PS e PSD rejeitam medidas do PCP por maior justiça fiscal

Os sagrados interesses do capital

A se­mana pas­sada ficou mar­cada pela re­jeição de pro­postas do PCP para uma maior equi­dade fiscal e, em si­mul­tâneo, pela apro­vação de se­veras me­didas de aus­te­ri­dade do Go­verno que agra­varão ainda mais a já di­fícil vida das classes tra­ba­lha­doras e do povo.

 

Pague mais im­postos quem mais tem

PS e PSD vol­taram a mos­trar assim que a sua di­visa con­tinua a ser apertar os pe­quenos e folgar os grandes.

Essa é, em sín­tese, a lei­tura de um de­bate onde es­ti­veram em con­fronto duas op­ções dis­tintas e onde ficou claro que «há uma al­ter­na­tiva ao de­sas­troso ca­minho que PS e PSD acor­daram para pe­na­lizar o País e os por­tu­gueses».

Foi o que afirmou o líder par­la­mentar co­mu­nista, Ber­nar­dino So­ares, se­pa­rando águas, ao frisar que de um lado está o PCP, com pro­postas justas de con­so­li­dação or­ça­mental que vão buscar re­ceita «àqueles que vivem me­lhor e têm mais ri­queza», en­quanto, do outro lado, para os par­tidos da po­lí­tica de di­reita, a única opção que co­nhecem é «pe­na­lizar os mesmos de sempre».

Ora foi esta du­a­li­dade que es­teve em cima da mesa e per­passou todo o de­bate, com a ban­cada co­mu­nista a de­fender as suas pro­postas a partir da cons­ta­tação ele­mentar de que o País en­ferma de uma tre­menda in­jus­tiça fiscal.

«Não podem ser sempre os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados e os pen­si­o­nistas a so­frerem na carne com o peso do au­mento dos im­postos en­quanto há muitos que con­ti­nuam sem pagar ou a pagar muito menos do que podem e devem», sus­tentou o de­pu­tado co­mu­nista Ho­nório Novo, de­pois de de­fender que «não pode ser sempre o povo que tra­balha (…) a pagar pelas con­sequên­cias da es­pe­cu­lação de­sen­freada de um sis­tema fi­nan­ceiro ir­ra­ci­onal, não podem ser sempre os mesmos a perder o em­prego e a perder os apoios so­ciais a que de­viam ter di­reito».

Trata-se, por isso, para o PCP – e nesse sen­tido apon­tavam todas as suas pro­postas -, de fazer pagar im­postos aos que nunca pa­garam, de fazer com que os mais ricos e po­de­rosos, a banca e os grandes grupos eco­nó­micos, te­nham menos be­ne­fí­cios e pa­guem mais do muito pouco que hoje pagam.

Que são «pro­postas avulsas» e que é a «ha­bi­tual res­posta de des­pe­sismo», disse o de­pu­tado do PS Edu­ardo Ca­brita, de­fensor de que só uma «con­cer­tação de po­lí­ticas à es­cala eu­ro­peia» pode com­bater os off-shores ou taxar as tran­sac­ções fi­nan­ceiras.

A mesma frágil ar­gu­men­tação do PS es­teve ainda pre­sente nas pa­la­vras de outro seu de­pu­tado, Victor Bap­tista, que, à falta de me­lhores armas, re­correu à de­li­be­rada fal­si­fi­cação do con­teúdo das me­didas pre­co­ni­zadas pelo PCP, di­zendo, em abs­tracto, que este «quer um agra­va­mento dos im­postos, quer agravar o IMI, atacar a pou­pança».

«É ver­dade: há um agra­va­mento da carga fiscal nas pro­postas do PCP. Só que ao con­trário do que de­fendem o PS e o PSD, esse agra­va­mento é sobre os lu­cros da banca, é sobre os mais de mil mi­lhões de lu­cros da EDP, é sobre os pré­dios que têm valor su­pe­rior a um mi­lhão e du­zentos mil euros e não sobre qual­quer casa do por­tu­guês normal», ri­postou de ime­diato Ber­nar­dino So­ares, acres­cen­tando que é sobre «os iates, os aviões a jacto, os Lam­borghinis, os Fer­raris que tem de haver um agra­va­mento fiscal».

