Novas tarefas e novas forças

Jorge Messias
O tema que aqui figura como título foi sorvido na imortal obra de Vladímir Ilitch Lénine. Implica o tactear dos percursos da unidade da classe operária em vésperas da mudança revolucionária da sociedade capitalista burguesa. E permite, por comparação, preverem-se os tempos que aí vêm, a partir dos tempos que passaram. Na Rússia czarista, sobretudo depois da chacina de milhares de manifestantes, em S. Petersburgo (1905), explodiu espontaneamente uma insurreição caracterizada pelas greves em cadeia da classe operária e pelas revoltas dos militares e dos camponeses. Os marinheiros do «Potenkine» sublevaram-se. Por toda a Rússia surgiram levantamentos, da Frota do Mar Negro aos sovietes de Moscovo, de Kiev, de Odessa, de Samara, de Rostov, etc. Através de múltiplas paralisações, o proletariado lutou pela jornada de trabalho das oito horas diárias e aproximou-se dos «camponeses sem terra» e dos excluídos (a Rússia czarista albergava 10 milhões de miseráveis desprovidos de qualquer rendimento). Dir-se-ia ser inevitável o triunfo da Revolução. Mas o poder czarista tudo afogou em sangue. Bastaram dois anos para asfixiar a revolta popular. Às insurreições dispersas seguiram-se doze anos do mais intenso terror. O essencial do aparelho revolucionário foi desmantelado e o passo dado em frente transformou-se em dois passos atrás. Cem anos depois, a história desses acontecimentos passou a constituir um guia para a acção revolucionária. Apesar da passagem dos anos, o contexto russo e o mundo circundante de que fazia parte revelam afinidades impressionantes entre um passado que não esquece e um presente em constante movimento. A Europa era - e é - imperialista. Os Estados Unidos da América constituíam já - e constituem - o núcleo central do grande capital monopolista. Os campos estavam - e estão - votados ao abandono. Era abismal – e assim continua a ser - o fosso entre pobres e ricos. As democracias não conseguiam disfarçar a sua irreprimível vocação para as guerras de rapina e para o regresso ao figurino ditatorial. Esta é também uma constante do momento actual. Intensificaram-se, por isso, por um lado, as formas de exploração do homem pelo homem; por outro lado, agudiza-se a luta de classes. Naturalmente que, um século depois, há novas forças nos dois campos e novas tarefas a desenvolver. No essencial, porém, impõe-se o mesmo combate e a mesma firmeza de posições, hoje como ontem. O potencial da gigantesca concentração de capitais é actualmente muito maior que aquele que caracterizou o poder capitalista em plena revolução industrial. Mas até neste aspecto é interessante observar que questões como as do petróleo ou do desenvolvimento das indústrias da guerra ocupavam um importante lugar no quadro internacional desses tempos antigos. Era já evidente que o domínio das novas tecnologias representava a chave-mestra do poder. Por isso, a concentração dos grandes capitais alimentou, até 1914, uma cadeia bélica de guerras regionais entrelaçadas que culminaram na I Grande Guerra mundial. Feita a paz, nem por isso a guerra acabou e o capitalismo motivou uma verdadeira girândola de outras guerras de conquista e de rapina «em rede», cada uma delas mais mortífera do que a outra. As guerras, para o capitalismo, geram lucros inesgotáveis, animam as bolsas e seleccionam as clientelas. São por isso benvindas. Os problemas sociais que elas criam podem ser convertidos em fontes de lucro dos mais ricos. Foi justamente no período da mais dura repressão, logo a seguir ao desencanto causado pela derrota de 1904/7 que Lénine produziu grande parte da sua obra teórica. E o seu pensamento concentrou-se então, sobretudo, em duas questões centrais: qual o significado dos conceitos de «Revolução» e de «Estado»? ; e que limites naturais tem o trabalho de organização no processo revolucionário? Já então estas questões complexas eram consideradas pelos comunistas como assuntos políticos com clarificação urgente. Lénine apontou o caminho do traçado internacionalista a percorrer: lutar pela instalação de um poder socialista que represente uma primeira fase do comunismo futuro; trazer para a luta as vanguardas do proletariado urbano e do campesinato; e esbater a essência das contradições existentes entre a pequena burguesia, o proletariado e a intelectualidade, através de orientações políticas inteligentes, oportunas e flexíveis. O que implica, naturalmente, falar-se com todas as forças vivas, incluindo neste naipe a Igreja católica.


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