Contra o desemprego

A luta continua

João Frazão (Membro da Comissão Política do PCP)

O Governo tem em cima da secretária de um qualquer ministro ou secretário de Estado três pedidos de autorização de outras tantas empresas para despedir 579 trabalhadores do distrito de Braga. A Orfama, empresa de vestuário de capital francês, quer despedir 180 trabalhadores. A Frensh Fashions, também ligada ao Grupo Orfama, quer despedir mais 142. A Têxteis Manuel Gonçalves, SA, solicitou autorização para despedir outros 257.

O desemprego está aí para ficar com todas as suas nefastas consequências

Em boa verdade, tais pedidos de autorização são para contornar o despedimento colectivo e para que as empresas possam impor rescisões a estes trabalhadores. A empresa livra-se assim dos trabalhos que implica um despedimento colectivo e de uma parte dos custos inerentes, ficando em carteira com o rebuscado argumento de que não despediu. O Governo, como já nos habituou em casos semelhantes, assinará de cruz, fazendo vista grossa ao parecer negativo já emitido pelo Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes.

Ora esta dura realidade vive indiferente aos sucessivos anúncios do Governo de «que a economia portuguesa está a dar sinais de dinamismo e que acredita que o País está num momento de viragem» (1); de que os últimos números são uma «boa notícia que revela uma tendência, que está a acontecer, de diminuição do desemprego» (2); de que «neste momento, estamos a assistir a uma estabilização, sendo um sinal positivo em comparação ao que se passou aos anos anteriores» (3); ou ainda de que há sinais «de que o desemprego está a abrandar», o que revelará uma certa «inflexão no que toca ao aumento do desemprego» (4).

De facto, a vida parece não querer dar atenção às palavras de optimismo do Governo e, só neste distrito, dá-nos exemplos bastantes para perceber que o desemprego está aí para ficar com todas as suas nefastas consequências.

Senão vejamos. Os 90 trabalhadores da Fiação de Covas viram na passada semana declarada a insolvência da empresa, ainda que ela esteja a trabalhar com bastantes encomendas. Os 160 trabalhadores da empresa de vestuário FMAC não receberam o salário de Maio e a empresa esteve 15 dias sem electricidade, vivendo na incerteza. Oitenta trabalhadores da empresa têxtil João Ribeiro da Cunha rescindiram os contratos por causa de salários em atraso. Cerca de 80 trabalhadores da Kromberg (indústrias eléctricas) estão a braços com um processo de despedimento colectivo. Em Barcelos e Esposende encerraram dezenas de pequenas empresas nos primeiros meses do ano: OCM, com 30 trabalhadores; Vanex, com 25 trabalhadores; Torrense Ferreira, com 25 trabalhadores; Conceição e Filhos; Melmitex, com 44 trabalhdores; Fiação de Barcelos, com 38 trabalhadores; Abreu e Faria; Costa e Linhares; Winteal Têxteis; Ventura e Marques; Têxtil Limiana; Higuitos Confecções. A lista parece ser interminável.

Duas conclusões

E temos ainda o exemplo da CRH, grupo empresarial que, entre outros, opera na área do aluguer de mão-de-obra (ou recursos humanos conforme preferem chamar), com vários centros de contacto no País, que presta serviços a vários ministérios e a grandes empresas e que, em 2008, abriu um call-center no Ave Park, em Guimarães. Call-center que Sócrates amavelmente visitou para assinalar o protocolo estabelecido com o IEFP, que apoiou a empresa para a criação de 600 postos de trabalho sem termo. Este call-center da CRH encerrou, mandando os seus 70 trabalhadores para o desemprego.

Ou seja, parece que estes empresários não ouvem os noticiários enxameados de confiança governamental. Pelos vistos também não encontraram a rigidez da legislação laboral de que fala Passos Coelho, nem precisaram de esperar pela «flexibilização das relações laborais» ou pelas «novas modalidades contratuais» (ou seja pela facilitação dos despedimentos) propostas pelo PSD, e que o Governo pela voz da ministra do Trabalho não rejeita de todo.

A situação aqui sumariamente descrita – que apenas ilustra o desemprego em Portugal, o maior desde os anos do fascismo, e que não inclui (e nestas poucas linhas não caberia) o imenso drama que isso representa para centenas de milhares de homens e mulheres que, de um dia para o outro, se vêem sem qualquer perspectiva de vida – reclama duas conclusões.

A primeira é a de que, como o nosso Partido vem assinalando quase sozinho e de forma persistente, a questão central que se coloca ao nosso País é, ao invés da obsessão pelo défice das contas públicas, o desenvolvimento da produção nacional e a dinamização do aparelho produtivo, com a respectiva criação de emprego.

A segunda, mas não menos importante, é a de que aos trabalhadores sobra como sempre o caminho da luta contra a política de direita, que assim os condena ao desemprego, às dificuldades e à miséria. Animados pela imensa força que irradiou da Manifestação Nacional de 29 de Maio, o combate ao desemprego faz-se à porta da empresa ou do local de trabalho, resistindo no concreto a todas as tentativas do patronato, mas faz-se também no imediato, preparando, valorizando e mobilizando para a jornada de protesto e luta de 8 de Julho, convocada pela CGTP-IN, que terá paralisações, greves, concentrações, manifestações e outras formas de luta por todo o País.

 A luta continua!

 

(1)       Helena André, ministra do Trabalho, sobre o desemprego em Abril.

(2)       Valter Lemos, secretário de Estado do Emprego, sobre o desemprego em Maio.

(3)       Vieira da Silva, ministro da Economia, idem

(4)       José Sócrates, primeiro-ministro, sobre o desemprego em Abril.



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