Lágrimas de crocodilo

João Frazão

«Uma em cada cinco crianças portuguesas vive em famílias com rendimento abaixo do limiar da pobreza, o que faz das crianças até aos 17 anos o grupo com maior risco de pobreza em Portugal. Os números dizem que 23,5% das crianças corre esse perigo».

Este excerto de uma notícia do JN, que assinalava a dramática realidade do que isso significa – «as necessidades básicas de alimentação, o desempenho e o sucesso escolar, o desenvolvimento cognitivo e o acompanhamento da saúde das crianças nem sempre são os mais adequados».

Já nas páginas do Avante! escrevi que este tipo de notícia é, em primeiro lugar, um libelo acusatório ao capitalismo. Sistema que condena à miséria uma significativa parte dos mais vulneráveis para enriquecer uns poucos senhores.

A vida aí está, infelizmente, para nos dar razão. Particularmente porque, como indica a notícia, o risco de pobreza infantil aumentou quase 3 pontos percentuais (de 20,8% para os 23,5%, num só ano) situando-se mesmo acima de 2005.

Talvez não seja demais chamar a atenção para o facto de estarmos a falar ainda do ano de 2008, ou seja, antes do despontar da crise internacional e no ano em que Sócrates afirmava a pujança da economia nacional e a clamorosa vitória na luta contra a pobreza em intervenções sucessivas, designadamente nos debates na Assembleia da República.

A notícia referida partilha a página com um texto de Rosário Carneiro, onde aquela deputada do PS verte lágrimas de crocodilo por esta situação, clamando para que se dê prioridade à protecção das crianças.

Que fique claro que não tenho qualquer razão para desconfiar dos bons sentimentos da deputada.

Mas não se pode é deixar de afirmar que quem apoia Sócrates e a sua política, quem subscreveu o Orçamento de Estado, as medidas consagradas no PEC e nos sucessivos planos de austeridade anunciados posteriormente, quem cauciona as opções de roubo dos salários dos trabalhadores que eles consubstanciam, é directamente responsável por esta dramática realidade.

É que estas crianças são precisamente os filhos dos que são condenados pela política de direita do Governo PS - em cuja bancada se senta a deputada - ao desemprego, aos baixos salários, à precariedade e à instabilidade, razões primeiras e fundamentais de pobreza no nosso país. Sem atacar estes problemas condenar-se-á ainda mais crianças à pobreza.



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