Manobras e ilusões

Jorge Cadima

E esta campanha de medo pesou no desfecho deste novo referendo

Os eleitores irlandeses - forçados a repetir o único referendo que a UE não conseguiu evitar e em que corajosamente chumbaram o Tratado de Lisboa – foram agora sujeitos a uma campanha em várias frentes para disciplinar o seu voto. Por um lado, receberam cenouras: as promessas de que podem manter a neutralidade do país e que continuará a haver um comissário europeu irlandês. Por outro lado, viram o chicote: uma avalanche de propaganda terrorista ameaçando com o descalabro económico. A Irlanda é um dos países mais afectados pela crise mundial do capitalismo, e esta campanha de medo pesou no desfecho deste novo referendo. Mas não serão os responsáveis pela crise que a irão resolver. A crise tem causas e raízes bem fundas na própria natureza do capitalismo. Este voto dá novo alento aos processos de integração do pólo imperialista europeu e vai reforçar as dinâmicas de exploração e de guerra das classes dirigentes. Que, por sua vez, conduzirão a novas e mais graves crises. O verniz está já a estalar, mesmo nas declarações públicas. Um dirigente de topo do Bundesbank fez declarações racistas, a fazer lembrar os seus antecessores dos anos 30, embora agora os culpados de tudo não sejam «os judeus», mas «os árabes e turcos» (Telegraph, 4.10.09).

Não é coincidência que, após o anúncio dos resultados na Irlanda, voltasse a campanha mediática para nomear Blair, o poodle de Bush, para o novo cargo de Presidente do Conselho Europeu, criado pelo Tratado de Lisboa. A sua candidatura é apoiada pelos governos britânico e francês. Sarkozy já foi claro: «quero um candidato escolhido a partir do topo, e não um candidato de compromisso» (Observer, 13.1.08). Embora não seja certo que Blair venha a conquistar o lugar, quem ache impossível que alguém tão comprometido com o belicismo imperialista possa vir a ser escolhido para um cargo tão importante da UE na era pós-Bush, faria bem em olhar para os factos. Não apenas o anfitrião da infame Cimeira das Lajes, Durão Barroso, acaba de ser reeleito para a presidência da Comissão Europeia (com o voto do PS), como também a NATO escolheu para o seu mais alto cargo político o ex-primeiro-ministro dinamarquês Rasmussen, fervoroso apoiante da guerra no Iraque. A participação activa na máquina de guerra é o melhor cartão de visita para carreiras políticas ao serviço do imperialismo, sob Obama como sob Bush, na UE como nos EUA.

Enquanto a comunicação social de regime se esforça por vender uma imagem de normalidade, numa situação mundial em profunda crise, os senhores da guerra imperialista prosseguem a cruzada. O general McChrystal, nomeado por Obama para chefiar as tropas EUA no Afeganistão (e Paquistão), diz agora que precisa de mais 40 mil soldados (New York Times, 5.10.09). A NATO prepara o seu novo conceito estratégico, a ser aprovado na Cimeira que terá lugar no nosso país. Da última vez que aprovou um conceito estratégico, em 1999, fê-lo coincidir com a sua primeira guerra: a criminosa agressão contra a Jugoslávia. Na altura invocou-se pretextos «humanitários». Desta vez, os motivos para futuras acções da NATO vão da pirataria às alterações climáticas, da ciber-segurança aos desastres naturais (discurso de Rasmussen na Conferência sobre novos riscos para a segurança, organizada pela seguradora Lloyds, 1.10.09). Como diz um analista militar (Rick Rozoff, globalresearch.ca, 3.10.09): dos riscos referidos «nenhum pode ser considerado, sequer remotamente, como uma ameaça militar». Mas isso pouco importa. O «grupo de peritos» criado pela NATO para preparar a sua nova estratégia é chefiado por Madeleine Albright, a ex-MNE de Clinton que presidiu à agressão contra a Jugoslávia. E o co-presidente do grupo foi, até Junho passado, o director (CEO) do gigante petrolífero Royal Dutch Shell. Factos que valem mais do que mil palavras e mostram a real natureza da NATO: forças armadas planetárias ao serviço do grande capital dos centros do imperialismo, com os EUA à cabeça.

O escritor norte-americano Gore Vidal não tem dúvida: «vamos ter muito em breve uma ditadura militar [nos EUA]» (The Times, 30.9.09). Mas o que vai, em última análise, determinar o curso dos acontecimentos é a luta dos povos. E para essa luta importa deixar de lado as ilusões, olhar de frente a realidade e não se deixar embalar por falsas promessas.


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