6.º Congresso da CNA

Agricultores unidos contra a política de direita

Sob o lema «Queremos produzir! Mudar de políticas agro-rurais. Promover a agricultura familiar», mais de três mil agricultores, compartes e povos dos baldios, de vários pontos do País, participaram, domingo, no 6.º Congresso da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Durante aquele dia, na Nave Desportiva de Espinho, alertou-se para diversos problemas, nomeadamente o preço dos factores de produção, o escoamento dos produtos a preços compensadores, as dívidas do Estado/Governo aos agricultores e a ausência de linhas de crédito.

Os problemas são muitos e agravam-se

«Todos juntos aqui estaremos em prol da agricultura e do mundo rural», no início dos trabalhos deste Congresso, que aconteceu, pela primeira vez, no distrito de Aveiro, região marcadamente agrícola, onde continuam a trabalhar milhares de agricultores, produzindo alimentos, a contribuir para reduzir o défice alimentar e garantir a soberania alimentar do nosso País. «Os problemas são muitos e agravam-se. Que o digam os produtores de leite, nesta que é uma das regiões que mais o produz, onde o preço pago ao produtor não chega para superar o custo da produção. Que o digam, também, os produtores de vinho, da região demarcada da Bairrada, que não o conseguem vender. Que o digam os horticultores que, afectados pelo mau tempo, viram perdidas as suas produções», descreveu Miguel Bento, da CNA e da ALDA. Este 6.º Congresso foi marcado pela ausência de uma pessoa: Roberto Mileu, dirigente da CNA, que faleceu em Dezembro de 2009, «mas cujo o trajecto profissional e associativo é para nós um exemplo». «Na nossa memória, Roberto Mileu continuará a ser um lutador e um companheiro de sempre da CNA e dos agricultores», valorizou o jovem dirigente. Fez-se então um minuto de silêncio em sua memória. De seguida, depois da intervenção do presidente da Câmara de Espinho, que desejou a todos os participantes «um bom trabalho», fez-se um balanço dos últimos três anos da agricultura nacional, que ficaram marcados pelo adiamento, constante, por parte do Governo, dos pagamentos das dívidas que tinha para com os agricultores e suas organizações. Três anos de intensas lutas travadas por aqueles que trabalham a terra, que reclamaram e reclamam outras e melhores políticas, com destaque para as manifestações nacionais de Lisboa e do Porto. «Foi essa acção firme, de milhares de agricultores, que permitiu a intensificação da luta e a contestação das políticas erradas do anterior governo. Contribuímos para a derrota da maioria absoluta. Lutámos contra as injustiças e na defesa dos nossos interesses e direitos», disse José Manual Lobato, que lamentou, por exemplo, a diminuição em cerca de 10 por cento (500 milhões de euros), nos últimos três anos, da verba do Orçamento do Estado para a agricultura. Criticou, de igual forma, o facto de o Executivo PS ter terminado com as ajudas à «electricidade verde», de ter implementado as taxas de recursos hídricos e de ter aumentado, em 50 por cento, os custos das contribuições mensais para a Segurança Social. «O Governo desprezou a importância económica e social que a agricultura desempenha no País», lamentou. Por seu lado, João Dinis, também da Direcção Nacional da CNA, falou das propostas e opiniões da Confederação para a agricultura portuguesa e o mundo rural. «Portugal já depende demasiado do estrangeiro para se alimentar. Já paga quase quatro mil milhões de euros, por ano, pela diferença entre aquilo que exporta e aquilo que importa», denunciou, lembrando que muitos dos produtos que vêm do estrangeiro «nós sabemos e podemos produzi-los». Uma situação que já acontece há cerca de 20 anos, com a entrada de Portugal na União Europeia. «Portugal precisa de um novo ProDer (Programa de Desenvolvimento Rural) que considere estratégicas as explorações agrícolas e familiares», defendeu. João Dinis manifestou-se ainda contra o Programa de Estabilidade e Crescimento que vai efectuar «ainda mais cortes e contenções no investimento público e nos apoios à agricultura, e que vai contribuir para o empobrecimento do País». As consequências da política de direita O 6.