O aumento da pobreza
Ao princípio foi o Orçamento de Estado, aprovado por tudo o que é PS.
Depois veio o PEC considerado credível, saudado pelas instituições internacionais e propalado pelas vozes do dono.A seguir veio, «a bem da nação», o acordo «Sócrates-Passos Coelho».Entretanto, em todas estas etapas houve tantos interlúdios quantas as vontades dos directórios da UE e tantas notações financeiras quantos os interesses dos especuladores.
Nos próximos anos esta dramática história repetir-se-á, salvo se, até lá, não houver, como propõe o PCP, uma ruptura democrática com as actuais políticas.
Embora, em 13 de Maio, o Governo de José Sócrates tivesse aproveitado a boleia, em termos mediáticos, daquilo que ainda restava da euforia benfiquista e da missa do Papa em Fátima, a verdade é que os dois «efes», o «efe» de futebol e o «efe» de Fátima, não sublimaram junto da opinião pública aquilo que na nossa história recente é o maior projecto destinado ao aumento da pobreza em Portugal.
A pobreza vai aumentar, não tenham a este respeito quaisquer dúvidas, caros leitores, salvo se o nosso povo, como se espera, a isso se opuser.
Quem serão as vítimas? A generalidade da população, por via do aumento das taxas do IRS e do aumento das despesas por via do aumento do IVA.
Serão os trabalhadores da função pública e das empresas do sector empresarial do Estado, por via do congelamento directo dos salários.
Serão os trabalhadores do sector privado da economia por via do boicote à contratação colectiva.
Serão os desempregados por via da redução do respectivo subsídio, a pretexto da mistificação de que os desempregados não só não querem trabalhar como o respectivo subsídio supera o rendimento líquido que anteriormente usufruíam.
Serão os beneficiários dos regimes não contributivos da Segurança Social, bem como aqueles que tendo efectuado descontos beneficiam do complemento solidário para idosos e das pensões mínimas.
As vítimas serão, também, os cerca de 550 000 pensionistas e reformados da função pública e os cerca de 2 900 000 pensionistas e reformados do sistema público de Segurança Social.
Falemos, por agora, destes últimos e, na parte final do artigo de algumas situações ligadas ao regime não contributivo.
Perda de poder de compra dos pensionistas e reformados
O ataque aos reformados e pensionistas não é de agora, como alguns comentadores querem fazer crer.
Em finais de 2006, na AR, foram, pelo PS, aprovadas as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, bem como o Indexante dos Apoios Sociais e as novas regras de actualização das pensões e outras prestações sociais, normas que entraram em vigor em Janeiro de 2007.
O que é que essa gente que está no Governo pretendeu com tais medidas?
Em 1º lugar pretendeu evitar que os reformados lutassem pela equiparação das pensões mínimas ao salário mínimo nacional.
De que forma?
Criando o IAS (Indexante dos Apoios Sociais) cujos valores, ao longo dos anos, têm sido sistematicamente inferiores ao salário mínimo nacional fixando-se, actualmente, em 419,22 euros, enquanto, como todos sabem, o salário mínimo nacional é actualmente de 475 euros.
Em 2º lugar criou 4 escalões de rendimentos com o pretexto de adequar os aumentos ao valor das pensões.
Em 3º lugar pretendeu fazer corresponder as actualizações das pensões à evolução da economia, mais concretamente à evolução do PIB (produto interno bruto).
Em 4º lugar balizou as actualizações ao valor da inflação.
Quanto aos escalões de rendimentos eles são os seguintes:
- 1.º escalão (igual ou inferior a 1,5 do IAS; actualmente corresponde a 628,83 euros);
- 2.º escalão (entre 1,5 e 6 vezes o IAS; actualmente corresponde entre 628,83 euros e 2515,32 euros);
- 3.º escalão (superior a 6 e inferior a 12 vezes o IAS; actualmente corresponde entre 2515,32 euros e 5030,64 euros);
- 4.º escalão (igual ou superior a 12 vezes o IAS; actualmente corresponde a 5030,64 euros).
Quanto aos escalões relativos ao crescimento da economia eles são os seguintes:
- igual ou superior a 3%;
- igual ou superior a 2 e inferior a 3%;
- inferior a 2%.