O de­pu­tado co­mu­nista Agos­tinho Lopes também não es­tra­nhou as po­si­ções as­su­midas no de­bate pela ban­cada do PS, acu­sando-a de tomar op­ções que vão no sen­tido de tudo «sa­cri­ficar no altar do PEC», ce­dendo à «chan­tagem dos mer­cados fi­nan­ceiros e dos bancos eu­ro­peus e aos ul­ti­matos do di­rec­tório de Bru­xelas».

  

Pa­raíso de poucos


A «cruel in­jus­tiça fiscal» exis­tente no nosso País, como a clas­si­ficou a ban­cada co­mu­nista, tem múl­ti­plas faces. Uma é a que res­peita às tran­sac­ções bol­sistas, no­me­a­da­mente as re­la­tivas aos fundos de in­ves­ti­mento mo­bi­liário. Lem­brado foi o facto de na Ale­manha es­tarem proi­bidos de operar nas suas bolsas os fundos de altos risco, en­quanto em Por­tugal, pelo con­trário, tais fundos não só operam à von­tade como as mais-va­lias ob­tidas en­con­tram-se quase to­tal­mente li­vres de im­postos.

O que faz de Por­tugal «um dos prin­ci­pais des­tinos mun­diais de pas­sagem e ope­ração dos fundos de in­ves­ti­mento mo­bi­liá­rios», como as­si­nalou o de­pu­tado co­mu­nista Ho­nório Novo, que la­mentou que o Go­verno as­suma como boa a pre­sença desses fundos e con­si­dere mesmo que não se podem afu­gentar.

Opi­nião con­trária tem o PCP, para quem tais fundos são «ins­tru­mentos da des­graça eco­nó­mica e so­cial em que es­tamos mer­gu­lhados», «rostos in­vi­sí­veis da crise» que o Go­verno não quer mo­lestar nem quer «que se des­cu­bram».

E por isso, acusou, o nosso País está trans­for­mado numa es­pécie de pa­raíso fiscal onde SGPS (So­ci­e­dades Ges­toras de Par­ti­ci­pa­ções So­ciais), Fundos Mo­bi­liá­rios de Alto Risco e en­ti­dades re­si­dentes no ex­te­rior, quase nada pagam de im­postos ao Es­tado.

 

Me­didas que a di­reita travou

 

Foram quatro os pro­jectos de lei do PCP por maior jus­tiça fiscal que o PS e o PSD in­vi­a­bi­li­zaram (em três deles também com os votos ne­ga­tivos do CDS/​PP).

Tra­tava-se, no pri­meiro caso, de taxar com um valor quase sim­bó­lico (0,1%) as tran­sac­ções em bolsa, fluxos que só nos anos de 2007, 2008 e 2009 as­cen­deram na Bolsa de Lisboa a mais de 370 mil mi­lhões de euros. Contas feitas, para o PCP, a apli­cação da taxa por si pre­co­ni­zada per­mi­tiria uma re­ceita anual entre 130 e 140 mi­lhões de euros.

Também as trans­fe­rên­cias fi­nan­ceiras para pa­raísos fis­cais se­riam abran­gidas pelo novo im­posto. Só entre 2005 e 2009 saíram do País para off-shores 78 mil mi­lhões de euros, se­gundo dados re­fe­ridos pela ban­cada co­mu­nista que fez os cál­culos re­la­tivos ao ano de 2009, em que saíram mais de 11 mil mi­lhões, e chegou à con­clusão que com a apli­cação de uma taxa de 20 por cento, como propõe, o Es­tado teria ar­re­ca­dado mais de 2200 mi­lhões de euros.

Pro­posto pelo PCP num se­gundo pro­jecto de lei era, por outro lado, a apli­cação ex­tra­or­di­nária de uma taxa efec­tiva de IRC de 25 por cento ao sector ban­cário, fi­nan­ceiro e grandes grupos eco­nó­micos, bem como a eli­mi­nação dos be­ne­fí­cios con­ce­didos na Zona Franca da Ma­deira.