º Congresso da CNA contou, entre outras organizações, com a presença de uma delegação do PCP, composta por Ilda Figueiredo, deputada no Parlamento Europeu, Agostinho Lopes, deputado do PCP na Assembleia da República, e de João Frasão, da Comissão Política. Ao Avante!, a eurodeputada comunista manifestou a sua satisfação com aquele «grande Congresso», onde foram expressas «as posições de uma agricultura e de agricultores» que «têm sido profundamente afectados pela Política Agrícola Comum (PAC), mas também pela aplicação que em Portugal tem sido feita pelos sucessivos governos portugueses». «Estiveram aqui, em cima da mesa, as consequências dessa política que levou ao abandono de terras, à diminuição da produção agrícola, quando esta é essencial para a alimentação da população», afirmou Ilda Figueiredo, dando conta dos sectores mais afectados: o leite, o vinho, a batata, as hortícolas, os cereais, a carne. «Há necessidade de uma outra política que apoie efectivamente quem trabalha a terra, quem produz bens essenciais à alimentação, e, num momento em que se começa a falar da PAC, é bom que quer o Governo português, quer o Parlamento Europeu, ouçam as críticas e as propostas dos agricultores», avisou. CNA reclama mais apoios A parte da tarde ficou marcada pela realização de três sessões, que abordaram os problemas da «Floresta, baldios e ambiente», da «Pecuária - carne e leite» e da «Agricultura – produção vegetal». «Se há milhões para a banca, para dar prémios aos grandes administradores, para dar aos grandes proprietários para não produzirem, perguntamos: porque é que não há dinheiro para ajudar a resolver o problema ambiental e de saúde nacional? Haja vontade política para investir em quem quer trabalhar e quer produzir alimentos bons», disse Albino Silva, que propôs, entre outras, a «suspensão imediata dos actuais processos legislativos de licenciamento das explorações pecuárias» e, no futuro, «um processo legislativo simplificado, com um enquadramento legislativo, que apoie os agricultores». Da Confederação das Associações de Camponeses e Cooperativas Agro-pecuárias de Angola, uma das delegações que estiveram presentes no Congresso da CNA, veio a informação de que o o governo angolano «está seriamente empenhado em investir na agricultura, como forma de diversificar a economia do País, a fim de fazer face aos efeitos devastadores da crise». «Continuamos a trabalhar na procura de soluções que permitam o relançamento da agricultura familiar», afirmou o dirigente da confederação (com cerca de 800 mil famílias), que foi declarada, recentemente, uma organização de utilidade pública. Manuel Rodrigues, presidente da Assembleia Geral da CNA, encerrou os trabalhos do Congresso da CNA, afirmando: «Queremos, precisamos urgentemente, uma outra política agrícola». «Saímos daqui com uma convicção e um desafio: Ou resolvem os nossos problemas fundamentais ou ter-nos-ão, mais depressa do que pensam, de novo na rua, em luta, até que as promessas do Governo sejam cumpridas», afiançou. No sábado, realizou-se um Seminário Internacional dedicado ao tema «Política Agrícola e Alimentar Comum para o pós 2013 na óptica da soberania alimentar». Estiveram, nesta acção, países como a Suíça, Austria, Bélgica, Chipre, Grécia, Galiza, País Basco, EUA, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné Bissau e Mali. 10 medidas urgentes Não há tempo a perder! Durante os trabalhos foi aprovada, por unanimidade, uma resolução onde se reclama do Governo 10 medidas de emergência contra a crise da agricultura e do mundo rural.Intervenção do Governo para garantir o escoamento e melhores preços na produção do leite – aqui com a atribuição de um complemento de preço que garanta 40 cêntimos por litro, e para a carne, nestes casos dando aliás cumprimento a uma «resolução» da Assembleia da República – e intervenção do Governo para garantir melhores preços também para: arroz; cereais; vinho; hortofrutícolas; frutos secos; batata; madeira. ● Aumento do «benefício fiscal» (desconto) para o gasóleo agrícola e reposição da ajuda à electricidade verde ao nível de 2005 (40 por cento de desconto). ● Combate à especulação com os preços dos combustíveis, da electricidade, das rações, dos adubos e outros factores de produção. ● Pagamento das dívidas. do Estado/Governo aos agricultores e à lavoura ● Isenção temporária do pagamento das contribuições mensais dos agricultores para a Segurança Social. No futuro próximo, garantir uma grande redução das contribuições mensais dos agricultores por escalões consoante os rendimentos das explorações, e sem perda de direitos. ● Criação de linhas de crédito altamente bonificadas e a longo prazo (de 10 a 20 anos) para o desenvolvimento e para o investimento nas explorações agrícolas e nas cooperativas. ● Avaliação dos