Correlacionando toda esta miscelânea numérica, pretensamente científica, vejamos então como se processa a degradação das pensões em função do crescimento da economia, da taxa de inflação e das respectivas indexações aos escalões de rendimentos. Assim:
1.º O produto interno bruto cresce a um valor igual ou superior a 3%:
- as pensões entre 6 e 12 vezes o IAS (entre 2515,32 e 5030,64 euros) não terão um aumento real dado que as mesmas serão actualizadas num valor igual à taxa de inflação;
- as pensões entre 1,5 e 6 vezes o IAS (entre 628,83 e 2515,32 euros) serão actualizadas na base da inflação, acrescidas de 12,5% da taxa de crescimento do PIB;
- as pensões iguais ou inferiores a 1,5 vezes o IAS (628,83 euros) serão actualizadas na base da inflação acrescidas de 20% da taxa de crescimento do PIB.
2.º O produto interno bruto cresce a um valor igual ou superior a 2% e inferior a 3%:
- as pensões entre 6 e 12 vezes o IAS (entre 2515,32 e 5030,64 euros) terão um aumento negativo, ou seja, a actualização corresponderá à taxa de inflação menos 0,25 pontos percentuais;
- as pensões entre 1,5 e 6 vezes o IAS (entre 628,83 e 2515,32 euros) não terão um aumento real dado que as mesmas serão actualizadas num valor igual à taxa de inflação;
- as pensões iguais ou inferiores a 1,5 o IAS (628,83 euros) serão actualizadas na base da inflação acrescidas de 20% da taxa de crescimento do PIB, com um limite mínimo de 0,5 pontos percentuais.
3.º O produto interno bruto cresce num valor inferior a 2%:
- as pensões entre 6 e 12 vezes o IAS (entre 2515,32 e 5030,64 euros) terão um aumento negativo, ou seja, a actualização corresponderá à taxa de inflação menos 0,75 pontos percentuais;
- as pensões entre 1,5 e 6 vezes o IAS (entre 628,83 e 2515,32 euros) terão um aumento negativo, ou seja, a actualização corresponderá à taxa de inflação menos 0,50 pontos percentuais;
- as pensões iguais ou inferiores a 1,5 o IAS (628,83 euros) serão actualizadas na base da inflação, pelo que não haverá aumento do poder de compra dos reformados incluídos neste escalão de rendimentos.
Como se vê as actualizações das pensões estão dependentes de quatro factores: o escalão de rendimentos, o valor do IAS, a taxa de inflação e o comportamento da economia, na base da evolução do produto interno bruto.
Resumindo:
- se a economia crescer acima dos 3% não haverá crescimento real das pensões para todos aqueles com rendimentos superiores a 2515,32 euros;
- se a economia crescer entre 2% e 3% não haverá crescimento real das pensões para todos aqueles com rendimentos superiores a 628,83 euros;se a economia crescer abaixo dos 2% não haverá crescimento real das pensões para ninguém.
A armadilha do Governo do PS
O Governo de José Sócrates fez depender as actualizações das pensões do conjunto de variáveis atrás referidas, todas elas a influenciarem o respectivo valor, embora uma delas seja a mais importante: a evolução da economia, medida pelo crescimento do PIB.
O que é que isto quer dizer?
Quer dizer que aquilo que produzimos na agricultura, na captura de pescado, na indústria extractiva, na indústria transformadora, na construção civil e obras públicas, nos transportes, no comércio, no turismo e restantes serviços, tudo isso somado ao cêntimo influencia a actualização das reformas.
Ora acontece que uma parte significativa do PIB oficial português deriva da existência de poderosas empresas estrangeiras que, quando bem lhes aprouver, levantam a tenda e instalam-se em outras regiões, afectando assim o PIB e, reflexamente, influenciando negativamente o valor da actualização das reformas.
Por exemplo, no sector automóvel, as empresas estrangeiras detêm 100% do capital em 51,3% das unidades instaladas em Portugal.
Daqui decorre que o Governo de José Sócrates colocou em decisores localizados, designadamente, em Berlim, Paris, Londres e Nova Iorque a fixação do valor das nossas reformas.
Mas mesmo que não haja deslocalizações, o que é que está projectado para os próximos anos em termos de evolução economia?
Uma miséria.
Com efeito, o FMI prevê, até 2015, um crescimento médio da nossa economia na ordem dos 0,8%.
A própria OCDE na sua previsão até 2017 prevê, igualmente, valores modestos.
O que é que isto significa?
