O que faz falta
Está a televisão portuguesa a ampliar a diversidade e a qualidade da sua população virtual: já por lá rondam vampiros, já se anunciam as chamadas almas do outro mundo, neste caso representadas por intermediários devidamente credenciados. É o progresso, não pode ser outra coisa. Ainda assim, porém, não é de crer que a generalidade dos telespectadores, embora eventualmente fascinada pelas novas presenças visíveis ou invisíveis, se tenha tornado indiferente à vinda aos ecrãs de figuras clássicas e institucionais, designadamente à do Presidente da República. Neste caso, e para lá do óbvio interesse que de qualquer modo o PR sempre tem para qualquer telespectador que também é cidadão e não desiste de o ser, acontece o que aliás todos sabem: a vida política portuguesa tornou-se uma espécie de telenovela com episódios diários e uma considerável dose de suspense. Ora, como qualquer outra telenovela, também esta tem enredo e enredos, em tudo isso cabendo ao Presidente da República um papel que não sendo propriamente de protagonismo está longe de ser secundário. Tanto mais que é praticamente consensual que, a exemplo dos anteriores, também este senhor Presidente se prepara para ser de longa duração, a questão é que o deixem, o que aliás parece estar a ser preparado. Com tudo isto, que não é pouco, é mais que natural que as suas intervenções na TV, por breves que sejam, sejam vistas e ouvidas com a atenção que merecem e mesmo com a atenção que nem sempre merecem ou mais valia não merecerem. Afinal de contas, ele é que é o Presidente da República, mas não é o Papa que, esse sim, é infalível. E mesmo assim só em matéria de fé, pormenor que já agora é conveniente não esquecer.
Uma episódica convergência
Pois aconteceu que um dia destes o Presidente da República apareceu mais uma vez nos nossos televisores e, tanto quanto se ouviu, falou pouco mas bem. Disse ele, textualmente, que «é preciso lutar», fórmula que reduzida a estas três palavras mais pareceria proferida por um dirigente sindical a falar nos duros tempos que vão correndo. Mas o PR alongou-se um pouco mais: «É preciso lutar», disse ele, «por um Portugal mais justo e mais equitativo». É forçoso reconhecer que, assim mais completa, a frase ganha um possível contorno interclassista, uma projecção nacional, ficando mais compatível com o perfil de um Presidente que pretenderá sê-lo igualmente de todos os portugueses, dos altos e dos baixos, dos pobres e dos ricos, do Manuel recentemente desempregado e do Hermengardo que o despediu. Ainda assim, porém, foi uma frase esplêndida e perfeita, porventura ainda mais adequada e necessária nos dias que estamos a viver que noutros momentos, quase uma palavra de ordem. É claro que só por feia maldade é que se iria confrontar esta breve frase do senhor PR com os resultados da sua acção governativa nos velhos tempos em que ainda não era PR: o que importa é que a frase é justa e de facto consubstancia um aviso. Tanto e de tal modo que fez regressar à tona da nossa memória as já antigas mas sempre actuais palavras do José Afonso: o que faz falta é avisar a malta. De facto, o Presidente da República estava a fazer naquele momento o que é preciso, isto é, o que faz falta: avisar a malta, ainda que não se soubesse se se dirigia a alguma específica malta em particular ou à malta em geral. Porém, parece meter-se pelos olhos dentro que no nosso País nem todos querem «lutar por um Portugal mais justo e equitativo» e, assim, o Presidente quase pareceu estar a aproximar-se do reconhecimento implícito, mesmo que inadvertido, da luta de classes como factor motriz de transformações sociais. Não vou incorrer no abuso de presumir que quando lançou esta espécie de convocação para a luta (e a palavra «lutar» foi a escolhida por ele) estaria o Presidente a desejar um reforço da classe trabalhadora no seu combate contra as múltiplas iniquidades que sobre ela vêm sendo derramadas. Contudo, já agora, não será impertinente garantir, perante as presidenciais palavras entradas em nossas casas, que para essa luta pode o PR contar com os comunistas. Garantia quase inútil: ele bem sabe decerto, até por dever da função, que um País «mais justo e equitativo» é exactamente o que emerge do projecto político do PCP. Mas, de qualquer modo, concordar-se-á ser natural que um telespectador também de longa duração registe a episódica convergência entre as palavras de um Presidente e o percurso de um partido.
Uma episódica convergência
Pois aconteceu que um dia destes o Presidente da República apareceu mais uma vez nos nossos televisores e, tanto quanto se ouviu, falou pouco mas bem. Disse ele, textualmente, que «é preciso lutar», fórmula que reduzida a estas três palavras mais pareceria proferida por um dirigente sindical a falar nos duros tempos que vão correndo. Mas o PR alongou-se um pouco mais: «É preciso lutar», disse ele, «por um Portugal mais justo e mais equitativo». É forçoso reconhecer que, assim mais completa, a frase ganha um possível contorno interclassista, uma projecção nacional, ficando mais compatível com o perfil de um Presidente que pretenderá sê-lo igualmente de todos os portugueses, dos altos e dos baixos, dos pobres e dos ricos, do Manuel recentemente desempregado e do Hermengardo que o despediu. Ainda assim, porém, foi uma frase esplêndida e perfeita, porventura ainda mais adequada e necessária nos dias que estamos a viver que noutros momentos, quase uma palavra de ordem. É claro que só por feia maldade é que se iria confrontar esta breve frase do senhor PR com os resultados da sua acção governativa nos velhos tempos em que ainda não era PR: o que importa é que a frase é justa e de facto consubstancia um aviso. Tanto e de tal modo que fez regressar à tona da nossa memória as já antigas mas sempre actuais palavras do José Afonso: o que faz falta é avisar a malta. De facto, o Presidente da República estava a fazer naquele momento o que é preciso, isto é, o que faz falta: avisar a malta, ainda que não se soubesse se se dirigia a alguma específica malta em particular ou à malta em geral. Porém, parece meter-se pelos olhos dentro que no nosso País nem todos querem «lutar por um Portugal mais justo e equitativo» e, assim, o Presidente quase pareceu estar a aproximar-se do reconhecimento implícito, mesmo que inadvertido, da luta de classes como factor motriz de transformações sociais. Não vou incorrer no abuso de presumir que quando lançou esta espécie de convocação para a luta (e a palavra «lutar» foi a escolhida por ele) estaria o Presidente a desejar um reforço da classe trabalhadora no seu combate contra as múltiplas iniquidades que sobre ela vêm sendo derramadas. Contudo, já agora, não será impertinente garantir, perante as presidenciais palavras entradas em nossas casas, que para essa luta pode o PR contar com os comunistas. Garantia quase inútil: ele bem sabe decerto, até por dever da função, que um País «mais justo e equitativo» é exactamente o que emerge do projecto político do PCP. Mas, de qualquer modo, concordar-se-á ser natural que um telespectador também de longa duração registe a episódica convergência entre as palavras de um Presidente e o percurso de um partido.