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Para a minha filha Diana
- Londres, Madrid, Lisboa
Tal como nas Receitas Imorais publicadas na passada semana, as que a seguir se transcrevem foram também uma oferta de Natal, devidamente completada com uma caixa que incluía (quase) todos os ingredientes da receita como a seguir se verá. Os comentários, como na peça anterior, vão na linha do que Manuel Vázquez Montalbán (MVM) escreveu nos princípios dos anos 80 no seu livro chamado Receitas imorais, onde na página esquerda dava uma receita e na direita recomendava que tipo de situação e pessoa era o adequado para cada prato.
1.º prato: Lentilhas com mexilhões (estreia universal). Ingredientes para 2 pessoas ou 4 ingleses: 1/2pound de lentilhas; 1 ou 2 pounds de mexilhões; 1 cebola; azeite (olive oil); louro, alho, sal e pimenta.
Modus faciendi – Cozem-se os mexilhões em pouca água e coam-se, aproveitando a água. Ao lado põe-se a cebola com o azeite, os alhos e o louro. Quando estiver quente, deitam-se as lentilhas demolhadas, com um pouco de água. Separamos os mexilhões das cascas e tiramos a barba. Deita-se a água dos mexilhões nas lentilhas, passada por um coador muito fino. Há que equilibrar a água normal com a salgada do marisco. Quando as lentilhas estiverem cozidas, acrescentar os mexilhões no último momento, só para aquecerem… Provar e rectificar de sal e pimenta.
O objectivo é conseguir que uma leguminosa seca possa saber a mar sem perder o carácter. Só se consegue com mexilhões.
2.º prato: Pisto com bacalhau (dried codfish on pisto). Ingredientes para 4 pessoas: cebola, beringela, pimento, tomate, cabaçote; azeite; bacalhau; paciência.
Modus faciendi – Pica-se uma cebola grande, põe-se ao lume num tacho grande coberta de azeite. Acrescentar os diferentes vegetais, preferencialmente pelados, nas quantidades que cada um quiser sem predominância de pimentos e tomates. Deixa-se estufar lentamente e se virmos que se está a pegar, acrescentar um bocadinho de água. Quando se desfizer tudo e estiver cozido, sem chegar a ficar num puré, põem-se as postas de bacalhau dentro do pisto. Rectificar de sal, pimenta e água. Deve ficar húmido mas não aquoso.
Para acabar: Queijo, doce, fruta, café e bagaço.
Um bom Cheddar, Stilton ou Stiltechon, de produção artesanal, facilmente adquirível em lojas de bairro como zum bei spiel, o Harrod’s cilfridges (por isso não vai no lote. Por isso e porque não tínhamos).
*
Seguindo a teoria de Manuel Vázquez Montalbán, esta refeição é para ser desfrutada com um companheiro de nacionalidade portuguesa sem importar fisionomia e ocupação. Com o sentimento profundo de que são oriundos de Portugal e que essa desgraça, acompanhada com uma garrafa de vinho tinto, a milhares de quilómetros de casa, provocará profundas sensações daquilo a que se convencionou chamar «saudade». Alguma lágrima poderá aparecer a partir da terceira garrafa.
É totalmente desaconselhável convidar para este jantar aborígenes locais, para que os seus hábitos alimentares primitivos – compostos de ketchup, Worcester sauce, porridge e outros que não se mencionam para evitar o vómito colectivo – não possam vir a manchar o repasto. Como forma preventiva recomenda-se que se ponha fados canalhas caso algum indígena se introduza em casa. A fuga desses hominídeos está garantida.
*
Serviço de atenção ao cliente:
Não se considera necessário, devido à inteligência, tacto, brilhantismo, perfeição, experiência, sabedoria e bem-fazer da pessoa a quem vão dedicadas estas humildes receitas. Talvez, quem sabe?, algum dia, depois de correr tanto mundo e ver tanta coisa humana e divina, acabe por encher-se de pasta a vender francezinhas, iscas com elas e feijoadas numa tasca a mil quilómetros de nenhum sítio.