critérios da situação das doenças e pragas nos animais e nos vegetais – com destaque para a «língua azul» e para o nemátodo – de forma a adequar os respectivos planos de controlo e/ou erradicação, inclusive com o reforço dos respectivos meios técnicos e financeiros que lhes estão destinados, o que também passa pela reabertura dos serviços do Ministério entretanto encerrados. ● Reformulação do ProDer – Programa de Desenvolvimento Rural, de forma a apoiar, prioritáriamente, as explorações agrícolas familiares, a produção nacional, a floresta de uso múltiplo, os mercados locais e regionais e o mundo rural. ● Nas negociações sobre a PAC, Política Agrícola Comum, o Governo português deve garantir o aumento, para o nosso País, das «quotas» e direitos de produção bem como aumento das verbas comunitárias destinadas à agricultura portuguesa. ● Naquilo que ao sector leiteiro mais diz respeito, é tempo de o Governo português e da União Europeia tomarem medidas urgentes que os produtores e várias organizações agrícolas vêm reclamando a nível nacional e europeu: aumento do preço do leite (e da carne) na produção; manutenção das «quotas» leiteiras nacionais após 2015; anulação do aumento das «quotas» em cinco por cento até 2013 – este, como se sabe, um aumento intercalar de «quotas» nacionais decidido no chamado «Exame de Saúde» da PAC aprovado em 2008 e que muito já está a contribuir para o agravamento da crise no sector. Governo despreza agricultura Na primeira moção os cerca de 500 delegados propuseram a reformulação do Proder (Programa de Desenvolvimento Rural), adaptando-o muito mais e melhor à realidade da agricultura e às reais necessidades do País. «Por opção política do Governo, Portugal esteve mais de quatro anos seguidos sem aprovar para a agricultura um único projecto de investimento AGRO e agora do ProDer da iniciativa dos agricultores. Um grave erro!», denuncia o documento, que acusa o Executivo PS de «obsessão» pelos critérios da alegada «competitividade» que «marginaliza os pequenos investimentos, as baixas taxas de cofinanciamento em conjunto com regras e critérios que não se adequam à grande maioria das explorações nacionais». Numa outra moção, que tinha como tema o lema do Congresso, os agricultores lembraram que «produzir alimentos não é a mesma coisa do que produzir parafusos ou máquinas de lavar louça». «A produção de alimentos não pode ser considerada como se fosse uma qualquer produção industrial. Queremos produzir bons e acessíveis alimentos porque esse é o nosso trabalho e nessa função nobre se deve ocupar melhor a nossa terra mãe», afirmam, defendendo que o Governo «deve fazer um controlo severo às importações e impedir a “ditadura” comercial das grandes superfícies comerciais». Agricultores endividados Por último, alertou-se para o facto de os agricultores continuarem a ser «obrigados a pagar contribuições caríssimas para a Segurança Social, em tempos de crise e sem capacidade económica para o fazerem». «Os agricultores portugueses estão a ser afastados, por motivos económicos, do acesso ao sistema normal de Segurança Social. É um retrocesso até antes do 25 de Abril», acusaram, explicando: «O Governo veio a terreiro com um novo Código Contributivo em que – disseram-nos – fazia baixar o custo das contribuições mensais para a Segurança Social. Assim, o valor actual da taxa contributiva no regime alargado é de 32 por cento que depois incide sobre um IAS e meio (Indexante de Apoios Sociais) – o que é praticamente um salário mínimo e meio –para dar o valor da contribuição mensal. Ora, no tal Código Contributivo o valor dessa taxa passaria para 28,3 por cento mas a incidir apenas sobre um IAS (um salário mínimo), como aliás era até 2005». «Mas para a maioria dos agricultores, aqueles que agora pagam 25,4 por cento sobre um IAS e meio no regime obrigatório, esses viriam também a pagar a mesma taxa de 28,3 por cento sobre um IAS pois passava a haver um só regime em que, repete-se, pagando-se agora um pouco menos de contribuição, também mais tarde as pensões e reformas seriam bastante reduzidas», acusa a CNA, que continua a «propor» e a «reclamar» ao Governo e aos órgãos de soberania «a criação de um regime especial de Segurança Social para os agricultores». Todos estes documentos foram aprovados por unanimidade e aclamação, um sinal claro do descontentamento dos agricultores com a política que tem vindo a ser seguida pelos sucessivos governos.


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