoráveis dos principais grupos políticos – incluindo dos partidos portugueses PS, PSD e CDS e com a (cá está... elucidativa!) abstenção do BE – foi aprovada a proposta que estabelece a organização e o funcionamento do Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE) da UE. Elemento fundamental do federalismo, da visão da UE como um super-Estado, o SEAE envolverá mais de cinco mil pessoas nas futuras embaixadas (actualmente são 134 as representações da UE espalhadas pelo mundo) e constituirá um instrumento da maior relevância para o intervencionismo externo da UE, ao serviço dos interesses que determinam o seu rumo. A subordinação das representações e interesses próprios dos estados-membros aos objectivos deste novo serviço é evidente e assumida: o ministro dos Negócios Estrangeiros português diz que «temos de adaptar a nossa acção externa» à nova realidade. O representante do governo português junto da UE admite mesmo que, «num caso longínquo», o SEAE – cujas línguas oficiais serão o inglês, o francês e o alemão – se possa substituir às embaixadas dos estados-membros.1
Elucidativa foi também a rejeição das propostas apresentadas pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL), que pretendiam excluir qualquer ligação entre as estruturas militares da UE, ou serviços de informação, e o SEAE.
Reforma da Política Agrícola Comum. Com os votos dos do costume, foi aprovado um relatório onde se define um conjunto de posições relativamente ao futuro da PAC após 2013. Mais de 90 pontos, onde não tiveram lugar as propostas feitas pelo GUE/NGL, como a que referia a necessidade de «instaurar o princípio do direito à alimentação e à soberania alimentar; conferir prioridade à auto-suficiência alimentar e à capacidade dos países e regiões de desenvolverem a sua produção para satisfazerem as necessidades alimentares nacionais ou regionais; apoiar actividades que promovem a produção local e respeitam o ambiente local, que protegem os solos e a água, aumentam a produção de alimentos sem OGM e promovem a biodiversidade de sementes para os agricultores e a diversidade de espécies de gado doméstico». A rejeição destes princípios por parte dos principais grupos políticos – incluindo por PS, PSD e CDS – é elucidativa quanto ao caminho que se pretende seguir. O relatório mantém a visão que presidiu a anteriores reformas da PAC: a da liberalização total dos mercados agrícolas e sujeição da PAC aos interesses que a UE negoceia no âmbito da OMC.
Contratos atípicos e «flexigurança». Mais um relatório a pontuar a profusa bibliografia da UE em torno da flexigurança. Desta feita, defendendo a indispensabilidade duma «actualização da reflexão sobre «flexigurança» ao nível europeu à luz da crise actual, de modo a contribuir para o aumento da produtividade (...), permitindo às empresas a flexibilidade organizativa necessária para criarem ou reduzirem postos de trabalho em resposta às necessidades do mercado em constante mudança». Quanto aos apoios, os do costume.
Jornadas de trabalho no país
Entretanto, prosseguem as jornadas de trabalho que os deputados do PCP têm vindo a realizar pelo país. Na visita ao distrito de Braga, ficou uma vez mais patente o resultado de muito daquilo que se decide em Estrasburgo e em Bruxelas.
Desemprego, precariedade crescente, contratos a prazo de meses sucessivos, salários em atraso, não pagamento de subsídios de férias e de Natal, vencimentos abaixo do SMN, desregulação de horários de trabalho e da vida familiar, créditos de centenas de horas acumulados pelos trabalhadores e não pagas nem gozadas à conta dos bancos de horas, intensificação dos ritmos de trabalho, repressão crescente, tendinites, varizes, costas quebradas, pernas e joelhos escangalhados, stress, ansiedade, depressões: assim é marcado, de alguma(s) destas formas, o dia-a-dia de cada vez mais trabalhadores do complexo industrial de Braga. É este o resultado da aplicação da «flexigurança» à portuguesa e do código do trabalho do PS.
Quanto à agricultura no distrito, segue imparável o encerramento de explorações leiteiras. Agora, são produtores com 50 e mais animais que vão abandonando a actividade. Com eles, vão-se emprego, capacidade produtiva, actividades económicas conexas, independência e soberania nacionais...
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