Re­cor­dado no de­bate por Ho­nório Novo a este pro­pó­sito foi o facto de em 2009 os cinco mai­ores bancos a operar no nosso País terem ob­tido mais de 1720 mi­lhões de euros de lu­cros, quase cinco mi­lhões de euros por dia. Ra­zões de queixa não ti­veram igual­mente os cinco prin­ci­pais grupos na energia e te­le­co­mu­ni­ca­ções, com os lu­cros a atin­girem quase 2100 mi­lhões de euros. Ana­li­sados os nú­meros, os de­pu­tados co­mu­nistas con­cluíram que também neste ca­pí­tulo, caso ti­vessem vi­go­rado as taxas pro­postas pelo PCP, entre 2005 e o final do pri­meiro se­mestre de 2009 (quatro anos e meio, por­tanto), o Es­tado teria en­cai­xado mais 1240 mi­lhões de euros por via da banca e mais 2 250 de euros pro­ve­ni­entes dos grupos eco­nó­micos com lu­cros anuais su­pe­ri­ores a 50 mi­lhões de euros.

De grande al­cance era ainda a ter­ceira pro­posta do PCP – tri­butar de forma ex­tra­or­di­nária du­rante os anos de apli­cação do PEC os bens e pa­tri­mónio de luxo - , tendo em conta que, como foi dito no de­bate, «em tempos de crise», a úl­tima ge­ração das marcas de alta ci­lin­drada, tal como as casas de luxo muito acima de um mi­lhão de euros, «con­ti­nuem em alta».

Num quarto di­ploma era pro­posto, por fim, a re­vo­gação dos be­ne­fí­cios fis­cais con­ce­didos aos cha­mados PPR (Planos Pou­pança Re­forma), de que be­ne­fi­ciam apenas seis a sete por cento dos por­tu­gueses e que re­pre­senta uma perda de re­ceita para o Es­tado na ordem dos cem mi­lhões de euros anuais.

 

Fardo pe­sado

 

Au­mentos do IRS e do IVA in­te­gram o pa­cote de novos sa­cri­fí­cios apro­vado no dia 9 pelo PS e PSD em nome da re­dução do dé­fice. A pro­posta de lei go­ver­na­mental teve os votos contra do PCP, PEV, BE e CDS/​PP.

O agra­va­mento do im­posto sobre os sa­lá­rios, já a partir deste mês de Junho, será de um ponto per­cen­tual até ao ter­ceiro es­calão e de 1,5 a partir do quarto es­calão de IRS. Ao roubo nos sa­lá­rios acresce o au­mento da carga fiscal sobre a ge­ne­ra­li­dade das fa­mí­lias através do con­ge­la­mento das de­du­ções es­pe­cí­ficas nos pró­ximos quatro anos e da re­dução das de­du­ções à co­lecta nas des­pesas de edu­cação, saúde e ha­bi­tação.

Fardo pe­sado que se aba­terá já no pró­ximo dia 1 de Julho sobre o con­junto dos por­tu­gueses será também o au­mento em um ponto per­cen­tual de todas as taxas do IVA. A taxa re­du­zida que tem in­ci­dência nos bens de pri­meira ne­ces­si­dade, como a água ou o pão, passa de cinco para seis por cento, ou seja, é a que re­gista per­cen­tu­al­mente um maior agra­va­mento, na ordem dos 20 por cento; a taxa in­ter­média sobe de 12 para 13 por cento e, por úl­timo, a taxa normal passa de 20 para 21 por cento.

Não se li­mi­tando a ex­pressar a sua frontal dis­cor­dância com estas in­justas me­didas que vêm agravar ainda mais a vida dos tra­ba­lha­dores e do povo, o PCP deixou claro no de­bate que há so­lu­ções al­ter­na­tivas. Bas­ta­riam as suas pro­postas des­ti­nadas a pe­na­lizar as tran­sac­ções para off-shores, as tran­sac­ções bol­sistas e os bens e pa­tri­mónio de luxo – pro­postas que o PS e o PSD chum­baram nesse mesmo dia - , e, só esse grupo de pro­postas, como sa­li­entou o de­pu­tado Ho­nório Novo, per­mi­tiria obter uma re­ceita fiscal três vezes su­pe­rior àquela que o Go­verno conta atingir com o pa­cote agora apro­vado.

Na linha das po­lí­ticas que vêm de­fen­dendo, claro está que não foi essa a opção nem do PS nem do PSD. E por isso, em ma­téria de op­ções, as­sistiu-se de novo a um cla­ri­ficar de po­si­ções no Par­la­mento: «En­quanto o PS e o PSD optam por pe­na­lizar aqueles que já mais nada têm para dar, o PCP, pelo con­trário, opta por pe­na­lizar quem pode pagar mais, os que nunca pa­garam im­postos, os bens de luxo, e assim ga­rantir maior jus­tiça fiscal».

 



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