Significa que nos próximos anos, por vontade expressa do PS, de acordo com uma lei votada na AR, não haverá não só um aumento real do valor das pensões para ninguém como, ao invés, haverá uma regressão no seu poder aquisitivo.
E tudo isto porquê?
Porque esse partido, em consonância com os restantes partidos da direita, impôs ao País um modelo de desenvolvimento privilegiando a financeirização da economia em detrimento da poupança e posterior investimento, com taxas de juro adequados, no sector produtivo, designadamente na área alimentar onde o nosso défice constitui um crime lesa-pátria.
Um país em que a banca, em Janeiro do corrente ano, concedeu 7,2% do crédito total às actividades ligadas à agricultura, produção animal, silvicultura, pesca, indústria extractiva e indústria transformadora e, por outro lado, em idêntico período, concedeu 17,2% às actividades imobiliárias, alugueres e serviços prestados às empresas, é um país votado a uma situação dramática, mercê das políticas erradas do PS, PSD e CDS-PP.
Numa altura em que se diabolizam os confrades das agências de notação financeira (tão amigos que eles eram) é bom ter presente que não foi essa matilha de predadores que afectou a soberania nacional, que alienou o sector empresarial do Estado, não foi ela que destruiu o nosso aparelho produtivo, não foi ela que pulverizou a nossa poupança e subverteu o critério do bom investimento, não foi ela que, por omissão e intervenção, fomentou a corrupção, nem foi ela que impôs ao País a vertigem do consumo por via do crédito em vez do consumo por via de melhores salários e melhores reformas.
Os responsáveis por tudo isso estão cá dentro, nos 92 094 km2 do território português.
É a esses que o povo português deve exigir explicações e é contra os interesses desses que deve ser exigida uma ruptura democrática.
Tal não invalida, na vertente externa, a luta contra os directórios das grandes potências que conformam a nossa vivência aos seus exclusivos interesses, nem invalida a luta contra os agiotas que, a coberto da «economia de casino» e da permissividade dos governos, manipulam as taxas de juro e o sobe-e-desce das acções, à revelia do verdadeiro desempenho da economia real.
As medidas de austeridade decorrentes do IVA
Por falta de espaço não nos é possível analisar cada uma das medidas que irão afectar o nível de vida dos trabalhadores, dos reformados e dos mais desfavorecidos.
Vejamos um exemplo: o Governo propõe-se aumentar o escalão mais baixo do IVA em mais um ponto percentual, passando de 5% para 6%.
Ora acontece que esta taxa vai abranger produtos de primeira necessidade, designadamente, produtos alimentares, medicamentos, água, etc.
Tal aumento aplica-se a todos os consumidores, quer sejam ricos quer sejam pobres.
Só que a estrutura de despesas de uns e outros é bastante diferente.
Com efeito, enquanto as despesas com produtos alimentares representam 19,3% no conjunto do total das despesas dos reformados, esse valor baixa para os 11,4% nos agregados que vivem dos rendimentos de propriedade e de capital.
No caso das despesas com saúde aquelas percentagens correspondem a 10,8% e 6,7%, respectivamente.
Se a desagregação não for feita em termos de extracto social mas na base dos rendimentos dos agregados familiares a conclusão é a seguinte: as despesas com produtos alimentares representam 31,6% do total das despesas das famílias com rendimentos anuais inferiores a 4500 euros, enquanto naquelas com rendimentos iguais ou superiores a 18 000 euros aquela percentagem é de 14,8%.
Moral da história: o IVA é igual para todos. Só que o esforço para o pagar é mais penoso para uns e mais benigno para outros. O preço de uma embalagem de leite para uns pesa no orçamento mensal, para outros tal aumento é música de ouvido.
As medidas de austeridade para o regime não contributivo
Na primeira parte deste artigo debruçámo-nos sobre as pensões do regime contributivo, ou seja, as pensões daqueles que efectuaram descontos para o sistema de Segurança Social. Vejamos agora o que se passa, em alguns aspectos, no regime não contributivo.
Comecemos por uma pérola ideológica.
Na página 19 do Programa de Estabilidade e Crescimento, vulgarmente conhecido pelo PEC, o Governo deu-nos esta prosa:
«No domínio das prestações sociais, pretende-se aplicar uma política de controlo da evolução destas despesas, para que o seu peso no PIB se situe em limites sustentáveis para a economia portuguesa e para o equilíbrio das contas públicas».