Olhe, querida:
Um grande beijo para si e um imeeeenso bem-haja!
- Londres, Madrid, Lisboa
Tal como nas Receitas Imorais publicadas na passada semana, as que a seguir se transcrevem foram também uma oferta de Natal, devidamente completada com uma caixa que incluía (quase) todos os ingredientes da receita como a seguir se verá. Os comentários, como na peça anterior, vão na linha do que Manuel Vázquez Montalbán (MVM) escreveu nos princípios dos anos 80 no seu livro chamado Receitas imorais, onde na página esquerda dava uma receita e na direita recomendava que tipo de situação e pessoa era o adequado para cada prato.
1.º prato: Lentilhas com mexilhões (estreia universal). Ingredientes para 2 pessoas ou 4 ingleses: 1/2
Modus faciendi – Cozem-se os mexilhões em pouca água e coam-se, aproveitando a água. Ao lado põe-se a cebola com o azeite, os alhos e o louro. Quando estiver quente, deitam-se as lentilhas demolhadas, com um pouco de água. Separamos os mexilhões das cascas e tiramos a barba. Deita-se a água dos mexilhões nas lentilhas, passada por um coador muito fino. Há que equilibrar a água normal com a salgada do marisco. Quando as lentilhas estiverem cozidas, acrescentar os mexilhões no último momento, só para aquecerem… Provar e rectificar de sal e pimenta.
O objectivo é conseguir que uma leguminosa seca possa saber a mar sem perder o carácter. Só se consegue com mexilhões.
2.º prato: Pisto com bacalhau (dried codfish on pisto). Ingredientes para 4 pessoas: cebola, beringela, pimento, tomate, cabaçote; azeite; bacalhau; paciência.
Modus faciendi – Pica-se uma cebola grande, põe-se ao lume num tacho grande coberta de azeite. Acrescentar os diferentes vegetais, preferencialmente pelados, nas quantidades que cada um quiser sem predominância de pimentos e tomates. Deixa-se estufar lentamente e se virmos que se está a pegar, acrescentar um bocadinho de água. Quando se desfizer tudo e estiver cozido, sem chegar a ficar num puré, põem-se as postas de bacalhau dentro do pisto. Rectificar de sal, pimenta e água. Deve ficar húmido mas não aquoso.
Para acabar: Queijo, doce, fruta, café e bagaço.
Um bom Cheddar, Stilton ou Stiltechon, de produção artesanal, facilmente adquirível em lojas de bairro como zum bei spiel, o Harrod’s cilfridges (por isso não vai no lote. Por isso e porque não tínhamos).
*
Seguindo a teoria de Manuel Vázquez Montalbán, esta refeição é para ser desfrutada com um companheiro de nacionalidade portuguesa sem importar fisionomia e ocupação. Com o sentimento profundo de que são oriundos de Portugal e que essa desgraça, acompanhada com uma garrafa de vinho tinto, a milhares de quilómetros de casa, provocará profundas sensações daquilo a que se convencionou chamar «saudade». Alguma lágrima poderá aparecer a partir da terceira garrafa.
É totalmente desaconselhável convidar para este jantar aborígenes locais, para que os seus hábitos alimentares primitivos – compostos de ketchup, Worcester sauce, porridge e outros que não se mencionam para evitar o vómito colectivo – não possam vir a manchar o repasto. Como forma preventiva recomenda-se que se ponha fados canalhas caso algum indígena se introduza em casa. A fuga desses hominídeos está garantida.
Serviço de atenção ao cliente:
Não se considera necessário, devido à inteligência, tacto, brilhantismo, perfeição, experiência, sabedoria e bem-fazer da pessoa a quem vão dedicadas estas humildes receitas. Talvez, quem sabe?, algum dia, depois de correr tanto mundo e ver tanta coisa humana e divina, acabe por encher-se de pasta a vender francezinhas, iscas com elas e feijoadas numa tasca a mil quilómetros de nenhum sítio.
Olhe, querida:
Um grande beijo para si e um imeeeenso bem-haja!