O mundo visível dos anjos...
Na «angeologia» ou tratado angélico (um capítulo importante da teologia romana) os «anjos» são considerados puros espíritos e «seres por natureza pessoais e imortais». Na esfera do seu mundo invisível foram elevados por Deus ao estado sobrenatural e estão associados à glória divina. Os anjos são em grande número e presume-se que haja um «anjo da guarda» por cada ser humano vivo. Os anjos, declara a teologia católica com a sua minúcia habitual, encontram-se agrupados em nove «coros» e em três hierarquias. A tradição cristã conhece a composição desta elite dos seres celestes: são serafins, querubins, tronos, dominações, virtudes, potestades, etc. Importa, no entanto, distinguir entre «anjos bons» e «anjos maus». Os «bons» obedecem em tudo a Deus, representado na Terra pela Igreja e pelo Papa. Os «maus», são aqueles que, no momento da Criação, se revoltaram contra Deus. O Ser Supremo agiu então com rapidez. Os anjos maus foram punidos, expulsos do paraíso e lançados nas chamas do Inferno. Mas como são imortais continuam vivos. Recebem o nome de «anjos caídos», demónios ou diabos e são comandados por Lúcifer, também conhecido como Satanás. Continuam intensamente activos no seu propósito de destruir a Igreja. Tudo isto bem espremido daria «pano para mangas». A história é infantil mas tem governado o mundo. Porque, afinal, é sobre fantasias destas que a Igreja constrói os seus dogmas, a hierarquia oferece ao Papa o seu punho de ferro e a religião funciona como ópio do povo. Os críticos e os insubmissos devem curvar-se e obedecer ou terão as penas dos «anjos caídos»... Ninguém pode contestar a vontade de Deus que subtilmente a tradição associa à vontade do Papa. E os estados católicos e obedientes também são premiados com o seu quinhão. Os «anjos bons» velarão por eles e pelas elites que os governam. Neste caso, recebem a designação de «anjos custódios». Noutro recanto do Vaticano escondem-se os «acólitos». O «acólito» é um sacerdote leigo encarregado de ajudar à missa. A sua intervenção litúrgica apoia-se nos coros cantados pelos «meninos de coro» também chamados «meninos de Deus». Os sacerdotes católicos revêem-se neles e consideram-nos como seus filhos. Neste labirinto de alçapões teologais acaba por se esconder todo um sistema de segurança da hierarquia da Igreja que lhe permite, a cada momento, passar da defensiva à ofensiva, forçar a obediência, fustigar e fugir. É o que está a acontecer com o famoso «caso dos padres pedófilos». A carne é fraca e a Igreja eterna Rebentou o escândalo e provou-se que os casos de pedofilia na Igreja não são acontecimentos isolados, antes representam uma prática sistematizada entre a classe clerical. O Vaticano mediu imediatamente a alta gravidade desta situação e montou o seu esquema de segurança e de fuga. Justamente a partir daqueles dados infantis que referimos. Pedofilia entre os padres? Quem o poderá provar a não ser a Igreja? O Vaticano – e só ele – irá investigar. A questão é que por detrás das acusações de pedofilia se esconde uma ofensiva concertada contra a Igreja católica. Os «anjos maus» não cessam de flagelar o Vaticano com o veneno dos escândalos e das intrigas. Pedofilia sistemática? Acusar é fácil mas é preciso fundamentar as acusações. Onde estão as listas com os nomes dos violadores e dos violados? Que as apresentem os que tanto falam já que a Igreja não trai os seus. O Vaticano vai investigar. Expulsar os padres? Nunca. Deus é amor e a carne é fraca. É preciso ter a coragem de saber perdoar. Depois, a Igreja não se pode dar ao luxo de perder sacerdotes. Já há poucos e os que estão, ficam. Mas o Vaticano promete investigar. Há crise no capitalismo e há crise na Igreja. E as crises, para serem vencidas, requerem força e obediência total. O Vaticano «conta baionetas» e engrossa o discurso. Disse há dias o secretário de Estado de Ratzinger, cardeal Narciso Bertini, dirigindo-se a uma audiência de banqueiros e grandes empresários: «A Igreja ainda goza de grande confiança entre os fiéis. Há quem queira minar essa confiança, mas a Igreja tem uma ajuda especial que vem do alto». Podemos estar certos de que nada acontecerá. A justiça laica não intervirá e o Vaticano irá deixar cair o assunto no esquecimento. «Acólitos» (como é o caso do Cardeal-Patriarca) virão em socorro de Ratzinger, da hierarquia e da Igreja, tão difamada que ela foi pelas ofensas dos «anjos maus» a Jesus e a Maria. Depois, cai o pano e a pedofilia continua.