Maior clareza ideológica não é possível exigir. Está tudo dito quanto às opções do PS.
Com efeito, o Governo «socialista» adequa as despesas sociais ao valor do crescimento da economia (PIB) e não à preocupação de esbater as enormes diferenças na distribuição da riqueza, sabendo-se, como se sabe, que Portugal detém um dos maiores coeficientes entre os rendimentos dos 20% mais pobres comparativamente aos 20% da população mais rica.
Bastariam medidas práticas no sentido de diminuir tal fosso para que houvesse uma melhoria nos rendimentos dos mais desfavorecidos, sem que daí resultasse qualquer consequência a nível do PIB, do equilíbrio das contas públicas e dos défices constantes do cardápio do sistema.
Haveria, isso sim, uma menor concentração de riqueza nuns quantos.
Mas o caminho do PS não é este.
É o de reduzir as prestações sociais do regime não contributivo (como fez para o regime contributivo) como a seguir se exemplifica.
Vejamos o que está previsto para o Rendimento Social de Inserção.
Em 2009, os encargos com tal subsídio orçaram em 507,8 milhões de euros.
Em 2010, os encargos estimados orçam os 495,2 milhões de euros, valor que desce para 400 milhões em 2011 e 370 milhões em 2012.
Tendo em conta os vários anos e tendo em conta o número de beneficiários vigentes em cada ano, poderíamos simular tantos cálculos quantos os anos.
Vamos simplificar e atender apenas ao ano de 2010, onde, em Fevereiro, havia cerca de 400 000 beneficiários.
Por razões de facilidade de cálculo vamos admitir que esse número é constante ao longo do ano.
A ser assim a conclusão é a seguinte: em 2011, devido ao corte deste subsídio, haverá menos 77 000 utentes do Rendimento Social de Inserção.
Numa altura em que há mais desemprego, mais impostos sobre o trabalho, mais impostos sobre o consumo e menos dinheiro disponível, tudo indica que haverá mais pobreza.
Pois bem. Num cenário de aumento da pobreza haverá mais 77 000 portugueses abandonados à sua sorte e mais obrigados a estender a mão à caridade, em detrimento do dever do Estado de respeitar o seu direito de cidadania consagrado na Constituição.
Mas o que se passa com o Rendimento Social de Inserção, a contento do CDS-PP, não é caso isolado.
As prestações no regime não contributivo vão, todas elas, ser afectadas.
Referimo-nos, entre outras, ao abono de família, à pensão social, às pensões mínimas, ao complemento solidário para idosos.
Embora o Governo não tenha apresentado, detalhadamente, a ementa dos cortes sabe-se, pela evolução das transferências do Orçamento de Estado para a Segurança Social, que o valor atribuído a 2013 será inferior, em termos nominais, em cerca de 600 milhões de euros, comparativamente a 2010.
Em termos reais o valor será muito superior.
Se em vez de falarmos da transferência atrás referida falarmos de redução de despesas sociais, então estaremos perante uma quebra de cerca de 1009 milhões previstos até 2013.
Com tal brutal redução de prestações sociais quantos pobres irão ser criados?
Neste momento, em Portugal, existem cerca de 2 milhões de pobres, cujas taxas de risco de pobreza são as seguintes:
- crianças e jovens até à idade de 17 anos: 23%;
- idosos com 65 e mais anos: 22%;
- trabalhadores: 12%.
No próximo ano e no futuro que se segue quantos serão?
Serão, em função da luta de classes, de duas, uma:
- ou serão muito mais se o acordo bicéfalo «Sócrates-Passos Coelho» tiver vencimento;
- ou serão muito menos se o povo português assegurar a ruptura com a política de direita, ruptura que resgate o País do abismo e que garanta aos trabalhadores e ao povo português a melhoria das suas condições de vida.
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Fontes:
- Inquérito aos Orçamentos Familiares, INE, 2002;
- Inquérito às Despesas das Famílias, INE, 2008;
- Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013;
- Diário de Notícias de 12/4/2010;
- Jornal Público de 25/3/2010 e de 23/5/2010;
- Boletim Estatístico – 2010 – Banco de Portugal, citado por Eugénio Rosa;
- Projecto de Relatório da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais, tendo como Relatora Ilda Figueiredo;
- Comunicado do Comité Central do PCP, de 17/5/2010.